"Ser feliz é uma actividade que requer toda uma vida e não pode existir em menos tempo" - Aristóteles, Ética a Nicómaco
quarta-feira, 29 de dezembro de 2021
Pensar pela própria cabeça
O indivíduo nem sempre chega a entender a diferença entre pensar e pensar pela própria cabeça. É uma dicotomia algo artificial e estranha, porque, em rigor, só se pode pensar com a própria cabeça e, mesmo quando pensamos sobre aquilo que é cultura, objectivação de pensamento, ideias, juízos, ainda que não através de objectificação mais ou menos efémera, seja ou não linguagem, ou meio de comunicação, sonora, escrita, visual, qualquer que seja a codificação usada (por ex., dizer amo para significar odeio, etc..) é a cabeça de um indivíduo que “imagina”, “pensa” o que, aparentemente, está pensado, por exemplo, num livro.
Mas podemos ter a certeza, podemos estar seguros de que ninguém pensa pela cabeça de ninguém? Creio que sim.
No entanto, o acto de pensar é apenas uma forma consciente de pensar. Pensar nem sempre corresponderá a um acto consciente. A consciência, aquilo que, neste contexto, considero condição para se poder falar de acto, constitui, no conjunto da vida humana, suponho eu, baseado em mero palpite do tempo que passamos a dormir, ou quase a dormir, distraídos ou em estado “quase comatoso”, sendo a parte da vida que mais directamente testemunhamos, não deixa de ser relativamente muito pequena, embora a que é representativa para a nossa memória, do cronómetro biográfico.
E não é por não estarmos conscientes dos nossos metabolismos fisiológicos e processos neurológicos que eles deixam de ocorrer. Aqui, a nossa cabeça pouco ou nada pode pensar em termos de acto de pensamento determinante do processo. Ninguém, aqui, sequer pensa, nem pela própria cabeça, nem pela cabeça de outrem (se isto fosse possível).
É, não obstante, perceptível a diferença entre pensar como mero descodificador num processo de comunicação e pensar como emissor.
Se, perante uma assembleia de sábios, eu tivesse que falar com a condição de lhes dizer apenas algo que eles não soubessem, em verdadeiro e absoluto nome próprio, sem me ser permitido recorrer a citações, ou quaisquer ideias que não fossem minhas, não sendo aceite sequer que me referisse a qualquer doutrina, autor, teoria, ideologia, devendo mostrar originalidade e conhecimento de tal modo que eles próprios nunca tivessem sequer suspeitado, a minha prova seria algo parecido com uma missão impossível e não teria nada a ver com uma prova acerca do que pensaram os outros, sábios ou não.
Naquela minha hipótese, eu teria que pensar pela própria cabeça.
O problema é que pensar pela própria cabeça não é tão cómodo, nem tão fácil, nem tão compensador, nem tão “inteligente” e “económico” e, do ponto de vista da comunicação, é um desafio com obstáculos brutais, tanto para quem emite, quanto para quem recebe.
quinta-feira, 9 de dezembro de 2021
Todas são uma
As
mulheres
São
tão secretas
Que
só o poeta sabe
Que
todas são uma
Imprescindível
aparição
Que
não acontece
Nas
ocasiões mais felizes
Que
nas tristes
Todas
não são
E
o poeta cuida
Que
figurem na íntima narração
Das
criações belas
Que
povoam as telas
De
quem confia sem receio
Em
todo e qualquer devaneio
Que
elas são.
segunda-feira, 29 de novembro de 2021
O que tens a dizer sobre o que quer que seja
Se
o que tens a dizer
Sobre
o amor
Ou
o que quer que seja
É
que já foi tudo dito por outros
Essa
charada
De
ti
Não
diz senão
Que
estás de porta trancada
Mas
ninguém atira uma estrela
Pela
janela
Como
quem dispensa dons
De
profetizar
A
partir do céu
Vestires-te
de conchas
Das
profundezas marinhas
Não
te tornará mais cromo
Do
que apanhares banhos de sol
Ao
luar
Entre
os ópios do povo
Que
venha o diabo e escolha.
