sábado, 20 de dezembro de 2014

Hoje não foi um dia perfeito


Nunca acreditei nisso de dia perfeito, ou algo parecido. Mas hoje pensei, que me lembre, pela primeira vez, que não foi um dia perfeito.
Os meus pensamentos costumam ser triviais e práticos. Pensar, para mim, a quem todos agradecem sinceramente que não emita opiniões, só faz sentido para emitir opiniões dos outros ou ter pensamentos úteis. O que eu penso é inútil a partir do momento em que não resolve ou não ajuda a resolver um problema prático. Por exemplo, o que estou agora a pensar não é inútil porque ajuda a resolver o problema prático de saber porque é que hoje não foi um dia perfeito.
Mas como o dia ainda está a decorrer, mesmo assim, pode vir a ser inútil pensar nisso, se porventura, a última minha conclusão do dia for que hoje foi um dia perfeito.
De qualquer modo, é irrelevante qualquer conclusão que eu tire sobre isso, porque o dia não é perfeito ou imperfeito por eu o pensar ou concluir. O dia é o que é e pronto.
A questão da perfeição/imperfeição do dia não se coloca. Mas eu coloquei-a. Mas ainda não sei se é uma questão que tenha para mim um sentido qualquer, mais do que uma questão prática.
Hoje, o meu editor Sancho disse-me que já lhe têm pago muito dinheiro para não dizer nada, para não escrever nada e que ele próprio já tem publicado muitas coisas que nada dizem sendo estas as melhores. Eu comecei por rir por achar as suas palavras jocosas, mas ele permaneceu sério e reforçou a ideia de que isso pode ser uma forma superior de arte. Aqui, até eu retomei um ar de seriedade.
Valeria a pena pensar no assunto? Seria prático e útil? Sancho deu-me logo a resposta sem adivinhar o meu pensamento e sem eu sequer a ter pedido.
O meu trabalho mais importante, disse ele, não é decidir o que vou dizer, mas o que não vou dizer. E se nada disser, por exemplo, quando a minha opinião pode causar mossa ou um prejuízo, isso pode ter muito valor, dependendo das situações. Se disser, ou escrever algo, posso receber ainda mais se, mesmo assim, não disser nada que possa causar mossa ou prejuízo, vulgo falar sem dizer nada, sobre assuntos importantes.
Ora, o melhor de tudo, o que vale mesmo a pena, é publicar textos que fazem sentido e que nada dizem, sendo esta sua característica a qualidade que interessa, que os torna, não raro, primorosas obras de ciência, filosofia, religião, arte… 
E se o autor tiver o talento, o discernimento e a verve necessários para persuadir o leitor de que, não obstante o sentido que tudo faz e a consistência que tudo tem no seu trabalho e na sua argumentação, tudo não passa de uma ilusão, então está garantido que atingirá o maior sucesso no que à reputação de autor respeita. Eu estava ainda a pensar nas primeiras palavras e já o Sancho concluía que produzir uma obra de pensamento que não seja um embuste, ainda que involuntário, implica que ela seja capaz de se esvaziar de si mesma, ser e não ser ao mesmo tempo.
O lado prático e útil, talvez muito útil destes pensamentos é que não alteraram os dígitos da minha conta bancária e o mundo continuou a girar como é costume. É preciso muito trabalho para que as coisas não mudem. Para elas mudarem pode ser muito fácil, basta não fazer nada. 


segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Percepção, pensamento e discurso sobre a realidade



