sexta-feira, 10 de agosto de 2018

A canga do tempo

Discorrendo um pouco sobre a canga do tempo.
A invenção do tempo deve ter sido o início de todas as formas de escravidão. 
A minha descoberta do tempo correspondeu à minha consciência de finitude e de mortalidade, com que perdi a inocência de criança selvagem que se contentava com a liberdade. Parecia tão pouca coisa mas revelava-se demasiada. 
A instauração da ansiedade, dos formalismos, da educação, da escola...ditaram a minha condição, sem apelo nem agravo. 
Restava-me sonhar...
E o meu pai, que começou a trabalhar aos dez anos, repetia, nem sei se protestando, ou avisando, que tempo é dinheiro. 
Mais tarde percebi que essa lengalenga não era invenção dele e que talvez se limitasse a reproduzir um certo discurso cujos efeitos, de antemão, eram garantidos.
Para quem a vida parece uma guerra e o trabalho o campo de batalha, a morte é o horizonte da eternidade para descanso.
Porque não nos deixam ter a eternidade da duração da nossa vida?
Porque teremos de esperar pela morte para termos direito à eternidade?
Ainda acreditei, durante uns anos da minha infância e adolescência, que não iria ser um desses combatentes que mais não fazem do que torturarem-se, elegendo-se a si próprios como o primeiro e principal obstáculo, senão inimigo ou, pelo menos, adversário, numa espécie de invencibilidade da vida.
Agora vejo melhor que tudo se conjura para fazer de cada pessoa, senão o seu maior carrasco, o seu implacável juiz e cruel cobrador. 
Isto é muito próprio de um certo cristianismo, ao erguer a culpa a tal ponto alto que a pessoa é culpada do mal que os outros fazem, fizeram ou virão a fazer e está impregnado na ideia de que a vida só tem solução na morte e, mesmo assim, apenas para os justos, ou os que se penitenciarem bastante. 
O meu pai pronunciava a palavra amor como se fosse embaraçosa. 
Certamente, não a considerava palavra maldita, mas nasceu e cresceu nas maiores guerras mundiais e chegou a ser perseguido por causa dos seus discursos acusadores e subversivos.
Das palavras que ele abominava na boca de certas pessoas, amor era uma delas, Deus, outra.
Amor para eles e ódio para os outros? Não pode ser.
Deus para eles e o diabo para os outros? Deus não é isso.
Paraíso para eles e inferno para os outros? Que o paraíso de uns não seja o inferno dos outros.
O tempo e a corrida contra o tempo são fenómenos muito intrigantes e estranhos.