domingo, 16 de dezembro de 2018

Ciência e Literatura

A literatura é uma arte, cujo limite é a imaginação e a inteligência e o conhecimento, o engenho, a loucura, de expressar por palavras o humano, o científico e o aberrante, o natural, a natureza, não apenas segundo os cânones científicos da ordem, de que seria, aliás, uma cópia ou reprodução, mas no que essa natureza, supostamente ou apenas por hipótese, "representa" para o escritor, ou este quer representar, porque sim. 
Aqui, no escritor, no indivíduo, reside o factor chave, o interesse, o valor, a originalidade, a instauração de uma realidade, não de uma realidade científica da natureza física, mas de uma realidade humanamente significativa, o estado crítico (mais avançado?) da matéria. 
A ciência é tão afim da literatura como outra coisa qualquer, como uma pedra ou o sol, ou um rio. A literatura é tão afim da ciência como a vontade ou o desejo de dar expressão a problemas e significados e respostas, ainda que não sejam soluções de nada. 
Muitas vezes as soluções vêm com a técnica. 
A literatura, não obstante, é a única forma de conhecimento de realidades sociais e humanas que a ciência sabe ou presume existirem, mas que não tem outra forma de conhecer. 
A literatura é e será um grande desafio à observação, compreensão e conhecimento das realidades sociais e humanas, tanto mais quanto mais sabemos que, enquanto o conhecimento da natureza é instrumental, o conhecimento das realidades sociais e humanas é incontornável e "existencial".
Se bem que ambas, ciência e literatura, tenham a aptidão para o conhecimento (e o conhecimento não é sempre conhecimento de realidades?) a literatura não se define nem tem como função ou objetivo ou estatuto conhecer seja o que for. 
A literatura, enquanto “obra de” arte, não está sujeita a critérios de verdade, de racionalidade, de interesse, de correção, de certo ou errado. Um texto literário não tem de estar certo, nem errado. Nem é bem ou mal escrito, ainda que esteja cheio de erros ortográficos.  
A literatura tem como objetivo ser conhecida, como outra coisa qualquer.
A relação entre a literatura e a ciência parece, assim, fácil de estabelecer.
A ciência, para a literatura é como outra coisa qualquer e vice-versa, mas enquanto a ciência se pauta por critérios de cientificidade e é isso que a caracteriza, a literatura não se caracteriza por obedecer a coisa alguma.

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Um peido do Salazar

O Salazar (também) foi um "homem de palha", que acreditava(?) 
em relatórios de pides...
e encobriu/serviu/favoreceu os interesses de imensa gente gananciosa
sem escrúpulos,,,

mas o preço do poder era esse.
E o poder para ele era tudo, naquela falsa modéstia de homem sem remissão, 
nem sonhos, nem esperança.
E foi pela vã glória do poder que ele aceitou morrer sem deixar nada.
Mas se quisermos colocar no seu lugar, que é o caixote do lixo, 
os pavões de celofane da nossa política, 
basta soprar-lhes com um peido do Salazar franciscano.

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Falta cumprir a democracia


      A democracia tem sido o grande "slogan" da partidocracia, porque é um dos ideais em que toda a gente gosta de acreditar.
      Depois, quando percebemos que andamos enganados, a culpa é nossa, por termos sido burros. Só que, burros ou não, sem ofensa para os simpáticos e pacientes asininos, na realidade, o que podemos fazer para que as coisas não sejam como são, é praticamente nada.
      Protestar dá-nos a ilusão de liberdade e o voto, que seria outra arma, é, tal como o protesto, grande aliado daqueles que pretenderíamos afastar, porque o sistema é em circuito fechado, se protestas ou votas no mau estás a apoiar o pior e até a abstenção tem o significado que tem.
      Mas reitero que falta cumprir a democracia, contra a plutocracia, a partidocracia, e a cleptocracia.        Daqui a pouco já não há palavras gregas, ou de origem grega, para designar o poder dos usurpadores canonizados, ou condecorados.

