sábado, 19 de dezembro de 2020

À espera da revolução

Portugal nunca fez o tal 25 de abril.

A esquerda nunca se fez compreender, talvez porque ela própria nunca se compreendeu.

Portugal precisa de uma revolução, a sério.

A esquerda nunca conseguiu explicar porquê e para quê.

Muitos dos seus porta-vozes, sem nenhuma convicção e menos argumentos, seguiram o natural rumo do fazer barulho até que se cansassem de os ouvir.

Mas não passava de barulho, para ganharem uns votos para as despesas.

Tal como há muitos padres ateus a celebrar missas, há bastantes esquerdistas que, não só nunca leram os respectivos evangelhos, como não têm a noção do que andam a fazer.

Se não se recusam a jogar dentro das regras do capitalismo, o que é legítimo que façam, tampouco as contestam e esse devia ser o núcleo mínimo do seu programa.

E já nem digo, do seu programa de acção, porque, uma vez definido, como é suposto que a esquerda o tenha, aquilo que deve ser feito, e para eles isso é científico, só restaria e faltaria e haveria que o fazer.

Hoje, vemos claramente visto que o 25 de abril pode ter sido uma revolução dos cravos, mas não foi a revolução de que o país precisava e continua a precisar.

sábado, 12 de dezembro de 2020

Os aristocratas de espada e os argentários

O saber, a filosofia, a ciência, as artes, ao longo dos tempos, foram mais ou menos instrumentalizados pelos poderes e, em muitos casos, menosprezados e considerados indignos da realeza e da aristocracia que cairia na lama se se desse ao trabalho de aprender a ler e a escrever. 

Do mesmo modo que um argentário não frequenta cursos de computadores, porque paga a um especialista, um rei não precisava de aprender a ler e a escrever, porque podia contratar o Aristóteles. 

Os nobres de espada arrogavam-se e detinham um estatuto que fazia empalidecer os escribas, ainda que na óptica de outros, um cronista, mesmo sem ser do reino, tivesse mais hipóteses de ser considerado um pensador. 

No mercado dos valores (não confundir com Bolsas de valores) a espada, ou o argentum, não eram os mais preciosos só no tempo do Afonso Henriques. E, se até para educar e ensinar as letras e o pensamento crítico, é necessário recorrer a esses valores, está visto por que ocupam eles o topo da hierarquia. Isto é o que me ocorre também quando alguém, impotente na sua ira, grita por el-rei.

Os nobres de espada, e os argentários, ainda deslumbram mais pelo facto de terem quem faça o seu trabalho.

sábado, 5 de dezembro de 2020

Filosofia e sentido

A filosofia chega a ter semelhanças com uma cobra que, faminta, toma a própria cauda por uma presa e se põe a engolir-se a si própria, anestesiando-se com o próprio veneno, senão quando já desenvolveu imunidade o que, nem assim, deixa de suscitar a questão: até que ponto se pode ser autofágico? Ou, a partir de que ponto a cobra se pode considerar engolida por si mesma?
Não se sobrevive nutrindo-se de si mesmo.
O cérebro é um órgão muito especial que, segundo alguns neurocientistas, não evoluiu para encontrar a sabedoria, mas para sobreviver. 
A maioria das pessoas, incluindo talvez a maioria dos poucos filósofos que a história produziu (é possível saber os nomes e o que escreveram, sem ter uma grande memória), não pensam, verdadeiramente, não pensam, no sentido em que aquilo que percepcionam, leem, parece não lhes passar pelo cérebro, pelo menos por aquela parte do cérebro, que é suposto termos, "responsável" pela inteligência, ou pelos processos de inteligibilidade. 
As "coisas" entram pelos ouvidos, pelos olhos, enfim, pelos sentidos e, muitas vezes, saem pela boca, ou pelas expressões gráficas, etc., sem terem indícios de haverem passado pelo tal cérebro. 
Isto, assim sendo, nem é bom, nem mau, não é bonito nem feio, não está certo nem errado, não é melhor nem pior, mais ou menos verdadeiro do que se fosse diferente. Se for, é o que é e não tem de ser, nem pode ser outra coisa, pelo menos enquanto for assim.