O cérebro não nos engana, nem nós enganamos o nosso cérebro.
Como é que isso poderia ser?
Não se faça confusão entre ideia de realidade e percepção da realidade. Desde sempre o homem teve necessidade de filosofias e de religiões para "explicar" a realidade percepcionada.
É patente a diferença entre o que percepcionamos, com os sentidos, e a ideia que fazemos ou podemos fazer daquilo que percepcionamos, mas isso não significa que percepcionamos de modo errado. Pode haver distorção na percepção, por ex., por anomalia ou distúrbio dos sentidos, mas isso não é engano.
Por outro lado, depois de conhecermos a física de partículas continuamos a percepcionar a pedra, com os nossos olhos e ouvidos e mãos, como percepcionávamos antes. A tua mão percepciona igualmente os átomos da pedra, antes e depois de saberes qual é a sua estrutura atómica. O mesmo se diga quanto ao sol girar à volta da terra...
Em geral, as tuas percepções das coisas não se alteram porque se alterou o teu conhecimento acerca delas.
Nisto o cérebro funciona como tem de funcionar, ou não funciona, mas isso é outra questão.
Ser induzido em erro também ocorre com frequência, mas diria que o erro é da ordem das ideias e dos juízos e não das percepções.
Daí que também seja frequente as nossas ideias e juízos e cálculos sobre a realidade reclamarem ou exigirem percepções que não temos e que procuramos, supondo que há coisas que deviam ou devem estar lá, algures. É o que imagino que acontece muito na quântica, embora aqui, na falta de percepções diretas, se procurem deteções indiretas...
Procurei restringir o conceito de percepção ao do contacto dos sentidos com o exterior. 
O que enfatizo é que o mapeamento cerebral desse contacto, a representação mental desse contacto, o pensamento gerado, estão noutro plano do processo.
Por sua vez, tudo o que a pessoa possa exprimir, comunicar, sobre isso, já é também algo diferente.
Apesar da simplificação, ilustra a complexidade do processo de acesso à realidade.
Podemos perguntar: qual é o nosso acesso à realidade? É um acesso adequado a quê? A senti-la? A fruí-la? A compreendê-la? A conhecê-la? A explicá-la?
É que, antes de analisarmos a realidade, temos o problema do acesso à mesma e o problema da linguagem e da representação e vice-versa. Realidade não é o mesmo que noção de realidade.
Depois há a questão de quem administra a verdade sobre a verdadeira realidade.
A realidade não é um dado.
Aliás, pensando bem, a realidade disponível não é toda a realidade, mas a que resta. Se me faço entender, a realidade disponível é algo que fica no fim de um processo imenso de factos indisponíveis.


sábado, 4 de outubro de 2014

A verdade vivida e o conhecimento disponível


Deus eliminou os deuses. 
Mas a realidade ainda não foi compreendida. 
Ninguém ainda conseguiu sequer explicar minimamente a realidade, nem com toda a produção científica, nem com a fé.

A facilidade com que alguns ateus aderem a frases feitas sem consistência e insustentáveis, de qualquer ponto de vista, é reveladora de uma atitude prejudicial perante o conhecimento e, especialmente, perante a religião. 
A religião não é como os ateus a pintam. Deus também não. A ciência idem. Fica-se com a sensação de que estão a fantasiar acerca de guerras dos tronos. 

O que um cientista da física, por exemplo, diz sobre Deus tem o valor que tiver, não por ele ser cientista, mas pelo significado e consistência do que afirma. 
Ainda assim, dizer que toda a realidade é uma manifestação da existência de Deus é uma posição de fé que não foi nem é posta em causa por nenhuma conclusão científica, pelo contrário, o espírito científico é essa abertura ao conhecimento exigida pelo pensamento racional. 
Só com grandes artifícios retóricos e pseudocientíficos se pode pretender encerrar a inteligência e o pensamento científico dentro das malhas do dogmatismo ateu "negador".
A fé é história, afirmadora, mobilizadora, construtiva, ativa. 

Qualquer que seja a explicação científica para o funcionamento das coisas, do universo, isso não interfere com a história, com as histórias de que somos "feitos". 
A fé convive perfeitamente com todo o tipo de perguntas e respostas sérias, válidas, acerca da realidade da própria fé. Isto é espírito científico, não pela ciência em si, mas pela realidade das coisas e pela verdade das pessoas. 
À fé não interessa o conhecimento pelo conhecimento. Interessa a verdade vivida, com o conhecimento disponível.