quarta-feira, 24 de novembro de 2021
Virtudes e defeitos do capitalismo e do liberalismo
sábado, 20 de novembro de 2021
Direito, igualdade, imperativo categórico
A esfera dos teus direitos só encontra fundamento e justificação na medida em que fundamenta e justifica a esfera de direitos do outro. Qualquer direito que te arrogues só será direito se for universal. Por ex., se alguém reclamar para si o direito a ter um avião, é imperativo categórico que qualquer outra pessoa possa igualmente reclamar esse direito. Mas o imperativo categórico, em termos de consciência política e de justiça social e ambiental, conduz a que não seja direito, por exemplo, que um indivíduo se prevaleça e se aproveite de mais recursos do que aqueles que lhe são estritamente necessários se calculássemos a parte dos recursos disponíveis estritamente necessários a cada ser humano. Grosso modo, por ex., se é impossível que todas as pessoas tenham um avião, eu não tenho direito a ter um. Ou, por outras palavras, o imperativo categórico não comporta que haja dois pesos e duas medidas.
O teu quinhão não pode ser composto à custa e com prejuízo do quinhão do outro, entendido como todo e qualquer outro ser humano.
O princípio da igualdade é o reconhecimento e a expressão de um imperativo categórico: a norma que escolheres para ti é válida para o(s) outro(s). No fundo, corresponde ao princípio da não contradição.
A discussão em torno das questões de justiça social teria imenso a ganhar, seria muito mais fértil, se não se distraísse do imperativo categórico da igualdade.
Até podes arvorar-te em medida e critério de todas as coisas, mas é imperativo categórico, quer dizer, não tens razão alguma para recusar, que todas e quaisquer pessoas façam o mesmo.
A menos que faças como os profetas e o messias, que apelaram à sua natureza alegadamente divina.
terça-feira, 16 de novembro de 2021
Cápsulas de optimismo
As
transformações sofridas
Qual
esplendor de cápsulas de optimismo
De
janelas viradas
A
futuros certos
Prometem
recordes do lançamento de princípios
Nos
jogos olímpicos da volúpia
Nas
vias travessas do amor
E
das agonias do ódio
Ao
virar da esquina
Ninfas
descobertas a caminhar
Em
chão de urtigas
Por
entre lápides que são quedas
De
muros que soterram
Quem
vive a matar o tempo
Não
basta matar
Saudades
Matam
mais que o sal
Os
construtores de liberdade
Percebem
que a paciência
É
uma ferramenta chave
Para
desactivar desastres
E
que a atenção nunca é de mais
Quando
se trata de resolver problemas
Democracia
é parte da solução
Não
existe sem gente
Nem
pontes
Nem
ruas em todos os sentidos
Por
onde erra quem foge
À
discussão.
sábado, 23 de outubro de 2021
Democracia e Cultura (visível e escura)
O tema Democracia e Cultura é susceptível de árdua, mas muito proveitosa ponderação e análise, no âmbito da democratização, seja da cultura, seja da própria organização política, que o é da cultura, se considerarmos, como eu considero, que cultura é acto humano, tendo em mente que acto é uma forma de manifestação do indivíduo humano, racional, voluntária, consciente, num quadro de possibilidades das quais ele escolhe a melhor.
A cultura é isto. É tudo aquilo
que a humanidade, através dos indivíduos que a constituem, produziu, de alguma forma
objectivada, em sons, imagens, sinais, artefactos, enfim, meios de comunicação,
construções, marcas, registos, efeitos, resultados, intencionalmente, exercendo
uma escolha, numa panóplia de possibilidades, entre as quais, escolher não
escolher, conquanto as não escolhas não tenham originado cultura, por falta de
objectivação. Essa matéria escura da cultura, ainda hoje, até pode ser mais
abundante e determinante do que a outra, que se manifesta em acto de
objectivação, mas não deixa rasto.
A organização
política da sociedade, pela sua própria natureza, é cultura que se objectiva. E
entre os seus desígnios está alargar ou encolher o horizonte de possibilidades
de escolha, sendo que a possibilidade de o indivíduo escolher não escolher,
está sempre presente, quer o indivíduo tenha consciência, ou não, de que não
escolher tem implicações, corresponde a uma escolha.
