segunda-feira, 30 de abril de 2018

Democracia e capitalismo

   Do mesmo modo que há quem diga que a democracia é incompatível com o capitalismo, há quem diga que o capitalismo é inimigo das humanidades e das artes, ou, pelo menos, dos artistas, em geral. 
   Parece evidente que o critério do valor mercantil é, não apenas, um perigo, mas também, uma herança cultural que já deixou seu rastro de destruição e morte, como nunca visto antes. 
   Mas continua em vigor, até porque tem a virtualidade de ser, ao mesmo tempo, inseminador, reprodutor, colonizador, predador, abutre e sacerdote. 
   Até dos próprios erros e guerras e mortos tira dividendos. 
   Dir-se-ia que é um sistema económico-político perfeito, porque não tem perdas, ou, pelo menos, não as contabiliza, por não fazerem sentido no seu ideário. 
   E é um sistema com efeitos sociais trágicos, se não for matizado com umas condescendências "irracionais" que evitem os extremos da sua lógica cruel.

quarta-feira, 25 de abril de 2018

25 de abril de 1974

As ditaduras travam, entravam, impedem as revoluções de que é feita a vida e a sociedade, revoluções silenciosas e persistentes, ou nem tanto, que cada um de nós faz ou pode fazer. As ditaduras são horríveis, são máquinas de autoridade, de pensamento único, que empoderam apenas aqueles que alinham e se conformam, normalmente por conveniência e interesse particular. Elas produzam os seus mitos e propagam-nos sem constrangimentos. Mas acabam por ser vítimas de si próprias, do seu próprio veneno, das suas próprias sombras e dos seus próprios algozes. 

Em democracia, também ocorrem muitos desses problemas endémicos às estruturas de poder e à rigidez hierárquica das organizações, com os seus sistemas de controlo, de competição e de soberbias por benesses, favores, vantagens e acréscimos pecuniários/estatutários, mas não podemos deixar de valorizar sobretudo a liberdade de expressão e de reconhecer a importância de poder escrutinar os poderes, de os denunciar e de os fazer sentar nos bancos dos réus.

E que a revolução, as revoluções, prossigam o seu curso, porque a revolução pode ser cada um de nós, em vez de a esperarmos, em vez de as esperarmos, as revoluções, que estão a acontecer, mais rapidamente do que nos apercebemos.
Infelizmente, muitos dos que, oportunisticamente, apanharam o comboio do 25 de abril de 1974, viram na liberdade uma oportunidade de conquistarem o poder e tantos privilégios criminosos.
Os resultados estão à vista, mas não estariam à vista numa ditadura.

domingo, 22 de abril de 2018

A realidade fascinante dos números


Não é despiciendo observar que os primeiros professores de aritmética possam ter um papel importante na preparação das crianças para o gosto e a desenvoltura na matemática. 
Presumo, dada a relevância do assunto, que já existam muitos estudos credíveis que expliquem o fenómeno da dificuldade generalizada da matemática para os estudantes.
Por mim, baseado apenas no que concluo da experiência, há uma razão para essa dificuldade. Para a maioria das crianças, o contacto e manuseamento dos números, medidas, pesos, tabelas, escalas, proporções... dá-se formalmente na escola, numa idade em que a criança estando bastante familiarizada com a língua falada e escrita, ainda não teve, ou teve muito fortuitamente, contacto, nem sequer de audiva, com a linguagem dos números.
Haverá casos, e isso seria interessante averiguar, de indivíduos que tiveram muito sucesso na matemática cuja infância foi alheada dos números, e vice-versa. Mas parece-me óbvio que, enquanto o contacto com a linguagem verbal se inicia ainda no ventre da mãe e continua logo após o nascimento, o contacto com a linguagem algébrica raramente acontece antes da escola. Se este primeiro contacto não for adequado, e sobretudo se não for o melhor, porque o(a) professor(a) não gosta de números, dificilmente a criança descobrirá essa realidade fascinante que é, afinal, uma realidade do quotidiano, do merceeiro, do calceteiro, do alfaiate e do banqueiro...

terça-feira, 10 de abril de 2018

Se Deus ouvisse as preces


Ter ou não ter esperança, no que a Deus respeitar, é irrelevante. Adorar a Deus, idem. O que tiver que ser será. Até agora, nada nem ninguém provou o contrário e é bom que assim seja, que nada dependa de rezas e de bênçãos. Como seria impossível viver se Deus ouvisse as preces e atendesse às oferendas?! No AT Caim matou Abel por acreditar nisto...

segunda-feira, 9 de abril de 2018

O poder dos que não têm poder


Inclino-me a pensar que os que não têm poder influenciam muito e de muitas maneiras a vida dos que têm poder. 
O poder nada seria sem aqueles que não têm poder.