Inconcebivelmente, alguns pretensos cientistas dizem-se/sentem-se incomodados com o espírito científico, com a abertura da inteligência para lá do seu quintal do big-bang, da física ou da química. Chamam a essa abertura especulação ou, no caso de alguns mais arrogantes e provocadores, ficções desnecessárias. Não obstante, a vida deles é uma prova de que há mais mundo para lá do mundo da física e da química.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Ética, moral e religião


O problema da ética, mais do que filosófico, é prático, ou seja, é o das exigências da ética, é o da normatividade, que pode ser jurídica, meramente moral, ou religiosa. 

Dizer que as religiões são antiética não é nada ético, mas não cai na alçada jurídica, ou moral. 

Fabricar anticoncepcionais e usar anticoncepcionais, por exemplo, em condições normais, não levanta problemas éticos, morais ou jurídicos, mas levanta questões religiosas aos católicos.
Não diria questões ético-religiosas, que também ocorrem na religião, mas tão simplesmente questões religiosas. 

O católico sabe que o problema, neste caso, não está em decidir o que é bom ou mau de uma forma universal, mas em aceitar e seguir a doutrina da Igreja, cujos critérios de bom ou mau, no exemplo apresentado, não são os mesmos, tendo a ver, talvez, com virtudes cristãs que, fora da Igreja, são desvalorizadas e que, numa visão ateísta, podem não fazer sentido. 

Neste caso, o católico sabe que tem uma exigência do foro pessoal que só se torna ética na medida em que ele pertence a uma comunidade a cujos preceitos se vinculou. 

De alguma forma a ética está ligada a um dever. Perante os outros, temos deveres éticos, coercíveis, mas perante Deus os nossos deveres são íntimos e pessoais e incoercíveis.

Se há religiões que são antiéticas isso é um problema do (des)encontro de visões, concepções, entre éticas. 

Mais correcto seria, então, dizer que há éticas em conflito. 


Alguém que, ao posicionar-se do lado da ética, está a considerar que só existe uma, quiçá a dele, está a ser obviamente falacioso.


quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Democracia e plutocracia


      As democracias dos países têm muito pouco poder no (des)concerto das nações, ou por outra, perante as plutocracias sem fronteiras. 
      As democracias já têm muito pouco de democracia. Apresentam-se como "pacotes" de propostas estereotipadas de partidos que são, por sua vez, estruturados em função de um sistema eleitoral também gizado para que o sistema político-social dito democrático cumpra, não a vontade do povo, mas a função de "converter" formalmente a vontade do povo numa legitimação do sistema. 
      E assim se conciliam princípios aparentemente inconciliáveis, como o princípio da primazia do lucro (proveito pecuniário) sobre o princípio da racionalidade da exploração dos recursos, ou sobre o princípio da soberania da nação. 
      Cada vez é mais difícil aos poderes políticos estabelecerem e imporem limites aos poderes financeiros e económicos transnacionais, até porque estes se apresentam, cada vez mais, supranacionais e não conhecem fronteiras e, além disso, tendem a ser dominantes nos processos de decisão política dos Estados. 
      A voracidade desta espécie de liberalismo incontrolável é assustadora, porque domina sem se deixar "governar", nem por regras que sejam suas.

      A plutocracia, mafiosa ou não, obtém tudo sem dar garantias de nada, contrariamente ao cidadão que, mesmo para obter "nada", tem de dar garantias de tudo. Basta pensar num empréstimo bancário a um cidadão ou pequena empresa. Todas as garantias, pessoais e reais, lhe são exigidas, desde fianças a hipotecas. Mas um banco consegue obter financiamentos colossais, com dinheiros públicos (e aqui é que está o escândalo), sem dar e sem lhe serem exigidas, quaisquer garantias, como temos assistido ultimamente em Portugal.



quarta-feira, 16 de julho de 2014

Verdade redentora



Nunca antes me tinha deparado com a expressão "verdade redentora", mas intuo-a como a verdade que procuramos quando perguntamos o que é a verdade. 

É árduo conceber que a contingência, por vezes trágica, da vida, é o único lugar/oportunidade que temos (ou nos é concedido) para pensarmos e encontrarmos "a pretensão do absoluto". 
Mas é mais espantoso, ainda assim, que não nos conformemos/contentemos com menos, nunca sendo sequer capazes de "dispor" do Eu, cuja "realidade", de qualquer modo, nos ultrapassa.


quinta-feira, 10 de julho de 2014

Sobre a relação entre conhecimento e consciência.