domingo, 14 de outubro de 2018

Mais do que jogos de poder e de guerra


Lembro-me do aparecimento dos Verdes e da impreparação dos "eternos" candidatos a cargos políticos, que os confundiram com um pombo dos concursos de tiro. Os nossos políticos ditam (ditadura) as políticas, mas não sabem, grosso modo, de coisa nenhuma, nem têm que saber. 
E, se sabem, isso não garante minimamente que ditem (ditadura) de acordo com o que sabem e, menos ainda, de acordo com um saber sufragável pelos critérios mais credíveis e plausíveis do momento.
O conceito de soberania popular precisa de ser reelaborado de forma a reelaborar o conceito de soberania, porque é necessário conceder um lugar de proeminência ao conhecimento.
A contratualização social que esteve na base da revolução francesa e da democracia representativa, além de ser uma falácia, que servia bem os interesses da época, é uma capitulação absoluta e incondicional aos imperativos da vontade.
É imperioso resgatar os sistemas políticos e económicos da vontade e da liberdade individuais entendidos como redutos sagrados da decisão política, em que basta ter vontade para ser eleito presidente, de junta, da república, etc....
Mas, ainda aqui, estamos no domínio da micropolítica. É imperioso estudar e dissecar e compreeender a macropolítica como determinante daquela. E as relações etica e juridicamente admissíveis entre ambas.
Mais do que a relação do indivíduo com o mundo e o planeta e a exploração dos seus recursos e os outros indivíduos e as instituições, é necessário definir os critérios e os limites dessa relação, para evitar e impedir que ela seja desastrosa. 
O coletivo deverá ser capaz de exprimir, justamente, os limites ao individual e o indivíduo deverá ter capacidade para exprimir e impor, razoavelmente, os limites ao coletivo.
Tudo sem cedências à arbitrariedade e à manipulação dos processos eleitorais, que deverão ser revistos e reformulados de fio a pavio.
De qualquer modo, não são apenas os processos eleitorais que estão profundamente em causa. A própria admissibilidade de candidatos deve estar condicionada a requisitos mínimos de competência e de idoneidade, para bem de todos.
A arquitetura dos modelos político-económicos talvez dependa mais do que se pretende do que daquilo que é a realidade, mas a realidade reclama e exige que a governação seja algo mais, muito mais, do que um teatro de fantoches à volta de uma epopeia de clubes de futebol, para fazer esquecer uma máquina de guerra virtual que devora e mata mais que as calamidades, em nome da vida e da paz.

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Fazer das palavras nossas aliadas

Não sabemos mesmo até que ponto as palavras se servem de nós, nem até que ponto nos servimos delas.
Mas é uma relação poderosa, na qual muitos se abismam, como eu.
Não tenho esperança de as dominar, de as colocar ao meu serviço.
Contento-me com defender-me, até onde for possível, das suas inconcebíveis armadilhas.
Aposto todo o meu esforço e inteligência e boa vontade em domar as palavras, resistir à corrente do seu livre curso, usá-las e não ser usado, mas elas conseguem sempre fingir que estão a ser usadas como eu quero.


quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Efemeridades

Ai de nós se a intensidade com que pensamos fosse proporcional à intensidade com que sentimos e vice-versa! 
A nossa dor ou alegria dura algum tempo, às vezes menos do que desejaríamos, e depois funciona como memória ou lembrança em que pensamos. 
Se assim não fosse, éramos capazes de festejar um golo da nossa equipa no início do jogo e, sem parar de festejar, ainda o estarmos a fazer quando o jogo terminasse com a nossa equipa a perder. Ou, constantemente, chorarmos porque a todo o momento alguém sofre injustamente.