Democratizar a
cultura faz sentido, até porque, se a cultura é produzida pelos humanos, nem
todos os humanos produzem cultura em igual medida e nenhum humano produziu ou
produz a cultura toda. De igual modo, nenhum humano tem acesso à cultura toda,
senão a uma pequeníssima parte.
A democracia, porém, enquanto domínio da expressão da maioria, exprime os interesses dessa maioria como eles se configuram no quadro de possibilidades vigente. A democracia, por si só, não altera o quadro de possibilidades, porque este é uma das limitações, condições, da democracia.
E democratizar a cultura não significa,
nem corresponde a produzir cultura democraticamente.
terça-feira, 19 de outubro de 2021
A realidade como ela é
Não nos basta bater com a cabeça na parede para podermos responder às questões do que é a realidade, se a parede é real, se o que pensamos é real e se essa realidade é como é, se tem de ser como é, se sempre foi o que é e se alguém sabe se será e o que será, etc..
A necessidade de
explicar como é que o mundo é não parece ter tanto a ver com as aparências de
ser (que são) mas sobretudo com o que parece mas não é (parece mais uma contradição).
Os filósofos
sabem-no desde que reflectiram sobre a natureza, pelo menos desde os jónicos e
os cientistas, nomeadamente os físicos, parece saberem-no melhor do que ninguém,
não apenas ao tentarem saber como as coisas (realidade) funcionam, mas também
ao tentarem explicar porque é que funcionam assim, se sempre funcionaram e se
funcionarão.
Há pelo menos
duas questões que podemos colocar para experimentar as dificuldades com que
deparamos no tocante à realidade: saber/dizer/declarar o que é “isto” e
provar/demonstrar o que se declara. À dificuldade de responder à questão, concreta,
por exemplo, “isto é uma pedra?”, acresce a dificuldade de provar e demonstrar.
Normalmente, as pessoas não questionam, nem discutem se a parede existe ou não,
se é real ou não. O que tem suscitado discussão é “o que é a parede?” e a prova
e demonstração do que se diz. Não é se a parede está lá. Os físicos também não
discutem se existe o sol e a terra. Mas a questão não me parece disparatada.
Voltando à
questão de saber “o que é isto?”, os cientistas têm dado um imenso contributo,
é certo, mas ainda não chega, como se pode ver do facto de a física manter em
aberto questões fundamentais sobre a realidade física. Mas também temos de
considerar a existência de realidades que os físicos não estudam, como os
pensamentos e os sentimentos e a biologia que, ao que parece, não deixam de ser
realidades físicas, ainda que mais efémeras umas do que outras.
Não obstante, e
isto toca com o problema de o mundo “ser como é”, se fossemos capazes de
responder à questão “o que é isto?” e de o provar, essa resposta,
provavelmente, teria de responder às outras questões “o que isto foi?”, “o que
isto será?”, sabendo nós, por experiência, que, na realidade, mesmo para os
físicos, se há um modo de ser das coisas esse modo de ser é que elas (mesmo se sabemos
como foram), não são como são, nem sabemos como serão.
Haverá forma de
saber se este problema se resolveria se um poder para isso suspendesse o
movimento dos corpos (e das partículas, ou cordas, ou outra coisa desconhecida,
cancelando a gravidade, a força electromagnética e as forças nucleares)? Os
cérebros não seriam suspensos também?
segunda-feira, 11 de outubro de 2021
A toque de caixa
Ao toque de tambores e de clarim. Muitas batalhas foram perdidas
porque o fragor dos ferros e dos gritos não permitiram que os combatentes
ouvissem os toques da ordem. Ficavam assim à mercê do inimigo, desorientados,
em vez de fugirem, resistiam, mas sem rectaguarda, ou fugiam desordenadamente
na direcção errada. A comunicação, nas batalhas, sempre foi um dos pontos chave
e mais difíceis de conseguir e de coordenar, sobretudo antigamente, em que os
sinais sonoros para chegarem às tropas, não deviam confundir-se com os sinais
do inimigo, perderem-se no espaço ou serem distorcidos pelo ruído produzido
durante a batalha. A comunicação é, se prestarmos alguma atenção ao problema, o
calcanhar de Aquiles, da guerra como da
paz.
