ESCRITOS online
"Ser feliz é uma actividade que requer toda uma vida e não pode existir em menos tempo" - Aristóteles, Ética a Nicómaco
quinta-feira, 9 de março de 2023
terça-feira, 21 de fevereiro de 2023
As casas
Havia uma casa no nascente
donde esvoaçavam pássaros
aos raios de sol
pelas manhãs
à passagem da padeira
com sua voz de manteiga
enevoada
a atravessar o rio
num ligeiro batel
e isso era apenas uma parte
da vida nesse lado verde do mundo
dos incansáveis
também havia uma casa no poente
onde se recolhiam as sombras
das tardes
as fadigas desajeitadas
quando a última locomotiva
vinda de muito longe
entrava a roncar
no escuro
com um farol baço de mineiro
e fazia estremecer o cemitério
sem acordar as flores
em sono profundo
junto à linha.
sábado, 11 de fevereiro de 2023
Caminhar sem ver para onde
Na hora de dormir
olhei para as estrelas
e suspirei de preocupação
tinha a vaga ideia
de aquele lugar escuro
ser numa serra
afastada do mar
mas ouvia rebentações de ondas
e rajadas de vento uivante
nas árvores que vergavam
e pensei nas histórias
que ouvi na noite anterior
na taberna
junto às ruínas da ponte
acerca de pessoas desaparecidas
no desfiladeiro dos lobos
onde não há sinais de abrigo
nem trilhos visíveis
fiz de conta
fingindo de monstro
para assustar feras noturnas
e parei com muito cuidado
para não por os pés em falso
era muito arriscado
caminhar sem ver para onde.
domingo, 29 de janeiro de 2023
Paraísos terrestres
Paraísos terrestres
Querer elevar o corpo
Como se tivesse uma alma
Que lhe desse asas
Que o ajudasse a suportar
O peso
Que um pássaro tem
Para descer à terra
E sentir o chão debaixo dos pés
Não ser levado pelas nuvens
Não ser arrastado pelas correntes
E pousar
Oh como é bom pousar
Nos paraísos perdidos.
terça-feira, 24 de janeiro de 2023
O princípio da igualdade jurídica
O princípio da igualdade jurídica, que atingiu pleno reconhecimento ao ser entendido como a essência da Ideia de Direito, que tem estado no cerne do sistema normativo do Estado de Direito Democrático, não se confunde com o conceito de igualdade geométrica, ou química, ou física. Justamente, ela emana do reconhecimento de que não há duas pessoas iguais e isto é muito interessante: a igualdade é o reconhecimento e o respeito da diferença, ou seja, a diferença jamais poderá ser razão de discriminação, sob pena de ninguém ter direito a não ser discriminado, o que seria o caos.
Em meu entender, esta foi a grande clarificação que se fez, desde os gregos atenienses até ao cristianismo e que veio a culminar politicamente nos iluministas franceses.
E não colide nem é hostil à desigualdade de estatuto social, desde que esta desigualdade deva ser respeitada, como devem ser respeitadas as diferenças.
O problema é quando o próprio estatuto social é já efeito da institucionalização de uma cultura de tratamento desigual, de indivíduos, de grupos, de populações, de povos...
sábado, 21 de janeiro de 2023
Natureza e cultura
Diria que, por natureza, nada é bom ou mau. Estes são atributos dos atos humanos entendidos numa escala de valores que são produto da cultura.
Todo o homem, à luz desta escala, é suscetível de praticar atos bons ou maus. Não se nasce bom, nem mau, mas cada um pode tornar-se bom ou mau e isso não depende apenas de si, ou apenas da sociedade, uma vez que o modo como irá realizar a sua participação no "jogo" social depende de regras que requerem aprendizagem e treino e que, em grande medida, é feito na base de uma batota muito sofisticada.
sábado, 14 de janeiro de 2023
O prazer de escrever
Às vezes ainda me pergunto sobre o que me faz intervir com "likes" e comentários, seja em blogues, seja no "facebook". O aparecimento
da internet, quanto a isso, veio potenciar imenso o que, para mim, já era um modo de estar na vida.
Em vez de escrever num caderno aquilo que me ocorria, ou de publicar num jornal ou revista, passei a escrever
"online" e a experiência foi sendo estimulante e enriquecedora. Em alguns casos poderia ter sido mais interativa, mas depressa percebi que esse caminho não era o meu.
Os meus objetivos foram e continuam
a ser um desenvolvimento e um aprofundamento de questões, temas e problemas que me surpreendem quando menos espero, nos quais entrevejo uma perspetiva ou um ângulo promissor.
Não procuro a discussão,
nem o debate, nem ser assertivo, nem rebater e não me preocupo com proselitismos de nenhuma espécie. Se for para estar de acordo, se for para dizer amém, se for para parafrasear, não escrevo uma
palavra, porque o meu objetivo não é esse.
Divirto-me imenso a escrever e leio e releio o que escrevo, para tentar certificar-me de que não estou a chover no molhado.
Escrever absorve demasiadas
energias e demasiado tempo para que o faça só para não estar quieto e calado. É, no meu propósito, um investimento. Acredito nas vantagens de o fazer.
Com o passar dos anos e com o acumular
de textos sinto cada vez mais fecunda esta disciplina de organizar as ideias agarrando-as como peças de um puzzle, ou, preferencialmente, como peças de legos, que permitem fazer combinações sempre
novas.
Há situações em que os sábios se sentem incomodados se alguém ler o que escrevem e, mais ainda, fizerem algum comentário. Dão a entender que devemos deixá-los
a "falar" sozinhos. Mas não podem decidir também sobre o tipo de comentário que aceitam que se faça.
Não ligo a isso, não é assim que funciono e, assim que me
dispo do jargão, profissional e burocrático, escrevo como um compositor ou um maestro que tenta dirigir uma orquestra, de autores, para fazer um concerto que seja o menos aborrecido possível.
Por
prazer e divertimento, sem constrangimentos, exercendo ao máximo a liberdade de pensar, sem nenhum compromisso com ninguém, a assistir ao surgimento dos frutos que, investir no pensamento crítico, pode
dar.