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

A canga do tempo

Discorrendo um pouco sobre a canga do tempo.
A invenção do tempo deve ter sido o início de todas as formas de escravidão. 
A minha descoberta do tempo correspondeu à minha consciência de finitude e de mortalidade, com que perdi a inocência de criança selvagem que se contentava com a liberdade. Parecia tão pouca coisa mas revelava-se demasiada. 
A instauração da ansiedade, dos formalismos, da educação, da escola...ditaram a minha condição, sem apelo nem agravo. 
Restava-me sonhar...
E o meu pai, que começou a trabalhar aos dez anos, repetia, nem sei se protestando, ou avisando, que tempo é dinheiro. 
Mais tarde percebi que essa lengalenga não era invenção dele e que talvez se limitasse a reproduzir um certo discurso cujos efeitos, de antemão, eram garantidos.
Para quem a vida parece uma guerra e o trabalho o campo de batalha, a morte é o horizonte da eternidade para descanso.
Porque não nos deixam ter a eternidade da duração da nossa vida?
Porque teremos de esperar pela morte para termos direito à eternidade?
Ainda acreditei, durante uns anos da minha infância e adolescência, que não iria ser um desses combatentes que mais não fazem do que torturarem-se, elegendo-se a si próprios como o primeiro e principal obstáculo, senão inimigo ou, pelo menos, adversário, numa espécie de invencibilidade da vida.
Agora vejo melhor que tudo se conjura para fazer de cada pessoa, senão o seu maior carrasco, o seu implacável juiz e cruel cobrador. 
Isto é muito próprio de um certo cristianismo, ao erguer a culpa a tal ponto alto que a pessoa é culpada do mal que os outros fazem, fizeram ou virão a fazer e está impregnado na ideia de que a vida só tem solução na morte e, mesmo assim, apenas para os justos, ou os que se penitenciarem bastante. 
O meu pai pronunciava a palavra amor como se fosse embaraçosa. 
Certamente, não a considerava palavra maldita, mas nasceu e cresceu nas maiores guerras mundiais e chegou a ser perseguido por causa dos seus discursos acusadores e subversivos.
Das palavras que ele abominava na boca de certas pessoas, amor era uma delas, Deus, outra.
Amor para eles e ódio para os outros? Não pode ser.
Deus para eles e o diabo para os outros? Deus não é isso.
Paraíso para eles e inferno para os outros? Que o paraíso de uns não seja o inferno dos outros.
O tempo e a corrida contra o tempo são fenómenos muito intrigantes e estranhos.

quarta-feira, 25 de julho de 2018

Estado ao serviço de interesses privados é que não



Vou tocar simplesmente num ponto: a recuperação da função do Estado. Este é um nó górdio. Não se trata de recuperar propriamente, mas de atribuir, sim, atribuir ao Estado poderes que não tem e nunca teve. Só que o próprio conceito de Estado, na atualidade, está desfasado e o Estado, na acepção clássica, já deixou de existir.
De qualquer modo, os políticos, na sua proeminente parolice de arrivistas, quais clérigos de antanho... adoram o Estado, que é um Estado desses políticos oportunistas, rurais, labregos...É o que temos tido. E à sua sombra, medram os que se dizem inimigos do Estado, privados muito interventivos e críticos do seu peso. Sem o Estado não sobreviveriam.
E o Estado continua, como antigamente, na sua função espoliadora e agressora, sem respeito pelos contribuintes. Ninguém quer um Estado destes, a não ser os tais beneficiários, mormente os políticos, que todos conhecemos. Isto até parece um discurso de extrema direita e fico preocupado, sinto-me mal ao verificar que as críticas que se fazem ao Estado incidem sobre os partidos políticos que têm governado tão mal...Os partidos que capturaram o Estado são responsáveis por isso e devem ser responsabilizados.
Há um fracasso, que se manifesta mas não se assume, dos modelos políticos em vigor. Há muito que se deveria ter resolvido o problema daquilo que pode e deve ficar no âmbito do privado do que tem que ser regido e conduzido coletivamente. Os líderes políticos continuam a portar-se como caixas de ressonância de uma visão dos almanaques de há cem anos.
Ninguém com vergonha fala, hoje, em público, do alto dos seus milhões, para dar lições à humanidade. O mercado tem uma lógica que pode ser boa ou má. O Estado não tem sido capaz, em geral, de escolher o que deve ser mercado ou não e isso está a ser fatal, sobretudo porque, hoje, não faz muito sentido falar de Estado como boa solução ou a melhor e mais racional forma de gestão dos problemas humanos planetários e, quando falamos de Estados, subsistem ou agravam-se os problemas.
A iniciativa privada e o capitalismo são perfeitamente autofágicas, amorais/imorais, ou seja, todo e qualquer problema que surja, é, mercantilmente, positivo. A guerra, a destruição de uma floresta, a doença, a morte...Não consegue ver nada de negativo, porque o negativo já não existe...
Se o Estado, no (des)concerto dos Estados, puder ter alguma função útil, e volto a sentir incómodo ao dizê-lo, como se estivesse a concordar com os que defendem o fim do Estado, deverá ser na identificação e preservação daquilo que pode ser alienado à iniciativa privada sem prejuízo dos interesses coletivos. Um Estado ao serviço de interesses privados é que não. Temos pago muito caro e estamos fartos disso.