A guerra é para
especialistas, como a ciência é para especialistas, mas as técnicas e os
combates são para todos. À ciência não pode ser imputada nenhuma
responsabilidade. A pólvora não tem culpa de ser explosiva, nem as máquinas têm
culpa de demolir, nem o fogo tem culpa de devorar e liquefazer tudo, até um
certo ponto. Nenhuma droga, ou aeronave, podem ser responsabilizadas dos danos
que causam. Assim como um cão ou um vulcão. Mas podemos sempre tentar metê-los
a todos numa prisão. Só que, enquanto o homem continuar a existir, à solta, ou
não, vai ser obrigado a lutar pela sobrevivência e isso tem de ser colectivo. Infelizmente,
a humanidade não tem sido muito bem-sucedida na tentativa de fazer o melhor. A
natureza, incluindo a humana, é indócil e rebelde, para não dizer inábil, relativamente
a uma bondade objectiva dos nossos actos construtivos, tantas vezes com imenso
trabalho e sacrifício. Afinal, temos andado a construir destruindo, ou a
destruir construindo? Quanto das construções são destruições irreversíveis? E
como remediar e evitar continuar?
É preciso
trabalhar arduamente para que tudo continue na mesma, e não se consegue. Mas
para que as coisas mudem, basta não fazer nada.
A ciência não
tem defeitos morais, é como a sabedoria, e como Deus. São bons por definição e
não são virtuosos, em sentido moral, porque virtuoso é atributo moral de acto
humano. Não fazem e nunca fizeram mal a ninguém. São edifícios ideais,
abstractos,
Já a guerra tem
de ser vista de outro modo e noutra perspectiva. A guerra é actividade humana,
conjugada para infligir mal. Se porventura alguém faz ciência para infligir mal,
não é o acto de fazer ciência que faz mal, mas o acto de guerra, em intenção ou
execução consequente.
quinta-feira, 7 de outubro de 2021
Quem não gostaria de saber?
Não
pretendo, nem seria capaz de dizer o que a universidade é, ou foi, nem o que
pode ser, nem o que deve ser e, menos ainda (se é que tal é possível), o que
será. Pretendo dizer, simplesmente, que não acredito que haja alguém capaz de o
fazer. E creio que não estou a jogar com as palavras para além do significado
que elas, prosaicamente, comportam. Claro que a minha opinião, corresponda ou
não à minha crença (tantas vezes se afirma uma coisa e se pensa outra), não
vale pelo que penso, mas pelo que significa.
Neste
caso, o que ela significa é anódino (cada um acredita naquilo que lhe aprouver),
enquanto não apresentar razões plausíveis para afirmar o que afirmo.
Para
que não seja completamente gratuito, admitindo que não é de tal modo óbvio o porquê
de «não acreditar que haja alguém capaz de o fazer», passo a esboçar meras
presunções.
Se
para dizer o que é uma pedra não basta a ciência toda, nem a filosofia toda,
nem toda a poesia, pode ser uma simples pedra no sapato, ou na cabeça, em forma
de um rei, ou de pavimento, pedra angular, pedra preciosa, parte de um todo desconhecido,
que não pode ser deduzido dela, que não existe sem ela, não sabendo nós se
subsistirá o significado que ela tem para a ciência, para a filosofia, para a
poesia e, inerentemente, para o homem, se este desaparecer, quanto mais não
será necessário para dizer o que a universidade é? Haverá alguma ciência, ou interconexão
de ciências que nos disponibilize a representação do que a universidade é de um
modo pelo menos tão claro como é possível representar os ambientes em que terá
surgido a vida?
Se
é difícil ou impossível dizer o que uma coisa é, quanto mais difícil não será
dizer o que ela foi?
Se
não sabemos responder a nenhuma destas perguntas, como saberemos o que a
universidade pode ser? E se não soubermos o que pode ser, que sentido faz dizer,
ou até pensar, o que deve ser?
E
quanto ao que será? Quem não gostaria de saber?
quarta-feira, 29 de setembro de 2021
A Escola e os gurus
A escola, tal
como a conheço, era uma circunstância odiosa, tal como a catequese e a igreja,
ainda que (ou mais ainda, se) a criança fosse promovida a estrela da companhia.
