quarta-feira, 28 de julho de 2021

Aproximações à verdade XIII

Hilário: vamos ver se me faço entender quando digo que mente e corpo são o corpo vivo
Amiga: o ser humano, a mente, a consciência, são o corpo em que acontecem
Hilário: os físicos diriam que são manifestações da natureza, segundo leis físicas
Amiga: o homem é o seu corpo vivo, a sua massa de partículas
Hilário: é importante distinguir um corpo vivo de um corpo morto
Amiga: como é que isso se faz?
Hilário: todos sabem ver, mas eu não sei explicar
Amiga: o corpo vivo de uma pessoa é o local onde tudo acontece
Hilário: onde tudo o que acontece a essa pessoa acontece, não o que acontece às outras
Amiga: nada acontece à pessoa que não aconteça no seu corpo
Hilário: o corpo é a fonte, a origem e o fim, dos pensamentos e dos sentimentos
Amiga: mas apenas para o próprio, porque há os outros
Hilário: não basta explicar como é que as partículas se estruturam em sistemas que sentem
Amiga: como é que os átomos das pedras e da água e do ar começaram a sentir e a pensar
Hilário: é preciso explicar como é que a consciência do que fazemos se torna acto
Amiga: e assim sucessivamente
Hilário: explicar o arbítrio
Amiga: e a diferença entre arbítrio e livre arbítrio
Hilário: entre liberdade, arbítrio e livre arbítrio
Amiga: entre vontade e sentido do Direito
Hilário: explicar a responsabilidade
Amiga: explicar o dever e o direito
Hilário: explicar por que a racionalidade nos conduz aos limites
Amiga: nos conduz à verdade

terça-feira, 27 de julho de 2021

Otelo, o Oscar do 25 de abril de 1974

A minha juventude e educação religiosa católica, da época, não me permitiam simpatizar com revolucionários. Até o ensino da história, que nos era ministrado, por padres, ou seus apaniguados, ou outros que tais, grados ao regime (pude reconhecer mais tarde) tratava, quase sempre, os revolucionários e os rebeldes como Judas. Levei tempo a compreender que era fácil inverter os papéis, como eles faziam e tratar os revolucionários como Jesus.
A ordem estabelecida define sempre os rebeldes e os opositores e os contestatários e os insubmissos e os revolucionários, como um grande problema de “lesa majestade”, ou de heresia, ou de excomunhão, blasfémia ou de traição. Se essa ordem for rigidamente hierárquica, reage acidamente a qualquer atitude de desrespeito. Não reage com discussão de argumentos. O respeito, ou o respeitinho é uma estratégia ardilosa, mas muito eficaz para manter cada boneco no seu papel.
Hoje, pelo balanço que faço daquilo que Otelo representa e do papel que teve, nos contextos em que operou, mas sobretudo pelo que fez, por sua iniciativa e responsabilidade, considero-o um herói que tinha consciência disso e que desprezava, simplesmente, a caterva de carreiristas, de seguidistas e de camaleões oportunistas de que se viu rodeado, enfrentando-os, mas sem poder livrar-se deles.
De qualquer modo, Otelo seria capaz de pactuar com adversários?
Parece-me que o mal dele eram os adversários. 
Não há adversários perfeitos.
E nem os que pareciam segui-lo e pretendiam arregimentá-lo com promoções e “espólios” de guerra, deixavam de ser vistos como uma espécie de cobardes a quem dizia não.
Há pessoas que até na amizade veem uma forma de conluio indigno, de manipulação e de suborno incompatível com a rectidão e a probidade. É como se tivessem escrúpulo de serem desonestos e desleais e isso os impedisse de aceitar qualquer outro compromisso que não seja lutar contra os desonestos e desleais, ainda que lhes não tenham feito directamente qualquer mal.
Otelo parecia ter fobia a que, sequer, tentassem passar-lhe a mão pelo pêlo.
Assim, não lhe restavam alternativas. 
Do mesmo modo que não se pode ser equidistante de tudo, não se pode ser contra tudo.

sábado, 24 de julho de 2021

A presunção da justiça e a justiça da presunção

A justiça, de facto, é presunção que, umas vezes, corresponde à verdade dos factos, outras vezes, não. 