quarta-feira, 4 de julho de 2018

Os problemas não existiriam se não fossem criados


Não podemos ignorar que a escola, as escolas, com seus critérios e com a sua falta de critérios, apanham na rede todas as crianças, das mais entusiásticas e iludidas (crentes) às mais tristes e maltratadas. 
Gostar da escola é um problema tão grave, ou ainda mais, do que não gostar. Ou, por outra, não gostar da escola não seria um problema se não fosse um problema gostar da escola. 
Os problemas não existiriam se não fossem criados. 
Pode não haver, em última análise, criacionismo culpabilizante, mas há uma angústia, até na alegria dos resultados. 
A sensação de que se vive para as convenções e de que não há alternativas ao faz de conta que conta, pode ser intransponível para muitas crianças e jovens (os adultos já se acostumaram), enquanto para outros será muito natural e, a breve trecho, espectacular.
Este contexto está longe de ser selvagem, mas as oportunidades e os proveitos não. 
Quem está interessado na verdade? 
E na verdade desportiva? 
Só de pensar no que seria necessário para encarar a realidade, faz preferir continuar na ilusão.

quarta-feira, 27 de junho de 2018

À revelia de nós


As ideias e os ideais não brotam do nada, derivam de percepções da realidade. Não são uma fotografia do que se vê ou outro registo sensorial, intelectual, etc., em forma de cópia. São uma elaboração complexa das percepções processadas na pessoa mas não necessariamente pela pessoa. 
Quer dizer, é um processo em que a vontade do sujeito normalmente não intervém e, quando intervém, é já numa fase de elaboração avançada. 
Que representação podemos fazer, por exemplo, de uma coisa que nunca vimos? 
Ou, que representação podemos fazer por exemplo de um cheiro? 
De uma voz, ou de um som, ou de um paladar, ou de uma dor de dentes?
Que ideia poderia o homem fazer de Deus, antes de Jesus Cristo?
E Que ideia pode o homem fazer de Deus, depois de Jesus Cristo?
Num determinado momento a nossa consciência abarca menos, incomensuravelmente menos, do que aquilo de que temos alguma forma de memória. 
O campo da nossa consciência é de uma estreiteza atroz e a liberdade de acesso aos arquivos é implacavelmente condicionada a determinadas formas de memória (da tal a que me refiro no texto acima). 
Mas parece plausível admitir que existem memórias de outra ordem, biológicas, genéticas, instintivas, etc., que escapam ao nosso controle. E saberes implícitos, imensos.
A nossa personalidade é constituída pela extrema complexidade dessa espécie de existência à revelia de nós. 
Da nossa conta e responsabilidade é uma parte pequena comparativamente à parte revel. Se esta for "boa", sorte a nossa. Se for má...Azar.

domingo, 27 de maio de 2018

Podemos estar descansados porque é impossível violar uma lei da natureza?

Pode-se ser acutilante no modo como se pretende surpreender as ideias feitas com outras ideias feitas. 
Todo o cuidado é pouco, porém, quando se trata de palavras e de ideias, mormente de ideias feitas, por mais louvável que seja a intenção.
Uma coisa é um assumido ator teatral dizer “vou desfazer algumas ideias feitas com outras ideias feitas ainda melhor”, para a gente se rir e outra é um assumido cientista garantir que assim faz, na verdade.
Alguém diz que o natural é necessariamente bom? 
Alguém diz que o natural não é necessariamente bom? 
Afinal, o que é natural e o que não é? Um pântano? 
E o que é bom? Para quem? Para quê? Para quando? Em que escala?
O que é necessariamente bom? 
E se não é bom, que é que é melhor? …
Nada é necessariamente bom. Nada é necessariamente melhor. Não era necessário enfatizar o óbvio. Jogar com as palavras roubando-lhes o palco? 
O problema implícito, se o há, não será de ordem filosófica e a insinuada solução filosófica, que não é, haveria de ser de ordem prática.
Podemos estar descansados porque é impossível violar uma lei da natureza?

