sábado, 26 de março de 2022

Um deus que filosofe

Podes procurar um deus que filosofe

Que diga com que deuses filosofa

E com que deusas se compromete

Que joguem aos dados sem perderem

E não adormeçam

Por terem cuidados

E se entristeçam

Por não saírem de si

Por não fazerem bem

Por não serem ninguém.

sábado, 19 de março de 2022

Fast-Food

Quem está no terreno há muitos anos, desde o ante-xerox até ao pós-windows, passando pelo digital, se a memória não falhar, e tiver interesse nisso, pode dizer que o ensino e a escola, em geral, deixou de ser dos professores.

Os professores que tiveram a oportunidade de o perceber foram poupados a uma angustiante batalha contra gigantes, que outros tomaram por moinhos de vento.

O problema coloca-se de modo simples: o professor, na acepção clássica de profissional do ensino, especializado numa disciplina, a quem compete ensinar e discutir e questionar as matérias com os alunos, para depois os avaliar em função desse processo vivo, interactivo e crítico, acabou de ser banido e não é mais figura grada.

Só não percebe a mensagem, vinda de cima, quem teima em acreditar que ser professor é exercer um múnus cultural e educacional baseado na sua competência e autonomia científica e pedagógica. Foi assim que o professor do século XX aprendeu a ver, a representar e a desempenhar o seu papel, nunca lhe passando pela cabeça que um professor, por exemplo, fosse um mero dispensador de fichas de perguntas ou actividades sobre temas e respectivas propostas de solução, ou de resposta, preferencialmente, ou mesmo obrigatoriamente, produzidas por entidades heterónomas, essas sim, especializadas e exclusivamente credenciadas para o efeito.

Mas é isto que se pretende, que o professor não tenha qualquer intervenção científica no processo, que já nem pode designar-se de ensino-aprendizagem. Pretende-se evitar, senão impedir, que o professor seja algo mais do que um funcionário do ensino pré-formatado, tipo "fast-food", que nem precisa de saber nada sobre aquilo que está a "ensinar".

E isto, sob a bandeira e o pretexto, a meu ver perverso, de que é para aliviar o trabalho do professor e dispensar os alunos da seca de o ouvirem e aturarem.

Na pior das hipóteses, podemos pensar que o professor caiu num descrédito total, ou seja, nada do que ele possa dizer aos alunos merece a garantia, ou sequer o benefício da dúvida, de que não são disparates. E se os alunos (esses sim, instruídos) o disserem ao director da escola, este, prontamente, e sem indagações, acreditará.

Chegamos ao ponto em que a escola se tornou o lugar em que o ensino e a aprendizagem são a parte menos relevante da sua função institucional, não obstante se continuar a perseguir os professores, e mais ninguém, pelos resultados menos bons dos alunos.

sábado, 12 de março de 2022

Aproximações à verdade XVI

Estou a pensar nas aproximações à verdade do Hilário e da Amiga.
Hilário: 2+2=4
Amiga: correcto
Hilário: mas não é um facto
Amiga: facto é tu pensares e dizeres, não o significado do que pensas e dizes
Hilário: independentemente dos factos, de qualquer facto, 2+2=4
Amiga: concordo, não há nada que possa alterar essa relação de necessidade lógica
Hilário: a isto eu chamaria um imperativo categórico
Amiga: mas continua a não ser um facto, não depende, nem interfere nos factos
Hilário: há imperativos categóricos morais e não apenas lógico-matemáticos
Amiga: os imperativos categóricos morais fundamentam os julgamentos ou juízos de imoralidade dos actos humanos
Hilário: à semelhança do juízo de erro, se alguém afirmasse que 2+2=3, que seria fundamentado no imperativo inescapável de 2+2=4
Amiga: os imperativos morais, quando não são respeitados, têm sempre repercussões e implicações e efeitos e consequências danosas, indesejáveis de algum ponto de vista, o que nem sempre acontece no plano dos cálculos meramente abstractos.

quinta-feira, 10 de março de 2022

Como só a harmonia consegue

Quem há-de dizer

Com todas as letras

Para as estrelas

E daí

Obter resposta

Numa língua que não existe

Aplacar em letra morta

O silêncio

Pisar escombros com a planta dos pés

E como antídoto ensurdecer

Com sofismas

Para dores fantasmáticas

Em doses homeopáticas

Diluídas na metafísica

Do maravilhoso aquário

De argumentos

Sem se molharem

Sem afundarem

Patinando artisticamente sobre uma superfície gelada

De postulados cosmológicos

E imunes às forças opostas

Como só a harmonia consegue

Em parcimoniosos compassos

Ou bélicas coreografias

Quem há-de sacrificar

Tudo o que resta

O que importa salvar

Não é a verdade

Nem do que sabemos

Nem do que dizemos

É o que somos

E o que fazemos

É o que as coisas são

Até se tornarem noutras coisas

Que não reconhecemos senão

Na nossa visão

Por mais desculpável que seja

A nossa falta de visão

Por mais que se agigante

O espectro da invisibilidade

Na luta que se encarniça de olhar para si mesma

Como inimiga

Que não pode evitar

Nem vencer

Nem servir de alimento a uma letra

Para não dizer pomba

Morta

Da paz.

quinta-feira, 3 de março de 2022

Devia ser proibido mandar fazer guerra

Devia ser proibido mandar fazer guerra, mandar matar. 
Devia ser mais proibido do que matar. E mais condenável e mais inadmissível. 
Temos assistido a guerras que são impiedosas e desumanas máquinas de trituração às ordens de oligarcas de toda a espécie, detentores de faustosos e imerecidos privilégios, numa posição blindada às explosões e aos estilhaços, a que assistem com estrondoso prazer, entre caviar e champanhe, e imensa droga, pondo e dispondo da estratosfera em que se encapsulam, pela simples razão de não terem poder bastante para mais nada. 
Não temos assistido, nos últimos tempos, a revoltas de escravos, ou da plebe, do povo ou do proletariado... 
As revoluções já não são o que eram. 
Assistimos ao deboche e ao sadismo da guerra como violência exercida por criminosos a quem falta o que não conseguem obter pela violência e que, por isso mesmo, são os mais execráveis e miseráveis demónios em cujas mãos o progresso e o desenvolvimento, de tempos a tempos, não conseguem evitar cair. 
Isto vem a propósito de eu ter pensado na causa das guerras, ontem e hoje. 
Amanhã ver-se-á.