Um robot pode ser uma base dinâmica de dados mas, sem consciência do "valor" desses dados, parece óbvio que não é mais do que um automatismo. 
Por sua vez, 
as pessoas que não processem, ou não elaborem, ou não aprofundem as informações e as perceções e as ideias e os sentimentos e as emoções, ou apenas as elaborem em parte, terão o âmbito do seu conhecimento limitado ao campo de consciência de que forem capazes. 
Não obstante, 
o nosso consciente é infinitamente mais circunscrito e reduzido, por um conjunto enorme de fatores, do que a vastidão do subconsciente ou do que o imenso inconsciente. 
Na prática, o nosso consciente é como um postigo, ou uma seteira, ou uma gateira, muito menos do que uma janela ou do que uma porta, da grande casa que é a nossa mente. 
E cada um tenderá a olhar mais para fora ou mais para dentro, mas a olhar sempre de uma perspetiva que lhe é proporcionada pela natureza das coisas.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

As linguagens



Gosto destes temas e, na minha modesta opinião, as linguagens são como oceanos sobre os quais flutuamos, mas cujas profundidades continuam por explorar. 
A nossa relação com o sensível desencadeia complexos sistemas de reconhecimento e mapeamento cerebral. Não o que nós queremos mas o que acontece e que, até certo ponto, se vai constatando.
Fazem parte do mundo sensível as próprias linguagens, e de tal modo que a nossa sensibilidade é, em muitos casos, indissociável da linguagem. A linguagem como significante e a linguagem como comunicação ou, simplesmente, como expressão, partilham do espaço de realidades que as excedem e, de certa forma, elas significam. 
Estou em crer que a linguagem é um processo mental que nos permite reconhecer, analisar e distinguir. Neste processo, vão-se abrindo possibilidades de reconhecer, ou descobrir, o que for suscetível de ter significado. E tudo significa algo, pelo menos é assim que a mente funciona. Quando perguntamos “qual é o significado de…” normalmente a resposta é outro significante. É como se tivéssemos apenas a linguagem, os significantes, mesmo quando estamos a falar de coisas que estão perante os nossos sentidos, ou como se os significantes lhes tomassem a primazia, como se fossem mais reais do que aquilo que pretendem significar. 
O que as nossas descrições têm a ver com aquilo que descrevemos é um problema que pode não ter cabal solução.
A nossa relação com as ideias e as formas tende a ser o problema da linguagem enquanto forma. Podemos falar das coisas sem coisas nenhumas, embora essas coisas sejam reconhecidas como existentes, ou tendo existido. Mas não me parece que alguma linguagem o seja se não for funcional, isto é, se não cumprir algum desiderato de comunicação. 
Também me parece que o problema da verdade para a filosofia seja mais de linguagem e para a matemática, de correspondências e que, para a religião, seja essencialmente de virtude. 
Por exemplo, a virtude desta linguagem não existe, a linguagem não é nem deixa de ser virtuosa à luz de critérios morais ou religiosos. Mas, em termos de lógica, ou de epistemologia, esta linguagem pode ter acrescentado apenas umas frases sem verdadeiro nexo ou cujo nexo não passa disso mesmo.