segunda-feira, 30 de abril de 2018

Democracia e capitalismo

   Do mesmo modo que há quem diga que a democracia é incompatível com o capitalismo, há quem diga que o capitalismo é inimigo das humanidades e das artes, ou, pelo menos, dos artistas, em geral. 
   Parece evidente que o critério do valor mercantil é, não apenas, um perigo, mas também, uma herança cultural que já deixou seu rastro de destruição e morte, como nunca visto antes. 
   Mas continua em vigor, até porque tem a virtualidade de ser, ao mesmo tempo, inseminador, reprodutor, colonizador, predador, abutre e sacerdote. 
   Até dos próprios erros e guerras e mortos tira dividendos. 
   Dir-se-ia que é um sistema económico-político perfeito, porque não tem perdas, ou, pelo menos, não as contabiliza, por não fazerem sentido no seu ideário. 
   E é um sistema com efeitos sociais trágicos, se não for matizado com umas condescendências "irracionais" que evitem os extremos da sua lógica cruel.

quarta-feira, 25 de abril de 2018

25 de abril de 1974

As ditaduras travam, entravam, impedem as revoluções de que é feita a vida e a sociedade, revoluções silenciosas e persistentes, ou nem tanto, que cada um de nós faz ou pode fazer. As ditaduras são horríveis, são máquinas de autoridade, de pensamento único, que empoderam apenas aqueles que alinham e se conformam, normalmente por conveniência e interesse particular. Elas produzam os seus mitos e propagam-nos sem constrangimentos. Mas acabam por ser vítimas de si próprias, do seu próprio veneno, das suas próprias sombras e dos seus próprios algozes. 

Em democracia, também ocorrem muitos desses problemas endémicos às estruturas de poder e à rigidez hierárquica das organizações, com os seus sistemas de controlo, de competição e de soberbias por benesses, favores, vantagens e acréscimos pecuniários/estatutários, mas não podemos deixar de valorizar sobretudo a liberdade de expressão e de reconhecer a importância de poder escrutinar os poderes, de os denunciar e de os fazer sentar nos bancos dos réus.

E que a revolução, as revoluções, prossigam o seu curso, porque a revolução pode ser cada um de nós, em vez de a esperarmos, em vez de as esperarmos, as revoluções, que estão a acontecer, mais rapidamente do que nos apercebemos.
Infelizmente, muitos dos que, oportunisticamente, apanharam o comboio do 25 de abril de 1974, viram na liberdade uma oportunidade de conquistarem o poder e tantos privilégios criminosos.
Os resultados estão à vista, mas não estariam à vista numa ditadura.

domingo, 22 de abril de 2018

A realidade fascinante dos números


Não é despiciendo observar que os primeiros professores de aritmética possam ter um papel importante na preparação das crianças para o gosto e a desenvoltura na matemática. 
Presumo, dada a relevância do assunto, que já existam muitos estudos credíveis que expliquem o fenómeno da dificuldade generalizada da matemática para os estudantes.
Por mim, baseado apenas no que concluo da experiência, há uma razão para essa dificuldade. Para a maioria das crianças, o contacto e manuseamento dos números, medidas, pesos, tabelas, escalas, proporções... dá-se formalmente na escola, numa idade em que a criança estando bastante familiarizada com a língua falada e escrita, ainda não teve, ou teve muito fortuitamente, contacto, nem sequer de audiva, com a linguagem dos números.
Haverá casos, e isso seria interessante averiguar, de indivíduos que tiveram muito sucesso na matemática cuja infância foi alheada dos números, e vice-versa. Mas parece-me óbvio que, enquanto o contacto com a linguagem verbal se inicia ainda no ventre da mãe e continua logo após o nascimento, o contacto com a linguagem algébrica raramente acontece antes da escola. Se este primeiro contacto não for adequado, e sobretudo se não for o melhor, porque o(a) professor(a) não gosta de números, dificilmente a criança descobrirá essa realidade fascinante que é, afinal, uma realidade do quotidiano, do merceeiro, do calceteiro, do alfaiate e do banqueiro...

terça-feira, 10 de abril de 2018

Se Deus ouvisse as preces


Ter ou não ter esperança, no que a Deus respeitar, é irrelevante. Adorar a Deus, idem. O que tiver que ser será. Até agora, nada nem ninguém provou o contrário e é bom que assim seja, que nada dependa de rezas e de bênçãos. Como seria impossível viver se Deus ouvisse as preces e atendesse às oferendas?! No AT Caim matou Abel por acreditar nisto...

segunda-feira, 9 de abril de 2018

O poder dos que não têm poder


Inclino-me a pensar que os que não têm poder influenciam muito e de muitas maneiras a vida dos que têm poder. 
O poder nada seria sem aqueles que não têm poder.