De tal modo colocava
as crianças perante as suas incapacidades, dificuldades, limitações, mas sempre
contracenadas com figurinos histriónicos elevados à categoria de exemplo e
prova de que é possível, os outros conseguem, tu não.
O outro era, e
continua a ser, a marca inatingível. Há sempre outros. Há sempre os melhores,
que são os outros. E, por alguma razão, há sempre quem ache isto bem. O limite
é Deus. Não existe, nunca existirá, porque Deus ficava estragado se fosse
limitado.
Não existe
limite quando o outro é o limite ao devolver que limite tem um nome “tu”, tu és
o limite, o limite és tu.
E então, a escola,
a catequese, a igreja, os modelos de pensamento, de organização social, de produção,
de educação, de ensino, de justiça, de beleza, de santidade, de virtude, enfim,
de valor, de sucesso, de realização, operam sobre a criança e exercem uma força
que será tanto mais fantasmagórica e ilusória quanto mais ela se aperceber de
que a realidade, a sua experiência, os seus sentidos, tendem a refutar as ideias
de que é possível ou desejável que corresponda a algum modelo, ou personagem, que
tampouco está gizado, que tampouco existe, que tampouco interessa, que nem
sequer é humanamente razoável…
E começa a
perceber que, tal como as histórias da carochinha, é tudo um faz de conta. Há
crianças que vivem num mundo faz de conta mais interessante, em que elas
próprias fazem de conta e dão-se bem com isso. Outras nem tanto. E outras não.
O faz de conta não é igual para as bruxas e para as criancinhas.
Depois, o faz de
conta, que conta, e de que maneira, continua a ser um jogo que dificilmente o
jovem recusará jogar, mesmo que saiba que é viciado e vai perder. Se sabe que
vai ganhar, mesmo sabendo que é viciado, joga, porque não pode deixar de o
fazer.
A ideia de que o
que importa é participar e não ganhar, é bem verdadeira, porque quem ganha não
se importa, quem perde é que tem de se importar.
Mesmo no
desporto, o espírito desportivo está ao serviço de um resultado, de tal modo
que não tens de saber jogar, ou de jogar bem, ou de jogar melhor, se souberes
alcançar o resultado. E se não for o resultado do jogo, daquele jogo, que seja
o resultado do teu jogo, no qual aquele é apenas um episódio, uma jogada, como
uma manobra para despistar o adversário.
Mais tarde, já adultos,
talvez peões de jogos cada vez mais complexos, talvez sonhando, ainda,
quixotescamente, serão tanto mais a realização daquilo que para eles o ensino e
a educação prepararam, quanto menos tiverem a noção daquilo em que os tornaram,
ou em que eles se tornaram.
Quanto aos gurus,
se fossem árbitros do jogo, talvez alterassem as regras, mas a viciação não,
até porque faz parte do jogo e não respeitar as regras também é batota.
quinta-feira, 23 de setembro de 2021
Disse república?
Eu penso que sou republicano, mas o país é uma caterva de tribos nostálgicas das fachadas de linhagens e fidalguias que nunca tiveram, que praticam a vassalagem, o nepotismo, o compadrio e o favorecimento, como sistema de valores democráticos, perante o altar da inclusão, igualdade de oportunidades e liberdade, desde que lhes esteja assegurada a parte de leão, em que a justiça prima por não cometer injustiças contra algum corrupto menos feliz.
Quem não
gostaria de ser monárquico se pudesse ser rei, de preferência absoluto?
sexta-feira, 17 de setembro de 2021
A escola pública
Se há áreas em que o Estado tem uma função prioritária e de primordial relevância social como promotor e garante do bem comum, da igualdade na liberdade e da liberdade na igualdade, a escola pública é sem dúvida estratégica, mas tem sido um instrumento de instrução e de educação muito negligenciado, como normalmente tem sido negligenciado o investimento na cultura do conhecimento para a democracia, para a justiça e para a paz.
A pessoa, os seres humanos, apesar dos discursos politicamente correctos e muito farisaicos de tantos cónegos Remédios com investidura em cargos políticos da maior responsabilidade, na prática, continuam a ser tratados e considerados, para todos os efeitos, numa vertente económica meramente mercantil de rentabilidade imediata.