No que toca às prescrições não presuntivas, nomeadamente de crimes, gostava de saber se já houve algum processo em que o beneficiário (?) da prescrição, para tentar provar, senão a inocência, pelo menos a inconsistência, ou improcedência da acusação, deduziu oposição. 

Quando um arguido aceita, alegremente, a prescrição, não deixa de encorajar a que se pense numa presunção de culpabilidade, ficando por defender, senão a honra da inocência, pelo menos a da absolvição.

quarta-feira, 21 de julho de 2021

Os chico-espertos

Em Portugal, há uma cultura de chico-espertismo brutal, em que, se entras grande, tens de sair pequeno. Depois de morto, para proveito do mesmo chico-espertismo, podem sentir-se obrigados às homenagens póstumas do costume. Mas, aqui, já são os chico-espertos, que entraram pequenos e saem grandes.

sábado, 10 de julho de 2021

Quem é autómato, não é gago.

Não se aborreçam se eu disser que, relativamente às memórias e às aprendizagens, não tenho grandes dúvidas de que a maioria das pessoas constroem as suas memórias e fazem as suas aprendizagens de um modo mais ou menos espontâneo, não rigidamente deliberado, num processo interactivo, em grande parte cultural, social, de comunicação linguística, mas não só, sem saberem o que são a memória e as aprendizagens, ou como se processam e o quanto isso é importante para elas.

Saber algo de cor e salteado pode ter interesse em alguns casos, sendo vantajoso identificar essas situações para reforçar a memorização de cor, nesses casos. Por exemplo, se quero dizer ou declamar um poema, cantar uma canção, posso não ter outro remédio, assim como se pretendo representar uma personagem numa peça de teatro falada, ou se me exigem num exame que saiba a tabuada de cor, ou, como antigamente, o código da estrada de cor. Em nenhum destes casos, todavia, a capacidade para papaguear as falas e os textos fornece qualquer indício, e menos ainda garantia, de que corresponde a outra aprendizagem para além disso.
Compreender o poema, a canção, a personagem, a multiplicação e os números, as regras de trânsito e a importância e significados disso tudo, pode, simplesmente, não ter sido alcançado.
Se for um sábio a ouvir, ou um professor a ler a resposta do aluno, até pode ficar deslumbrado com o que ouve, ou lê, e recolher do que ouve, ou lê, imensos ensinamentos, mandamentos e julgamentos, que nunca lhe tinham ocorrido, embora sendo sábio e não saiba nada daquilo de cor.
Mas quem fala de cor para o sábio, pode, muito simplesmente, não saber nada daquilo que diz. Aqui, as semelhanças do que fala de cor com um robot parecem-me evidentes. O “papagaio” bem podia começar por dizer “eu sou um robot” e não fazer nenhuma ideia do que estava a dizer e menos ainda da razão pela qual o sábio desatara a rir.
Já as semelhanças do sábio com um robot não são nenhumas e talvez um robot nunca venha a ser sábio porque, dificilmente ou nunca, virá a ter a noção e a ser capaz de compreender as linguagens que opera automaticamente.
Quem é autómato, não é gago.

sexta-feira, 9 de julho de 2021

Aproximações à verdade XII

Hilário: tive uma namorada que nunca me disse como se chamava

Amiga: e sabes porquê?

Hilário: não sei, nunca lhe perguntei

Amiga: nunca lhe perguntaste o nome?

Hilário: não, nem nunca lhe perguntei por que não me disse o nome

Amiga: e ela perguntou-te?

Hilário: o quê?

Amiga: tu é que sabes

Hilário: ela não me perguntou porque é que lhe não perguntei o nome

Amiga: e perguntou-te como te chamavas?

Hilário: não

Amiga: homessa?!

Hilário: fomos apresentados por um amigo

Amiga: ah, então sabiam o nome um do outro?!

quinta-feira, 1 de julho de 2021

Aproximações à verdade XI

Hilário: há pessoas que não podem jogar umas com as outras

Amiga: eu não posso jogar contigo, nem a feijões

Hilário: e tu não és minha irmã, imagina se fosses

Amiga: nem tudo tem a ver com prazer e dor física localizada

Hilário: que o meu prazer não seja a dor dos outros

Amiga: que a minha dor não seja o prazer dos outros

Hilário: se nos tirarem a dor, ficaremos privados de imensos prazeres

Amiga: se nos tirarem o prazer, ficaremos privados da vida e a verdade perde todo o interesse