quarta-feira, 29 de setembro de 2021

A Escola e os gurus

A escola, tal como a conheço, era uma circunstância odiosa, tal como a catequese e a igreja, ainda que (ou mais ainda, se) a criança fosse promovida a estrela da companhia.

De tal modo colocava as crianças perante as suas incapacidades, dificuldades, limitações, mas sempre contracenadas com figurinos histriónicos elevados à categoria de exemplo e prova de que é possível, os outros conseguem, tu não.

O outro era, e continua a ser, a marca inatingível. Há sempre outros. Há sempre os melhores, que são os outros. E, por alguma razão, há sempre quem ache isto bem. O limite é Deus. Não existe, nunca existirá, porque Deus ficava estragado se fosse limitado.

Não existe limite quando o outro é o limite ao devolver que limite tem um nome “tu”, tu és o limite, o limite és tu.

E então, a escola, a catequese, a igreja, os modelos de pensamento, de organização social, de produção, de educação, de ensino, de justiça, de beleza, de santidade, de virtude, enfim, de valor, de sucesso, de realização, operam sobre a criança e exercem uma força que será tanto mais fantasmagórica e ilusória quanto mais ela se aperceber de que a realidade, a sua experiência, os seus sentidos, tendem a refutar as ideias de que é possível ou desejável que corresponda a algum modelo, ou personagem, que tampouco está gizado, que tampouco existe, que tampouco interessa, que nem sequer é humanamente razoável…

E começa a perceber que, tal como as histórias da carochinha, é tudo um faz de conta. Há crianças que vivem num mundo faz de conta mais interessante, em que elas próprias fazem de conta e dão-se bem com isso. Outras nem tanto. E outras não. O faz de conta não é igual para as bruxas e para as criancinhas.

Depois, o faz de conta, que conta, e de que maneira, continua a ser um jogo que dificilmente o jovem recusará jogar, mesmo que saiba que é viciado e vai perder. Se sabe que vai ganhar, mesmo sabendo que é viciado, joga, porque não pode deixar de o fazer.

A ideia de que o que importa é participar e não ganhar, é bem verdadeira, porque quem ganha não se importa, quem perde é que tem de se importar.

Mesmo no desporto, o espírito desportivo está ao serviço de um resultado, de tal modo que não tens de saber jogar, ou de jogar bem, ou de jogar melhor, se souberes alcançar o resultado. E se não for o resultado do jogo, daquele jogo, que seja o resultado do teu jogo, no qual aquele é apenas um episódio, uma jogada, como uma manobra para despistar o adversário.

Mais tarde, já adultos, talvez peões de jogos cada vez mais complexos, talvez sonhando, ainda, quixotescamente, serão tanto mais a realização daquilo que para eles o ensino e a educação prepararam, quanto menos tiverem a noção daquilo em que os tornaram, ou em que eles se tornaram.

Quanto aos gurus, se fossem árbitros do jogo, talvez alterassem as regras, mas a viciação não, até porque faz parte do jogo e não respeitar as regras também é batota.


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