Esta redução dos problemas políticos e sociais à expressão mais
simples do seu potencial para gerar negócio lucrativo à escala piramidal das
lógicas financeiras, tem sido o princípio e o critério que presidem a todo o
discurso e acção política, que são assumidos como valores, ou virtudes, quando
deviam ser vistos e assumidos como o grande constrangimento ao Estado, que dita
às forças políticas os seus limites e as condições do seu exercício, ainda
antes de elas se manifestarem.
E este
constrangimento é de tal modo estrutural que os cidadãos o percebem claramente
e está na origem da pobreza das alternativas à governação e também explica em
grande parte a tendência crescente para uma abstenção desencantada.
domingo, 22 de agosto de 2021
A racionalidade dos animais
A minha teoria,
passe a imodéstia (e já estou a lançar uma provocação) sobre a racionalidade e
o início da racionalidade, que neurocientistas mapearão no caminho dos sistemas
de cognição dos seres vivos até ao sistema de consciência, é que a
racionalidade é um acto de consciência acerca de relações entre dois ou mais
termos (representações), assumindo, ou não, valores. A maior confusão que existe,
no que toca ao discurso sobre a realidade, seja cultural ou meramente natural
(física), tem a ver com a ideia de que, por exemplo, o pensamento mitológico
não é racional ou não é tão racional como outros pensamentos racionais. A minha
teoria é que o pensamento humano, desde o início, é racional e que o racional,
além de ser uma aptidão natural dos seres vivos, atingiu as proporções, ou a
escala, ou o calibre, que tem no ser humano, pela capacidade neurológica deste
em exercer essa racionalidade sobre termos abstratos, ainda que meramente
imaginados, ou inferidos, numa teia sem fim. De modo que o pensamento racional
não é por ser racional que merece credibilidade, ou que corresponde a factos.
Mas temos toda a
cultura e civilização para ilustrar esse fenómeno da racionalidade sobre dados
falseados, ilusórios, viciados, fictícios, meramente hipotéticos.
O nosso problema
não é a racionalidade, mas os termos, ou os dados, sobre os quais ela opera e o
modo, mais ou menos condicionado, como opera.
A nossa
racionalidade sobre os fenómenos naturais não é mais, nem menos, do que a
racionalidade dos primitivos de pensamento mitológico, ou de que os
contemporâneos de pensamento teológico-católico, ou astrofísico. Os termos, ou
os dados sobre os quais se exerce é que são outros.
Daqui por uns anos,
a nossa racionalidade não será considerada pior se alguém descobrir que tudo
aquilo em que acreditamos, neste momento, é mero efeito do sistema cognitivo
que temos.
sexta-feira, 13 de agosto de 2021
Aproximações à verdade XV
Hilário: o egoísmo
é a lei que rege o humano
Amiga: tudo o que nós
queremos é felicidade
Hilário: no momento
de agir, nem sempre se pensa como deve ser
Amiga: haverá quem
faça algo sabendo que isso lhe trará infelicidade?
Hilário: quando
agimos é porque acreditamos que isso nos interessa
Amiga: mas muitas
vezes chegamos à conclusão de que previmos mal as coisas
Hilário: Aristóteles,
na Ética a Nicómaco, diz que "Ser feliz é uma actividade que requer
toda uma vida e não pode existir em menos tempo"
Amiga: ou a
felicidade de agora pode ser a infelicidade depois
terça-feira, 10 de agosto de 2021
Aproximações à verdade XIV
Hilário: o problema fundamental, na política, não
é quem domina quem
Amiga: pensava que esse era o problema
Hilário: todos sabemos quem domina quem, isso não
é novidade
Amiga: mas é um problema
Hilário: mas não é o problema maior
Amiga: então é porque quem domina não domina
grande coisa
Hilário: ou que não domina algo maior do que si
próprio
Amiga: isso é enganador porque quem domina escolhe
o lado que mais lhe convém
Hilário: quem domina em ditadura, certamente,
domina em democracia
Amiga: então o problema fundamental é o modo como
se domina, democrático ou não.
quarta-feira, 28 de julho de 2021
Aproximações à verdade XIII
terça-feira, 27 de julho de 2021
Otelo, o Oscar do 25 de abril de 1974
sábado, 24 de julho de 2021
A presunção da justiça e a justiça da presunção
A justiça, de facto, é presunção que, umas vezes, corresponde à verdade dos factos, outras vezes, não.