domingo, 1 de abril de 2018

Deuses deus religiões fé

Propunha, a quem se interesse pela questão de Deus, ou dos deuses, que recuasse no tempo para tentar restabelecer o trato sucessivo deste problema, que é uma herança religiosa e mitológica, mas que os gregos, fazendo incidir a Razão sobre essa herança pré-filosófica, transformaram em filosofia sobre o mundo, sua origem e suas forças…
Para Aristóteles, que alguns consideram pai da Lógica Formal e do método científico, «até o apaixonado pelo mito é, à sua maneira, um filósofo».
Tomemos, por momentos, o Atomismo de Epicuro, a atitude mental com que o filósofo abordou a matéria. Não obstante ser racionalista e materialista, não era ateu.
Para um bom observador, mesmo do nosso tempo, a natureza é uma “luta”, uma “dinâmica” de forças motrizes, aparentemente antagónicas, que culminam numa hierarquia entre deuses e gigantes e os outros. «A sugestão de Anaxágoras de que a força motriz podia ser uma Inteligência capaz de ordenar todas as coisas, foi retomada por Platão e incorporada na sua religião».
Ora, já em tempos mais recuados, os nossos antepassados revelavam um pendor impressionante para se interrogarem e refletirem sobre questões que não “podiam” depender da observação e da perceção sensorial.
Então, como agora, com as devidas proporções, o empírico não era revelador, pelo contrário, parecia ocultar. E o oculto aos sentidos tornava-se um desafio à curiosidade e ao desejo de explicação.
Nesses tempos, o empírico era menosprezado nas respostas que podia dar às grandes questões desses tempos. O próprio Epicuro, com o Atomismo, e paradoxalmente, porque afirmava fundamentar-se no testemunho dos sentidos infalíveis, não passava de um dogmático. “A teoria atomista não é uma hipótese que possa ser verificada pela sensação, nem se põe a questão de ela ser rejeitada como falsa”.
Nesses tempos, a preocupação, em termos de conhecimento, focava-se na “inteligibilidade”, “na intuição imediata de uma proposição evidente em si mesma”, na “evolução” das coisas, desde um “princípio” até à ordem conhecida, de verdades e de objetos do domínio do totalmente impercetível, problemas insolúveis que estão para além do alcance da observação, a origem do mundo e o “que se passa no céu e debaixo da terra”…
Somos capazes de pensar e chegar a conclusões verdadeiras, em muito mais coisas do que conseguimos experimentar, observar ou imaginar.
Ao olharem para o mundo, ao observarem uma ordem, ao pensarem num processo, os nossos antepassados pré-helénicos, seguiram uma via racional e inteligente, diria mesmo, surpreendentemente condizente, ou, ainda assim, próxima das modernas teorias cosmogónicas.
Os filósofos gregos perceberam que nos mitos cosmogónicos havia problemas implícitos. De pergunta em pergunta, chegaram a questões essenciais sobre o estado original das coisas, a formação do universo, a composição da matéria, o aparecimento da vida, a ocorrência das forças antagónicas, o movimento, a inteligência, a faculdade da sensação, a maneira como é adquirido o conhecimento, a teoria das ideias, “como podemos procurar uma coisa que não conhecemos e como havemos de saber quando a encontramos?”, “pode a virtude ser ensinada?”…
De certa forma, a mitologia era a linguagem possível de uma racionalidade sobre “casos” passados que permaneciam desconhecidos. A perceção de que o oculto, o desconhecido, o “inadvinhável”, o incontrolável poderoso, o misterioso inatingível, o “indeterminado” de Anaximandro, vai ganhando vulto à medida que as questões vão sendo colocadas, faz aumentar a margem de especulação e de tentativas de explicação.
Se os poetas criaram os deuses, também “tiveram de” criar a explicação da sua origem. No poema de Parménides, “o Ser não pode surgir do Não-Ser, nem pode deixar de ser”.
“A natureza das coisas ou origem do mundo ordenado é uma substância única”, etc….
“Toda a filosofia se baseia no postulado de que o mundo tem de ser uma ordem inteligível e não apenas uma confusão de vistas e sons a inundarem-nos os sentidos a cada momento”.
“A filosofia é responsável por um dos alicerces de uma religião monoteística e universal, na qual foi possível ao Logos de Heraclito e ao Espírito de Anaxágoras fundirem-se com um Zeus espiritualizado”.
No sistema de Epicuro, “uma das suas três partes tratava das coisas que eram totalmente impercetíveis aos sentidos e acessíveis apenas ao pensamento: os deuses e as realidades materiais últimas, os átomos e o vácuo”.
Volvidos tantos séculos, nem o cristianismo, nem o islamismo, nem a revolução técnico-científica parecem ter acrescentado algo de consideravelmente esclarecedor sobre os deuses, Deus, Logos, empirismo…
Surpreendentemente, se alguma religião deu um contributo para resolver o problema da origem do mundo, foram as mitologias pagãs.
A filosofia dos gregos encontrou nelas o problema e as hipóteses para a investigação.
Os deuses ou o deus necessário não parecem ter correspondência com o Deus hebraico-cristão, nem quanto aos atributos, nem quanto à função. A invenção de deuses ou de Deus, não tendo sido arbitrária, porque respondeu a uma série de processos silogísticos, deixou de ser uma simples questão de conhecimento e foi sendo, cada vez mais, ao longo dos tempos, uma questão de autoridade, domínio e influência. É desta apropriação dos poderes de Deus, ou dos deuses, pelos profetas, sacerdotes, reis, alguns dos quais se entronizaram como divinos, e pelos fiéis, que a humanidade tem estado dependente e, consentidamente, refém.
Os poderes transformaram a questão de Deus, ou dos deuses, numa questão de fé no divino.
Se bem que nenhum escrito tenha sido atribuído a Jesus Cristo, o que o absolve das graves acusações que referi, tenho a convicção de que nada sabemos sobre Deus, ou deuses, a não ser o que filosoficamente nos permitem as deduções.
Neste caso, aceitar um deus ou deuses, segundo os mesmos princípios de conhecimento e a mesma lógica, implica concluir que não fala, não se faz entender, não intervém, não dá qualquer sinal da sua existência, nem das suas características ou atributos… Se o meu testemunho não for tido em menos conta do que o testemunho dos profetas ou dos videntes, ou dos poetas inspirados pelas musas.
(As frases colocadas entre "comas", foram copiadas do livro Principium Sapientiae, as origens do pensamento filosófico grego, de F. M. Cornford)

