segunda-feira, 29 de agosto de 2022

A democracia dá muito trabalho

A democracia, enquanto conceito e prática cultural e política, tem evoluído ao longo dos séculos de um modo sempre perturbador para doutrinas, sejam liberais, socialistas, comunistas, religiosas, quer no que tange à vertente educativa e socializante destas, quer no que respeita à pretensão mais ou menos totalitária e ditatorial derivada do facto de serem monolíticas e incompatíveis entre si.
A democracia pode ser sempre mais democrática, mas o liberalismo, o socialismo, o comunismo, as religiões, não são democráticos. Diferentemente destes, a democracia não é doutrina.
A democracia é o que permite e obriga à coexistência do que, sem essa coexistência, a democracia não existia. Todos os poderes tendem a usar a democracia para a aniquilarem.
No fundo, ninguém, nenhum partido, nenhuma doutrina política, nenhuma igreja, é democrática, ou, se o são, é porque não têm outro remédio.
Apesar disso, a democracia, entre nós, e por notáveis pergaminhos nos EUA, tem sido capaz de obter as mais cínicas declarações de amor, de todos os partidos, com destaque dos partidos comunistas, que se aproveitam dela, enquanto puderem, enquanto ela o permitir.
A democracia tem estado debaixo dos ataques de todos e há cada vez mais loucos que acreditam que acabar com a democracia é uma verdadeira expressão de democracia, mas isso já é uma subversão dos termos, é pretender anular a evolução das realidades políticas e regredir para épocas anteriores às grandes conquistas da cultura.
A democracia, o estudo da democracia, devia ser uma disciplina para ser trabalhada numa perspectiva científica, como se estuda, por exemplo, o Direito do Direito.

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Falar de amor

Quando nos encontramos

Já tinha percebido

Que não iriamos falar de amor

Porque não sabíamos como

Senão ficarmos a olhar

As palavras não faziam falta

Não havia perspectiva

De nós próprios

Nem do que é amar

Os silêncios ancoravam

Naquele bar sem música

Sem imaginação

Sem perspectiva nenhuma

Quando estávamos a olhar

Se viessem os ensurdecedores

Com foguetes e tambores

Sairíamos daquele lugar

Em que nos encontrávamos

De mãos dadas

E só pararíamos nalgum sítio

Por alguma razão que desconhecemos.

sábado, 20 de agosto de 2022

Não há sonhos que o sejam mais

Todos temos os nossos momentos únicos

Os nossos tempos de glória divertida

Para recordar e fazer a história

Depois vêm outras experiências

Demonstrar que todos estiveram no centro

Do que vale a pena ou já não vale a pena

Recordar

E é triste perceber que não somos especiais

Porque cada um é especial à sua maneira

Com a história que ninguém sabe contar

Ou simplesmente não conta

Porque não conta

Senão para si próprio

Mas nada impede

E nada dispensa

Nem substitui

A própria narrativa da vida

Não há duas iguais

E os sonhos não se trocam por nada

Nem há sonhos que o sejam mais.

sexta-feira, 19 de agosto de 2022

A criação e a descrição dos processos criativos


Quando ficarem descritos e conhecidos e explicados os processos criativos, continuar-se-á sem saber e sem poder prever o que vai ser criado. E isto já era assim, quando no princípio era o verbo (dos processos criativos).
Até as descobertas científicas com mais repercussão nos nossos tempos, não criaram as coisas existentes mas deram-lhes uma "existência", ou representação, que elas não tinham. O que, por exemplo, Newton e Einstein descobriram, e que corporizaram nas suas teorias, não são realidades novas, não são naturezas novas. São realidades culturais novas (e nesse sentido são naturais, porque são humanas), entendimentos sobre realidades que talvez já existissem, acontecessem, funcionassem, muito antes do aparecimento do homem.
Até que ponto esses entendimentos, representações, modelos explicativos, podiam ter sido outros, ou serão substituídos por outros, é um dos aspectos mais intrigantes e fascinantes da aventura do conhecimento.
E é, no fundo, o intrigante e fascinante funcionamento da relação entre realidade, linguagem e conhecimento, ou, de como é viável falar de realidade senão pela linguagem e que conhecimento é esse.

sábado, 13 de agosto de 2022

Seca e sede

Este ano tem sido seco

Como a eternidade

Não há palavras que molhem

A palha que arde

Nem chuvas que deem de beber às fontes

Que têm sede

De verdade.