sábado, 17 de maio de 2014

O Estado não tem maneira de dizer que não é nosso


Vivemos tempos de enorme desconforto quanto a saídas para certos bloqueios e sequestros e imposições, para não dizer fatalidades. 
A eficiência dos serviços do Estado é sempre bem-vinda na perspetiva de quem "superintende" o Estado, ou se quisermos, numa perspetiva meramente económica. 
O que todos devíamos saber é que, tratando-se de mecanismos, ou de fatores económicos, o que é bom para o Estado, muitas vezes não o é para o privado e isto não quer dizer que é mau que assim seja, mas há quem se esgadanhe todo por achar que só o que é bom para o privado pode ser bom para o Estado. Diria, aliás, que o desafio é conceber e racionalizar uma economia, pelo menos tri-fronte: privada, pública e internacional. 
O problema da globalização também não está ausente. 
A ineficiência da máquina do Estado é um problema que será sempre atual, do mesmo modo que o da ineficiência das empresas privadas. Faz parte do próprio sistema racional (de rácios) de controlo e de auditoria e de avaliação. Mas isso, em suma, não é um problema, é a realidade das coisas. 
O que é e será um problema é o investimento público. 
Para o privado o investimento é ou não é um problema de quem investe mas, subordinado a rácios de rendibilidade, é um problema sério se for à custa da vida de milhões de pessoas, ou do próprio planeta. Isto é odioso e perigoso e ameaçador, há muito tempo, com muita, muita mesmo, demasiada colaboração e subserviência dos meios científicos e tecnológicos, que se revelam mais insensíveis e despreocupados, do que seria de esperar, quanto às consequências da multiplicação das "máquinas de fazer dinheiro".
O que é (ou não é) problema para o privado, e pode até ser o grande objetivo lucrativo, é ou pode ser um grande problema para o Estado. Falar em investimento público tem esta desvantagem do apagamento em que fica, porque o privado lhe rouba o palco. 

É que investimento público é um conceito de investimento que tem poucas afinidades com o de investimento privado. O retorno do investimento esperado/pretendido pelo Estado não é da mesma ordem, sócio-espácio-temporal-económica... do do investimento apostado pelo privado. 
A maior parte das vezes o investimento do Estado é um esforço titânico para "remediar" os efeitos nocivos do investimento privado. 
E quando isto é mais assumido e declarado por razões especialmente críticas (como a atual crise), vem ao de cima uma incompatibildade feroz, que não devia existir, entre público e privado. 
Para tornar as coisas mais desconfortáveis, o público, normalmente, é instrumento nas mãos de poderes privados, mais ou menos organizados, mais ou menos influentes, mais ou menos dominantes. Estes poderes sabem muito bem o que lhes interessa que o Estado seja e o que não lhes interessa. Interessa-lhes que o Estado trate de umas coisas e que não se ocupe de outras. O que é importante é que se averigue e se perceba porquê e se isso interessa ao Estado, enquanto estrutura representativa de realidades territoriais e demográficas e histórico-culturais que não se compadecem com os balanços e contabilidades de A, B ou C. O Estado não tem maneira de dizer que não é nosso.


sábado, 10 de maio de 2014

O direito de não competir



Elogiaria a forma, muito interessante e reflexiva, de expressar quanto a poesia pode ser como a febre, um sintoma de alguma coisa que é preciso solucionar.
Para o poeta, os arrazoados dos que professam a religião das urgências e das pressas e dos progressos, são artifícios como outros quaisquer, mas que não devem ser impostos a ninguém, como ninguém deve ser obrigado a competir com ninguém. Devia ser acrescentado um direito à lista de direitos do homem "o direito de não competir, nem a feijões". 
Sabendo nós (previsivelmente) que vai acabar tudo numa nuvem de poeira, seria de esperar que a organização e gestão do nosso tempo fosse feita em função da efemeridade. 
Quando nos pedem para sermos racionais e científicos, seria de supor que esperassem de nós algo diferente de andarmos a matar-nos antes do tempo porque queremos sobreviver à perseguição, ou pressão, a que estamos sujeitos. 
A realidade é a única coisa que interessa à ciência, mas é a única coisa que o homem não aceita e, vai daí, engendra todas as técnicas e mais algumas para a transformar em algo diferente... 
Um dia deixaremos de morrer tecnicamente.



terça-feira, 8 de abril de 2014

A aprendizagem dos valores



A aprendizagem dos valores, paradoxalmente, é (pode ser) um factor de agitação, indisciplina, descontentamento, decepção, revolta... A civilização não é pacificadora, justamente porque o mundo está nas mãos de quem não faz o que deve e não olha a meios para fazer o que quer, podendo.
A aprendizagem dos valores é o que há de mais subversivo, não porque favoreça uma vida de acordo com os mesmos, mas porque põe a nu o problema de as pessoas serem ou não capazes, quererem ou não quererem, serem ou não serem obrigadas, a conformar as suas condutas com esses valores.
O Estado, infelizmente, está numa crise plena, no que a valores respeita e, no entanto, arroga-se o monopólio da coação que, não sendo arbitrária, institucionaliza e consente (quando não promove) políticas "loucas" e "vertiginosas" para lado nenhum, mas tudo à volta do dinheiro, o valor último.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Terramo(r)tos