sábado, 3 de março de 2018

O poder da literatura

A literatura (da poesia ao ensaio, passando pelo romance e pela profecia, adivinhação, ladainha, canção, fado, escárnio, maldizer, drama de faca e alguidar, relatos, de viagens, de todo o tipo de crónicas e de policiais, até às orações e sermões e elogios...) permite uma expressão verbal, praticamente sem limites, de todo o tipo de representação ou signo, sem condicionamentos de lógica, sentido, significado, noção, conceito, moral, licitude, virtude, respeito, dever, etc.
À literatura nada é vedado, nem a invenção, nem a mentira, nem a verdade, sobretudo aquela verdade em que tanto se vive, que é uma verdade feita de falsidades, hipocrisias e mentiras. Na minha biblioteca de filosofia e de ciência e mesmo de uma grande parte da literatura (bem comportada) é tudo tão convencional, tão conceitual, tão voltado para o objeto que pouca diferença faz ler um livro escrito há mil anos ou um acabado de sair. 
       Dá a impressão de que a vida e a história, as traições, as trapaças, o assédio, o incesto, as vigarices, os roubos, as violações, as escravaturas, as guerras ocultas, os ódios inconfessáveis, os fantasmas invencíveis que atormentam até os mais esclarecidos filósofos e cientistas, as verdadeiras dores e misérias humanas, da guerra e da discriminação que tantas pessoas sofrem...dá a impressão de que nada disso acontece. Tudo é transformado em conceito abstrato, ou seja, em nada mais do que ideia.
A literatura pode, e muitas vezes tem-no conseguido, "falar" da vida como ela é, sem estar subjugada sequer a qualquer dever de "falar" e, menos ainda, de "falar" como deve ser.
Tudo é susceptível de ser utilizado, tocado, tratado ou maltratado, incorporado, atacado, "destruído", pela literatura, que pode ser usada como arma impiedosamente letal de religiões e de costumes e, quantas vezes, de pessoas já mortas, ressuscitando-as em memórias para as poder matar as vezes que for preciso... ou amar sem limites.
Na minha biblioteca de filosofia e de ciências e de literatura, só alguns livros de literatura me falam da verdadeira vida e do pensamento e das ideias e dos fantasmas, dos medos e das tormentas e das injustiças irremediáveis, da dor que impede os humanos de serem felizes e da grandeza, da magnanimidade daqueles que, apesar de tudo, garantem, com o seu trabalho e a sua virtude e o seu talento, a vitória da vida sobre a morte e do bem sobre o mal. 
         Ela denuncia as podridões e os heroísmos dos justos, ela nos mostra o verdadeiro rosto por trás das máscaras, despertando-nos de ingenuidades perigosas e inocências fatais, chamando as coisas pelos nomes...porque as palavras são, quase sempre, a única arma de que dispomos no conflito interminável com os demónios e os deuses e também é com palavras que podemos construir as nossas asas e as nossas praças fortes, os nossos tribunais e os nossos paraísos de procura e encontro de sentido para os problemas...
A literatura mostra, patenteia, ostenta, incorpora pelas palavras tudo o que quiser e puder a imaginação do escritor. Muitas vezes até faz um aproveitamento desmesurado da importância de certos assuntos, acontecimentos, realizações, artes, monumentalidades, indo buscar brilho ao próprio objeto. 
     Muitos livros de notáveis escritores são constituídos em 90% de "materiais" artísticos, ou potencialmente estéticos, alheios, seja o convento de Mafra, sejam as personagens bíblicas...
Um homem com a sua ciência e a sua filosofia pode não precisar de uma religião, mas precisa de literatura para sair do deserto.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Perigos da ciência?