No que toca às prescrições não presuntivas, nomeadamente de crimes, gostava de saber se já houve algum processo em que o beneficiário (?) da prescrição, para tentar provar, senão a inocência, pelo menos a inconsistência, ou improcedência da acusação, deduziu oposição.
Quando um arguido aceita, alegremente, a prescrição, não deixa de
encorajar a que se pense numa presunção de culpabilidade, ficando por defender,
senão a honra da inocência, pelo menos a da absolvição.
quarta-feira, 21 de julho de 2021
Os chico-espertos
Em Portugal, há uma
cultura de chico-espertismo brutal, em que, se entras grande, tens de sair
pequeno. Depois de morto, para proveito do mesmo chico-espertismo, podem
sentir-se obrigados às homenagens póstumas do costume. Mas, aqui, já são os
chico-espertos, que entraram pequenos e saem grandes.
sábado, 10 de julho de 2021
Quem é autómato, não é gago.
Saber algo de cor e salteado pode ter interesse em alguns casos, sendo vantajoso identificar essas situações para reforçar a memorização de cor, nesses casos. Por exemplo, se quero dizer ou declamar um poema, cantar uma canção, posso não ter outro remédio, assim como se pretendo representar uma personagem numa peça de teatro falada, ou se me exigem num exame que saiba a tabuada de cor, ou, como antigamente, o código da estrada de cor. Em nenhum destes casos, todavia, a capacidade para papaguear as falas e os textos fornece qualquer indício, e menos ainda garantia, de que corresponde a outra aprendizagem para além disso.
Compreender o poema, a canção, a personagem, a multiplicação e os números, as regras de trânsito e a importância e significados disso tudo, pode, simplesmente, não ter sido alcançado.
Se for um sábio a ouvir, ou um professor a ler a resposta do aluno, até pode ficar deslumbrado com o que ouve, ou lê, e recolher do que ouve, ou lê, imensos ensinamentos, mandamentos e julgamentos, que nunca lhe tinham ocorrido, embora sendo sábio e não saiba nada daquilo de cor.
Mas quem fala de cor para o sábio, pode, muito simplesmente, não saber nada daquilo que diz. Aqui, as semelhanças do que fala de cor com um robot parecem-me evidentes. O “papagaio” bem podia começar por dizer “eu sou um robot” e não fazer nenhuma ideia do que estava a dizer e menos ainda da razão pela qual o sábio desatara a rir.
Já as semelhanças do sábio com um robot não são nenhumas e talvez um robot nunca venha a ser sábio porque, dificilmente ou nunca, virá a ter a noção e a ser capaz de compreender as linguagens que opera automaticamente.
Quem é autómato, não é gago.
sexta-feira, 9 de julho de 2021
Aproximações à verdade XII
Hilário: tive uma namorada que nunca me
disse como se chamava
Amiga: e sabes porquê?
Hilário: não sei, nunca lhe perguntei
Amiga: nunca lhe perguntaste o nome?
Hilário: não, nem nunca lhe perguntei
por que não me disse o nome
Amiga: e ela perguntou-te?
Hilário: o quê?
Amiga: tu é que sabes
Hilário: ela não me perguntou porque é
que lhe não perguntei o nome
Amiga: e perguntou-te como te chamavas?
Hilário: não
Amiga: homessa?!
Hilário: fomos apresentados por um
amigo
Amiga: ah, então sabiam o nome um do
outro?!
quinta-feira, 1 de julho de 2021
Aproximações à verdade XI
Hilário: há pessoas que
não podem jogar umas com as outras
Amiga: eu não posso jogar
contigo, nem a feijões
Hilário: e tu não és
minha irmã, imagina se fosses
Amiga: nem tudo tem a ver
com prazer e dor física localizada
Hilário: que o meu prazer
não seja a dor dos outros
Amiga: que a minha dor
não seja o prazer dos outros
Hilário: se nos tirarem a
dor, ficaremos privados de imensos prazeres
terça-feira, 22 de junho de 2021
Aproximações à verdade X
Hilário: neste momento, os meus problemas são apenas filosóficos
Amiga: quais?