O avião em que viajávamos para a lua de mel despenhou-se num local que uns chamam “não sei”, outros “sei lá” e outros ainda “pergunte ali a diante”. Eu fui o único sobrevivente…

O meu partido não existe. Tenho partido, mas ele não existe como tal. O meu partido não é do contra, mas permite-me concluir que não tenho partido, ou por outra, os ditos partidos existentes não servem, não prestam e, como sempre acontece nestas coisas, ninguém dentro do sistema tem influência, poder e coragem para provocar indesejáveis terramotos. O meu partido é a vida, são as pessoas, a liberdade, a justiça, a saúde, a educação, a cultura e a responsabilidade, em todas as vertentes, pessoais, sociais, ambientais… O meu partido é a verdade, até as verdades que preferencialmente ninguém quer saber. O meu partido não é o Estado, nem a União Europeia, nem a Globalização, nem o dinheiro, nem a guerra. O meu partido é contra o estado de guerra em que vivem os trabalhadores que têm de suportar todos os dispêndios e todas as aventuras dos senhores dessa guerra de traições engravatadas.
São cada vez mais os portugueses sem partido. E cada vez mais os partidos existentes são menos partidos e mais associações de malfeitores. Ser sem partido não é o mesmo que ser militante ou estar inserido nas estruturas de um partido. Ser sem partido foi-se tornando uma desvantagem crescente à medida que dois partidos deixaram de ser mais do que marcas que detêm entre si o eleitorado. Deter o eleitorado significa apenas granjear uma parte dos votos dos eleitores, normalmente baixa, muito baixa.

As tuas cartas têm-se espaçado muito. Começaste a escrever-me uma vez por semana. Depois, hebdomadariamente. De mês a mês. Quatro cartas num ano. Um postal pelo Natal e uma foto no Verão. Assim passaram cinco anos. Nesta prisão. Cada vez dizes mais em menos palavras. Na primeira carta, declaravas toda a tua paixão e sofrimento pela distância.




domingo, 9 de março de 2014

O céptico



O cepticismo, por definição, não aquece nem arrefece, seja no domínio filosófico, seja noutro domínio qualquer e, alguém dizer-se céptico, retira-lhe a base de afirmação seja do que for. Um céptico, em rigor, nem pode dizer que é céptico porque, sendo céptico, pelo menos, tem de duvidar. E se pretender contestar ou contrariar alguém que, por exemplo, manifesta uma crença, o céptico está a contrariar-se a si mesmo, pelas razões expostas. Ser céptico, se formos a pensar com rigor, significa "recusar ou impedir-se a si mesmo de tirar conclusões ou ter ideias". 
Para que serve uma atitude dessas?
Um céptico, na acepção filosófica, que é a que está em causa, é céptico relativamente a tudo e em todas as situações, incluindo o seu cepticismo.
A um céptico nunca se perguntará o que pensa. A opinião dele está estabelecida a priori, ou seja, não tem. Ser céptico nem sequer é uma opinião.


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Gerir o público e gerir o privado