     Há quem alerte para os perigos da ciência, mormente para o perigo da criação de monstros cujo poder escapa ao controlo da própria ciência. Dito assim, até parece que a ciência é uma instância diabólica que o homem deve controlar com a religião e a moral. Quero acreditar que isso nem passa pela cabeça de um cientista. 
     A ciência nunca fez nada, nem de bom nem de mau. E nunca fará. 
     E, já agora, nem a filosofia, nem as artes, nem as religiões, nem as literaturas. 
     O problema abordado, que é o do bem e do mal, não é problema das pedras, nem dos átomos, nem do número de voltas que ainda falta para a Terra completar o seu ciclo de existência, ou da quantidade de veneno necessário para matar o tempo... 
     É problema do homem. 
     Pedem-me que acredite que a ciência já se colocou no "lugar" do homem, secundarizando-o, ou que, pior ainda, num "lugar" em que o homem nunca esteve, nem poderá controlar? 
     Em que é que ficamos? Afinal a ciência é o quê? É o conhecimento, fruto do conhecimento da natureza, dócil e domesticada como nenhum outro ramo do conhecimento, ou uma criatura com vontade própria, sem sentimentos e sem alma, cujo dinamismo não faz distinções nem obedece a critérios, ou ao que quer que seja?


domingo, 11 de fevereiro de 2018

Presunção de inocência


A presunção de inocência ou a presunção de culpa, juridicamente e na prática, serão irrelevantes, porque não alteram o estatuto do arguido, nem alteram a realidade dos factos, nem interferem no julgamento. Aliás, como é sabido, "presunção e água benta, cada um toma a que quer". O que justificaria, talvez, não estar a ocupar espaço na letra da lei, que já é tão extensa. 
O problema com interesse, com grande afinidade deste, é o do ónus da prova. Neste ponto, em vez de presumir inocência ou culpa, importa provar. Aliás, uma condenação judicial é uma presunção de culpa ou de imputabilidade, etc.. e uma absolvição nem sequer é uma presunção de inocência, e não é um juízo de inocência
Com o tempo, perante novos elementos de prova, essas presunções podem ser revertidas. Ainda assim, relativamente ao ónus de prova, na minha opinião, no caso de certas entidades políticas e financeiras, pelos cargos que ocupam, pelo que representam, pela posição privilegiada em que sempre estão para apresentarem e fazerem prova, haveria toda a vantagem para a justiça que o ónus da prova recaísse sobre eles e não ao contrário, como sucede. 
Indiciados que fossem da prática de certo tipo de crimes, caber-lhes-ia o ónus de provar o contrário. Atualmente, não têm qualquer ónus. Não precisam de provar nada para serem absolvidos, basta que se frustrem as acusações.