Hilário: o que quero dizer é que estou feliz por estar aqui e nem sei por
que falei
Amiga: mas isso é um poema
Hilário: pois, um poema e mais nada
Amiga: um poema sem consequências
Hilário: já começo a sentir-me menos feliz
Amiga: por causa do poema, ou por eu dizer que era
um poema, ou por dizer que era sem consequências?
Hilário: por causa das consequências
Amiga: mas se é um poema sem consequências?
Hilário: tudo tem consequências
Amiga: mas nem sempre nos agradam
quarta-feira, 16 de junho de 2021
O que é, então, o erro?
Teremos imenso a aprender sobre o erro e uma teoria do erro, ou dos erros, ajudar-nos-ia a esclarecer se há erros colectivos e, havendo, em que diferem dos erros individuais.
A humanidade erra?
A ideia de que a humanidade possa errar parece inconsistente com a ideia de erro, pelo menos com a ideia de que a natureza não erra.
Mas, se a natureza
não erra e se o homem é natureza, o que é, então, o erro?
E o livre-arbítrio?
A ciência não é apenas uma
maquinaria de previsão do futuro a partir do presente, mas também pode ser de
adivinhação do passado, ou retrovisão. Ou seja, não apenas permite antever os
efeitos a partir das causas, como determinar estas a partir dos efeitos.
Há, porém, um problema sério que não ganhamos nada em ignorar: tudo o que
aconteceu não podia ter acontecido de outro modo.
Quando buscamos causas é
sempre do que acontece e nunca do que poderia, ou poderá, acontecer. Não há
causas do que não acontece.
O determinismo, neste aspecto da questão, é irrefutável, ainda que não sejamos
capazes de explicar todas as causas de um facto.
Aliás, aproveito para
introduzir aqui a discussão sobre o livre-arbítrio, que é fascinante.
Se tudo o que acontece é determinado por causas e se não conhecemos nada que
não tenha acontecido, onde é que vamos situar o livre-arbítrio?
Já li bastantes coisas à volta do assunto, umas mais confusas do que outras,
mas ainda não vi ninguém a colocar a questão desta forma.
quinta-feira, 10 de junho de 2021
Aproximações à verdade IX
Hilário: Direito não é todos terem permissão de
fazerem o que alguém faz
Amiga: Igualdade não é todos poderem fazer o que
alguém faz
Hilário: e se esse alguém for o rei, ou o imperador,
ou o sumo sacerdote?
Amiga: esse é que é o problema.
terça-feira, 8 de junho de 2021
Aproximações à verdade VIII
Hilário: o homem (todos os homens) é o único valor ao
qual todos os outros estão subordinados
Amiga: nenhum homem se pode arrogar o domínio sobre o
homem, ou sobre a natureza, ou sobre a cultura
Hilário: se isso acontecer, como tantas vezes
acontece, os outros adquirem o direito de o impedir e de o responsabilizar
Amiga: e se não o conseguirem, porque não têm força,
ou por outras razões, por exemplo, porque até lhes dá pretexto para poderem
fazer o mesmo, ou porque já o fazem?
Hilário: isso é o que tem sido a (des)ordem mundial
Amiga: e é esse o principal argumento que tem sido
usado para o direito da força
Hilário: isso é poder fazer o que os outros fazem
Amiga: assim tem sido a política e a prática dos
Estados
Hilário: mas toda a gente sabe que o Direito não é
isso
Amiga: Direito é o que deve ser feito de acordo com os
melhores critérios
Hilário: o melhor critério tem o homem (todos os
homens) como dador de sentido do critério
Amiga: mas há valores que o homem (todos os homens)
deve respeitar e nunca sacrificar
Hilário: a natureza, o que lhe é exterior, o que não
foi criado, ou produzido, por ele
Amiga: ainda há muito a fazer para impedir que a
herança (o património) natural e cultural da humanidade, continue abusivamente
nas mãos de alguns, com exclusão de todos os outros
Hilário: e a ser usado para explorar, oprimir e
sacrificar os outros
Amiga: na história da humanidade isso tem sido a
norma, mas não é senão a legitimação da guerra.