"Ser feliz é uma actividade que requer toda uma vida e não pode existir em menos tempo" - Aristóteles, Ética a Nicómaco
quarta-feira, 29 de setembro de 2021
A Escola e os gurus
A escola, tal
como a conheço, era uma circunstância odiosa, tal como a catequese e a igreja,
ainda que (ou mais ainda, se) a criança fosse promovida a estrela da companhia.
De tal modo colocava
as crianças perante as suas incapacidades, dificuldades, limitações, mas sempre
contracenadas com figurinos histriónicos elevados à categoria de exemplo e
prova de que é possível, os outros conseguem, tu não.
O outro era, e
continua a ser, a marca inatingível. Há sempre outros. Há sempre os melhores,
que são os outros. E, por alguma razão, há sempre quem ache isto bem. O limite
é Deus. Não existe, nunca existirá, porque Deus ficava estragado se fosse
limitado.
Não existe
limite quando o outro é o limite ao devolver que limite tem um nome “tu”, tu és
o limite, o limite és tu.
E então, a escola,
a catequese, a igreja, os modelos de pensamento, de organização social, de produção,
de educação, de ensino, de justiça, de beleza, de santidade, de virtude, enfim,
de valor, de sucesso, de realização, operam sobre a criança e exercem uma força
que será tanto mais fantasmagórica e ilusória quanto mais ela se aperceber de
que a realidade, a sua experiência, os seus sentidos, tendem a refutar as ideias
de que é possível ou desejável que corresponda a algum modelo, ou personagem, que
tampouco está gizado, que tampouco existe, que tampouco interessa, que nem
sequer é humanamente razoável…
E começa a
perceber que, tal como as histórias da carochinha, é tudo um faz de conta. Há
crianças que vivem num mundo faz de conta mais interessante, em que elas
próprias fazem de conta e dão-se bem com isso. Outras nem tanto. E outras não.
O faz de conta não é igual para as bruxas e para as criancinhas.
Depois, o faz de
conta, que conta, e de que maneira, continua a ser um jogo que dificilmente o
jovem recusará jogar, mesmo que saiba que é viciado e vai perder. Se sabe que
vai ganhar, mesmo sabendo que é viciado, joga, porque não pode deixar de o
fazer.
A ideia de que o
que importa é participar e não ganhar, é bem verdadeira, porque quem ganha não
se importa, quem perde é que tem de se importar.
Mesmo no
desporto, o espírito desportivo está ao serviço de um resultado, de tal modo
que não tens de saber jogar, ou de jogar bem, ou de jogar melhor, se souberes
alcançar o resultado. E se não for o resultado do jogo, daquele jogo, que seja
o resultado do teu jogo, no qual aquele é apenas um episódio, uma jogada, como
uma manobra para despistar o adversário.
Mais tarde, já adultos,
talvez peões de jogos cada vez mais complexos, talvez sonhando, ainda,
quixotescamente, serão tanto mais a realização daquilo que para eles o ensino e
a educação prepararam, quanto menos tiverem a noção daquilo em que os tornaram,
ou em que eles se tornaram.
Quanto aos gurus,
se fossem árbitros do jogo, talvez alterassem as regras, mas a viciação não,
até porque faz parte do jogo e não respeitar as regras também é batota.
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