segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Percepção, pensamento e discurso sobre a realidade



O cérebro não nos engana, nem nós enganamos o nosso cérebro.
Como é que isso poderia ser?
Não se faça confusão entre ideia de realidade e percepção da realidade. Desde sempre o homem teve necessidade de filosofias e de religiões para "explicar" a realidade percepcionada.
É patente a diferença entre o que percepcionamos, com os sentidos, e a ideia que fazemos ou podemos fazer daquilo que percepcionamos, mas isso não significa que percepcionamos de modo errado. Pode haver distorção na percepção, por ex., por anomalia ou distúrbio dos sentidos, mas isso não é engano.
Por outro lado, depois de conhecermos a física de partículas continuamos a percepcionar a pedra, com os nossos olhos e ouvidos e mãos, como percepcionávamos antes. A tua mão percepciona igualmente os átomos da pedra, antes e depois de saberes qual é a sua estrutura atómica. O mesmo se diga quanto ao sol girar à volta da terra...
Em geral, as tuas percepções das coisas não se alteram porque se alterou o teu conhecimento acerca delas.
Nisto o cérebro funciona como tem de funcionar, ou não funciona, mas isso é outra questão.
Ser induzido em erro também ocorre com frequência, mas diria que o erro é da ordem das ideias e dos juízos e não das percepções.
Daí que também seja frequente as nossas ideias e juízos e cálculos sobre a realidade reclamarem ou exigirem percepções que não temos e que procuramos, supondo que há coisas que deviam ou devem estar lá, algures. É o que imagino que acontece muito na quântica, embora aqui, na falta de percepções diretas, se procurem deteções indiretas...
Procurei restringir o conceito de percepção ao do contacto dos sentidos com o exterior. 
O que enfatizo é que o mapeamento cerebral desse contacto, a representação mental desse contacto, o pensamento gerado, estão noutro plano do processo.
Por sua vez, tudo o que a pessoa possa exprimir, comunicar, sobre isso, já é também algo diferente.
Apesar da simplificação, ilustra a complexidade do processo de acesso à realidade.
Podemos perguntar: qual é o nosso acesso à realidade? É um acesso adequado a quê? A senti-la? A fruí-la? A compreendê-la? A conhecê-la? A explicá-la?
É que, antes de analisarmos a realidade, temos o problema do acesso à mesma e o problema da linguagem e da representação e vice-versa. Realidade não é o mesmo que noção de realidade.
Depois há a questão de quem administra a verdade sobre a verdadeira realidade.
A realidade não é um dado.
Aliás, pensando bem, a realidade disponível não é toda a realidade, mas a que resta. Se me faço entender, a realidade disponível é algo que fica no fim de um processo imenso de factos indisponíveis.


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