A democracia, enquanto conceito e prática cultural e política, tem evoluído ao longo dos séculos de um modo sempre perturbador para doutrinas, sejam liberais, socialistas, comunistas, religiosas, quer no que tange à vertente educativa e socializante destas, quer no que respeita à pretensão mais ou menos totalitária e ditatorial derivada do facto de serem monolíticas e incompatíveis entre si.
A democracia pode ser sempre mais democrática, mas o liberalismo, o socialismo, o comunismo, as religiões, não são democráticos. Diferentemente destes, a democracia não é doutrina.
A democracia é o que permite e obriga à coexistência do que, sem essa coexistência, a democracia não existia. Todos os poderes tendem a usar a democracia para a aniquilarem.
No fundo, ninguém, nenhum partido, nenhuma doutrina política, nenhuma igreja, é democrática, ou, se o são, é porque não têm outro remédio.
Apesar disso, a democracia, entre nós, e por notáveis pergaminhos nos EUA, tem sido capaz de obter as mais cínicas declarações de amor, de todos os partidos, com destaque dos partidos comunistas, que se aproveitam dela, enquanto puderem, enquanto ela o permitir.
A democracia tem estado debaixo dos ataques de todos e há cada vez mais loucos que acreditam que acabar com a democracia é uma verdadeira expressão de democracia, mas isso já é uma subversão dos termos, é pretender anular a evolução das realidades políticas e regredir para épocas anteriores às grandes conquistas da cultura.
A democracia, o estudo da democracia, devia ser uma disciplina para ser trabalhada numa perspectiva científica, como se estuda, por exemplo, o Direito do Direito.
"Ser feliz é uma actividade que requer toda uma vida e não pode existir em menos tempo" - Aristóteles, Ética a Nicómaco
segunda-feira, 29 de agosto de 2022
sexta-feira, 26 de agosto de 2022
Falar de amor
Quando nos encontramos
Já tinha percebido
Que não iriamos falar de amor
Porque não sabíamos como
Senão ficarmos a olhar
As palavras não faziam falta
Não havia perspectiva
De nós próprios
Nem do que é amar
Os silêncios ancoravam
Naquele bar sem música
Sem imaginação
Sem perspectiva nenhuma
Quando estávamos a olhar
Se viessem os ensurdecedores
Com foguetes e tambores
Sairíamos daquele lugar
Em que nos encontrávamos
De mãos dadas
E só pararíamos nalgum sítio
Por alguma razão que desconhecemos.
sábado, 20 de agosto de 2022
Não há sonhos que o sejam mais
Todos temos os nossos momentos únicos
Os nossos tempos de glória divertida
Para recordar e fazer a história
Depois vêm outras experiências
Demonstrar que todos estiveram no centro
Do que vale a pena ou já não vale a pena
Recordar
E é triste perceber que não somos especiais
Porque cada um é especial à sua maneira
Com a história que ninguém sabe contar
Ou simplesmente não conta
Porque não conta
Senão para si próprio
Mas nada impede
E nada dispensa
Nem substitui
A própria narrativa da vida
Não há duas iguais
E os sonhos não se trocam por nada
Nem há sonhos que o sejam mais.
sexta-feira, 19 de agosto de 2022
A criação e a descrição dos processos criativos
Quando ficarem descritos e conhecidos e explicados os processos criativos, continuar-se-á sem saber e sem poder prever o que vai ser criado. E isto já era assim, quando no princípio era o verbo (dos processos criativos).
Até as descobertas científicas com mais repercussão nos nossos tempos, não criaram as coisas existentes mas deram-lhes uma "existência", ou representação, que elas não tinham. O que, por exemplo, Newton e Einstein descobriram, e que corporizaram nas suas teorias, não são realidades novas, não são naturezas novas. São realidades culturais novas (e nesse sentido são naturais, porque são humanas), entendimentos sobre realidades que talvez já existissem, acontecessem, funcionassem, muito antes do aparecimento do homem.
Até que ponto esses entendimentos, representações, modelos explicativos, podiam ter sido outros, ou serão substituídos por outros, é um dos aspectos mais intrigantes e fascinantes da aventura do conhecimento.
E é, no fundo, o intrigante e fascinante funcionamento da relação entre realidade, linguagem e conhecimento, ou, de como é viável falar de realidade senão pela linguagem e que conhecimento é esse.
sábado, 13 de agosto de 2022
Seca e sede
Este ano tem sido seco
Como a eternidade
Não há palavras que molhem
A palha que arde
Nem chuvas que deem de beber às fontes
Que têm sede
De verdade.
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