quarta-feira, 27 de junho de 2018

À revelia de nós


As ideias e os ideais não brotam do nada, derivam de percepções da realidade. Não são uma fotografia do que se vê ou outro registo sensorial, intelectual, etc., em forma de cópia. São uma elaboração complexa das percepções processadas na pessoa mas não necessariamente pela pessoa. 
Quer dizer, é um processo em que a vontade do sujeito normalmente não intervém e, quando intervém, é já numa fase de elaboração avançada. 
Que representação podemos fazer, por exemplo, de uma coisa que nunca vimos? 
Ou, que representação podemos fazer por exemplo de um cheiro? 
De uma voz, ou de um som, ou de um paladar, ou de uma dor de dentes?
Que ideia poderia o homem fazer de Deus, antes de Jesus Cristo?
E Que ideia pode o homem fazer de Deus, depois de Jesus Cristo?
Num determinado momento a nossa consciência abarca menos, incomensuravelmente menos, do que aquilo de que temos alguma forma de memória. 
O campo da nossa consciência é de uma estreiteza atroz e a liberdade de acesso aos arquivos é implacavelmente condicionada a determinadas formas de memória (da tal a que me refiro no texto acima). 
Mas parece plausível admitir que existem memórias de outra ordem, biológicas, genéticas, instintivas, etc., que escapam ao nosso controle. E saberes implícitos, imensos.
A nossa personalidade é constituída pela extrema complexidade dessa espécie de existência à revelia de nós. 
Da nossa conta e responsabilidade é uma parte pequena comparativamente à parte revel. Se esta for "boa", sorte a nossa. Se for má...Azar.