domingo, 1 de abril de 2018

Deuses deus religiões fé

Propunha, a quem se interesse pela questão de Deus, ou dos deuses, que recuasse no tempo para tentar restabelecer o trato sucessivo deste problema, que é uma herança religiosa e mitológica, mas que os gregos, fazendo incidir a Razão sobre essa herança pré-filosófica, transformaram em filosofia sobre o mundo, sua origem e suas forças…
Para Aristóteles, que alguns consideram pai da Lógica Formal e do método científico, «até o apaixonado pelo mito é, à sua maneira, um filósofo».
Tomemos, por momentos, o Atomismo de Epicuro, a atitude mental com que o filósofo abordou a matéria. Não obstante ser racionalista e materialista, não era ateu.
Para um bom observador, mesmo do nosso tempo, a natureza é uma “luta”, uma “dinâmica” de forças motrizes, aparentemente antagónicas, que culminam numa hierarquia entre deuses e gigantes e os outros. «A sugestão de Anaxágoras de que a força motriz podia ser uma Inteligência capaz de ordenar todas as coisas, foi retomada por Platão e incorporada na sua religião».
Ora, já em tempos mais recuados, os nossos antepassados revelavam um pendor impressionante para se interrogarem e refletirem sobre questões que não “podiam” depender da observação e da perceção sensorial.
Então, como agora, com as devidas proporções, o empírico não era revelador, pelo contrário, parecia ocultar. E o oculto aos sentidos tornava-se um desafio à curiosidade e ao desejo de explicação.
Nesses tempos, o empírico era menosprezado nas respostas que podia dar às grandes questões desses tempos. O próprio Epicuro, com o Atomismo, e paradoxalmente, porque afirmava fundamentar-se no testemunho dos sentidos infalíveis, não passava de um dogmático. “A teoria atomista não é uma hipótese que possa ser verificada pela sensação, nem se põe a questão de ela ser rejeitada como falsa”.
Nesses tempos, a preocupação, em termos de conhecimento, focava-se na “inteligibilidade”, “na intuição imediata de uma proposição evidente em si mesma”, na “evolução” das coisas, desde um “princípio” até à ordem conhecida, de verdades e de objetos do domínio do totalmente impercetível, problemas insolúveis que estão para além do alcance da observação, a origem do mundo e o “que se passa no céu e debaixo da terra”…
Somos capazes de pensar e chegar a conclusões verdadeiras, em muito mais coisas do que conseguimos experimentar, observar ou imaginar.
Ao olharem para o mundo, ao observarem uma ordem, ao pensarem num processo, os nossos antepassados pré-helénicos, seguiram uma via racional e inteligente, diria mesmo, surpreendentemente condizente, ou, ainda assim, próxima das modernas teorias cosmogónicas.
Os filósofos gregos perceberam que nos mitos cosmogónicos havia problemas implícitos. De pergunta em pergunta, chegaram a questões essenciais sobre o estado original das coisas, a formação do universo, a composição da matéria, o aparecimento da vida, a ocorrência das forças antagónicas, o movimento, a inteligência, a faculdade da sensação, a maneira como é adquirido o conhecimento, a teoria das ideias, “como podemos procurar uma coisa que não conhecemos e como havemos de saber quando a encontramos?”, “pode a virtude ser ensinada?”…
De certa forma, a mitologia era a linguagem possível de uma racionalidade sobre “casos” passados que permaneciam desconhecidos. A perceção de que o oculto, o desconhecido, o “inadvinhável”, o incontrolável poderoso, o misterioso inatingível, o “indeterminado” de Anaximandro, vai ganhando vulto à medida que as questões vão sendo colocadas, faz aumentar a margem de especulação e de tentativas de explicação.
Se os poetas criaram os deuses, também “tiveram de” criar a explicação da sua origem. No poema de Parménides, “o Ser não pode surgir do Não-Ser, nem pode deixar de ser”.
“A natureza das coisas ou origem do mundo ordenado é uma substância única”, etc….
“Toda a filosofia se baseia no postulado de que o mundo tem de ser uma ordem inteligível e não apenas uma confusão de vistas e sons a inundarem-nos os sentidos a cada momento”.
“A filosofia é responsável por um dos alicerces de uma religião monoteística e universal, na qual foi possível ao Logos de Heraclito e ao Espírito de Anaxágoras fundirem-se com um Zeus espiritualizado”.
No sistema de Epicuro, “uma das suas três partes tratava das coisas que eram totalmente impercetíveis aos sentidos e acessíveis apenas ao pensamento: os deuses e as realidades materiais últimas, os átomos e o vácuo”.
Volvidos tantos séculos, nem o cristianismo, nem o islamismo, nem a revolução técnico-científica parecem ter acrescentado algo de consideravelmente esclarecedor sobre os deuses, Deus, Logos, empirismo…
Surpreendentemente, se alguma religião deu um contributo para resolver o problema da origem do mundo, foram as mitologias pagãs.
A filosofia dos gregos encontrou nelas o problema e as hipóteses para a investigação.
Os deuses ou o deus necessário não parecem ter correspondência com o Deus hebraico-cristão, nem quanto aos atributos, nem quanto à função. A invenção de deuses ou de Deus, não tendo sido arbitrária, porque respondeu a uma série de processos silogísticos, deixou de ser uma simples questão de conhecimento e foi sendo, cada vez mais, ao longo dos tempos, uma questão de autoridade, domínio e influência. É desta apropriação dos poderes de Deus, ou dos deuses, pelos profetas, sacerdotes, reis, alguns dos quais se entronizaram como divinos, e pelos fiéis, que a humanidade tem estado dependente e, consentidamente, refém.
Os poderes transformaram a questão de Deus, ou dos deuses, numa questão de fé no divino.
Se bem que nenhum escrito tenha sido atribuído a Jesus Cristo, o que o absolve das graves acusações que referi, tenho a convicção de que nada sabemos sobre Deus, ou deuses, a não ser o que filosoficamente nos permitem as deduções.
Neste caso, aceitar um deus ou deuses, segundo os mesmos princípios de conhecimento e a mesma lógica, implica concluir que não fala, não se faz entender, não intervém, não dá qualquer sinal da sua existência, nem das suas características ou atributos… Se o meu testemunho não for tido em menos conta do que o testemunho dos profetas ou dos videntes, ou dos poetas inspirados pelas musas.
(As frases colocadas entre "comas", foram copiadas do livro Principium Sapientiae, as origens do pensamento filosófico grego, de F. M. Cornford)