segunda-feira, 29 de junho de 2020

Racismo é racismo

Racismo é racismo e não é para tentar desculpar, porque isso não o torna menos mau.  Não adianta tentar consolar as vítimas, dizendo-lhes que não acontece só a elas, etc..., ou que a sociedade é e sempre foi racista. 
O pior que tem acontecido, ao longo dos tempos, é a adaptação e a resignação ao racismo. As sociedades e as suas culturas assentam em factos consumados de racismo, que se tornam situações inelutáveis de ordem social. 
E é sabido que a humanidade tem uma aptidão espantosa e assustadora para banalizar e até sacralizar os crimes mais hediondos. 
Olhando para o passado e o presente e fazendo algum tipo de introspecção e pensamento crítico, ao ajuizarmos, sem dó nem piedade, sobre as condutas humanas e as suas motivações, tantas vezes frívolas e vaidosas, é difícil não odiar o "humano", tão deprimente se mostra a história política e social, mas aqui está também uma armadilha e um perigo, porque o discurso e a cultura do "ódio ao humano" e do "ódio ao humano racista" são autodestrutivos e tendem a racionalizar o ódio pelo que não satisfaz os supostos modelos e padrões de algum elitismo fervoroso, para não dizer religioso, e levam à cegueira, quando não perversidade, do julgamento em tribunais com vistas para o abismo. 
No entanto, esse ódio não justifica nem pode justificar qualquer tipo de agressão ou extermínio, como já ocorreram e ocorrem, por ódio, indiferença, desumanidade ou alienação, desinteresse..., por exemplo, com a pandemia da fome. 
O maior desafio continua a ser o de saciar a fome de justiça. 
Que cada ser humano o seja entre humanos e respeitado como tal, quer se goste, quer não, e nunca permitir que alguém coloque outra pessoa numa situação de subjugação, ou de privação do que é seu por direito natural, ou positivo, nem que essa subjugação ou privação, eventualmente, tenha consagração legal, como já aconteceu e, provavelmente, ainda acontece. 
E que haja concertação e institucionalização de mecanismos político-jurídicos universais nesse sentido.

sexta-feira, 26 de junho de 2020

O que alguma vez foi jamais deixará de ser?

A linguagem é um sistema poderosíssimo que permite comunicar e que não está, nem de perto, nem de longe, nas nossas mãos controlar. 
Se isto é bom, também pode ser mau, como tudo, aliás. 
Ela adquire "vida" própria e é uma realidade que nos escapa cada vez mais. 
Quanto mais tentamos fazer dela nossa aliada, mais ela nos trai, e vice-versa. 
Ela muda a realidade do que alguma vez fomos ou poderíamos ter sido, e torna-se a realidade que as coisas já alguma vez deixaram de ser para sempre.

segunda-feira, 15 de junho de 2020

A função do livro é indomável e imprevisível


Para evitar desvantagens de estarmos dependentes e condicionados pelo mercado da atenção, é indispensável que se leia, sobretudo, o que não é o discurso da "verdade oficial". A função do livro é de tal modo indomável e imprevisível, que os autores da clandestinidade, os desmancha-discursos, os "malditos", os "proscritos", os "excomungados", todos quantos não alinham nem servem cartilhas, grémios, associações, partidos ou religiões, são a melhor garantia de podermos aprender alguma coisa importante sobre o que pensam outros, loucos ou não ou só um pouco, ou aqueles que são tomados como tais, algo que nos interesse ou sirva de aviso e de esclarecimento, ou lição, ou de visão, ou de, outra, chamada de atenção. Podem ser como as raras pessoas que se incomodam a dizer verdades que normalmente ninguém deve saber. Os livros podem ser a única forma de acesso a verdades que não têm o direito de existir, por qualquer razão, conhecida ou desconhecida, a informação muito relevante, que não poderemos encontrar noutro lugar, nem de outro modo. Os livros, que não chateiam ninguém, que estão quietinhos e não fazem barulho, são dos objectos que, ao longo da história, mais foram odiados, perseguidos, queimados e que, ainda assim, sobreviveram aos seus algozes e inimigos, muitas vezes, devido ao amor dos seus leitores.

terça-feira, 2 de junho de 2020

Valor moral, sacrifício e felicidade

Seria interessante não dar como suposto o que é o bem e o que são boas acções. Assim, somos colocados abruptamente numa espécie de teoria do pecado ou do mérito, justamente o que precisamos de analisar. Em qualquer caso, nas questões morais, ou de ética (política, profissional, religiosa, jurídica...), estando em jogo um interesse egoístico e um sentido de dever, o foro da consciência, se não for o tribunal supremo, será o critério para ajuizar sobre o "valor moral", que será tanto maior quanto menos coincidente for o interesse egoístico com o dever de sentido contrário. Qualquer juízo moral ojectivo deparará com a impossibilidade de acesso à consciência do sujeito. Salvaguardando isto, o valor moral de uma acção tenderá a ser inversamente proporcional, ou mais, ao interesse egoístico do sujeito da acção, se este interesse não for coincidente com o interesse que "transcende" aquele. E se for? Ou seja, praticar acções que nos fazem felizes, independentemente de serem boas acções (segundo qualquer suposto critério de bondade), terá tanto menos valor moral quanto mais nos fizerem felizes? A minha (in)felicidade é a medida do valor moral daquilo que faço ou deixo de fazer? Claro que não. A questão nem é de felicidade, mas de sacrifício. Todo o comportamento só adquire valor moral a partir de certo momento que envolve consciência e "escolha" de algum tipo ou forma de sacrifício. A felicidade até pode ser fruto disso.