É preciso mais do que explicar e justificar, tanto quanto é necessário, a relação que existe entre o “dinheiro” e o “preço do dinheiro” e entre a “importância do dinheiro” e o “mercado do dinheiro”.
Gerir dinheiro e produzir ou reproduzir dinheiro é uma ciência e uma arte.
Espantar-me-ia se me dissessem que as maiores inteligências gravitam em torno desse astro, uma vez que encandeia quem o vê e priva da vida os outros.
Mas do ponto de vista da ciência e da arte, nada a opor, é uma ciência e uma arte com o valor das ciências e das artes.
Só que, a ciência e a arte e o dinheiro, não valem por si mesmos, senão pelo que representam ou possibilitam. Nesse aspeto o dinheiro, pela fungibilidade, é o bem de liquidez por excelência.
Dentro da lógica fechada do “dinheiro gera/pode gerar dinheiro” e de que tudo o que gera dinheiro é bom, o investidor privado não tem muito por onde escolher. Os custos de oportunidade equacionam-se sempre em função de uma rentabilidade, mais ou menos imediata, sem consideração, por ex., por externalidades negativas.
Na minha perspetiva, o nosso tempo está a produzir a inteligência necessária e urgente (e obrigatória) para organizar e gerir o mundo enquanto planeta que está em perigo, por culpa dos humanos (e mesmo que o não fosse).
Vamos ter que ser muito claros e entendidos sobre aquilo que queremos, não enquanto investidor privado, mas enquanto coletividade, não enquanto EUA, mas enquanto Comunidade Mundial de países.
A questão do “valor económico” vai ter de prevalecer sobre a lógica do retorno do investimento e do lucro. E isso só será possível se se pré-ordenarem os fins do privado aos fins do público.
Gerir o privado e gerir o público são realidades e problemáticas diferentes, senão antagónicas.
A justificação dos fins pelos meios, no privado, é uma coisa, no público, é outra, completamente diferente.
No privado, o lucro “justifica” que me vendam três sacarrolhas mesmo que eu não use.
No público, não existe justificação para que alguém compre algo de que não precisa. Mas todos conhecemos muitos exemplos bem mais eloquentes do que este, como o do homem que compra vinte ferraris com o único objetivo de os destruir.
Para o privado, a ciência, a educação, a religião e a arte são mercadorias. Tudo o que possa gerar dinheiro.
Para o público, o dinheiro começa por ser o maior problema, porque os fins não são o dinheiro. Qualquer política que, por equívoco ou não, não pressuponha claramente que os fins do Estado não são o retorno, será desastrosa para todos.
Ao Estado compete, ao contrário dos privados, promover o bem estar, o desenvolvimento, a saúde, a educação, a paz, a justiça, o ambiente saudável.
Ao investir em ciência e tecnologia o Estado, em teoria, é a entidade que não pode deixar de agir com inteligência, sob pena de não obstar ao descalabro para que nos encaminhamos.
Nenhum investidor privado tem a obrigação de se preocupar, por exemplo, com o facto de o retorno do seu investimento ser ilegítimo, ou resultado de um efeito desastroso para a economia (por ex., numa perspetiva de consumismo destrutivo).
Infelizmente, para a população em geral, os partidos que “conquistam” o Estado fazem-no sem uma visão para o papel e as funções do Estado num mundo que tem de ser gerido e partilhado coletivamente, com ciência, economia, consciência, justiça e não, como até aqui, ao sabor da ambição, aventureirismo e poder de espada de cada um.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Ciência, técnica e poder



A bem dizer, a ciência não é poder e os cientistas por terem conhecimento não decorre daí que tenham o poder. 
Por outro lado, poder não é ciência e quem detém o poder não detém, necessariamente, conhecimento científico. 
Em rigor, o cientista apenas conhece a realidade. 
A partir do momento em que age, já não é propriamente como cientista, mas como agente e aí, sim, exerce um poder. 
A ciência não tem nada de perigoso, nem de mal, porque a ciência não interfere, nem altera a realidade. O perigo e o mal estão na ação e no agente. 
É importante não confundir o conhecimento das coisas com a manipulação das coisas. 
Sabendo nós que o poder não costuma estar nas mãos dos cientistas, mas que estes costumam estar nas mãos do poder, afigura-se altamente perigoso e de controle difícil ou impossível, um conhecimento da realidade, não pelo conhecimento em si mesmo, mas pela ação que esse conhecimento possibilita. 
Diria que a associação da ciência à técnica tem algo de paradoxal, na medida em que a ciência é objetiva, imparcial, eticamente neutra e não tem objetivos, enquanto que a técnica corresponde à não aceitação da realidade. Nesta é que está o perigo e as ameaças.