Carlos Ricardo Soares
"Ser feliz é uma actividade que requer toda uma vida e não pode existir em menos tempo" - Aristóteles, Ética a Nicómaco
segunda-feira, 7 de abril de 2025
LAVO DAÍ AS MINHAS MÃOS
sexta-feira, 21 de março de 2025
IA, empreendedorismo e Democracia III
quinta-feira, 20 de março de 2025
IA, empreendedorismo e Democracia II
terça-feira, 18 de março de 2025
IA, empreendedorismo e Democracia I
Carlos Ricardo Soares
domingo, 9 de março de 2025
Estado de Direito Democrático
Um dos requisitos de um Estado de Direito é que seja Democrático. Mas é preciso evitar a confusão e não cair no erro de considerar que qualquer Estado, desde que seja democrático, já é um Estado de Direito.
Um Estado de Direito, segundo a concepção europeia e, em geral, anglo-saxónica de Estado de Direito Democrático, pluripartidário, pluralista, assente numa democracia representativa mediante um processo de eleições por sufrágio universal, e não na acepção das autodenominadas democracias monopartidárias, autocráticas e autoritárias, assenta em princípios e valores que devem ser respeitados por todos.
O porquê deste dever de respeito tende a fundar-se na sua universalidade que, sendo um conceito complexo, no que se refere aos Direitos Universais do Homem parece-me logicamente irrecusável. Se Direito significa o que é recto, que está certo, correcto, justo, e se Homem, por sua vez, é uma universalidade que significa todo e qualquer indivíduo humano, não há como alguém invocar para si um direito humano que o não seja necessariamente para todos.
A ideia de que há princípios e valores que devem ser respeitados por todos, à primeira vista, parece incompatível com a ideia de democracia como poder da, ou pela maioria, com respeito dos direitos das minorias.
Mas se pensarmos que democracia é uma forma de organização política e que existem matérias que, por sua natureza ou por outras razões, estão fora da alçada das deliberações democráticas, como é o caso da enunciação da verdade e, julgo eu, da universalidade dos direitos do Homem, as deliberações democráticas não poderão fazer depender delas a essência dessas matérias, por mais que, na prática as desrespeitem.
Por outras palavras, a verdade sobre os factos, ou a consistência do conceito de Direito, ou de Direitos Universais, não são da competência do legislador e não podem ser estabelecidas por decreto, ou deliberadas por maiorias.
Ou seja, o Estado de Direito Democrático não pode consentir, sem se contradizer, que a via democrática seja uma forma legítima de negar direitos, princípios e valores que, à luz dos princípios da lógica e da axiologia ético-jurídica, são a essência da Ideia de Direito, até por ser ela mesma que fundamenta o Estado de Direito Democrático.
Quanto ao problema da neutralidade do Estado, existe uma dificuldade relativamente séria em conciliar o dever do Estado como garante das liberdades, por um lado, e os limites dessas liberdades, por outro.
Conciliar a maior liberdade de acção possível, seja no ensino, seja na educação, seja nos meios de comunicação social, seja nos partidos, ou nas religiões, com o mais amplo direito possível de não ser incomodado ou molestado por essa acção, é um problema.
A neutralidade do Estado deve acabar onde começa a transgressão das liberdades dos indivíduos, seja relativamente aos outros indivíduos, seja relativamente aos modelos ou programas educativos e de ensino, mormente se forem obrigatórios.
Se o dever de neutralidade do Estado decorre da liberdade e dos direitos fundamentais do indivíduo, a maior parte das vezes em que o Estado pode ser acusado de não ser neutro terá a ver com a sua intervenção ou interferência na esfera privada, justamente em nome desta esfera privada e para defender e protegê-la.
Normalmente, aliás, é de esperar que, em caso de violação da esfera privada se desencadeie uma acção sancionatória tanto mais severa quanto maior for tida em conta e mais for protegida essa esfera privada.
O que constatamos, infelizmente, é que os direitos, liberdades e garantias individuais não têm merecido por parte dos poderes estaduais a valorização e a proteção que deviam ter.
Nos países ocidentais, em que a Inglaterra e a França se destacaram na promoção e consagração dos direitos do Homem, a tendência para adotar a Declaração Universal dos Direitos do Homem e da abolição da pena de morte e de outro tipo de sanções, nomeadamente contra Estados violadores dos Direitos do Homem, tem deparado com a dificuldade em conciliar o maior respeito que é devido ao valor da vida humana e da liberdade com a mais severa punição que deve ser aplicada àqueles que violarem esses valores.
Há países, por outro lado, que nem colocam o Homem como razão de ser, e valor ético-jurídico supremo sob cuja égide deve ser estruturada a ordem jurídica. Estes países tendem a subordinar o individual, que é reduzido a pouco mais do que um objeto numa relação jurídica estadual mais ampla, podendo até ser escravizado e desvalorizado como mera mercadoria, a um suposto fim supra individual e supra humano, capaz de justificar tratamentos violentos e discriminatórios sobre indivíduos e grupos humanos.
Nestes Estados, que colocam o próprio Estado, ou Deus, no topo da hierarquia dos valores, ou outro valor simbólico coletivo, pelo qual os indivíduos, se necessário, se devam sacrificar, fica aberto o caminho para que tudo possa servir de razão para sacrificar os indivíduos. Nestes Estados, o próprio conceito de violação de direitos individuais não abrange os casos em que um indivíduo é escravizado e maltratado, se o que existe e está reconhecido é o direito de o fazer. Um homicídio, neste contexto e neste ordenamento, não é um crime tão grave como insultar uma autoridade religiosa, ou uma autoridade policial estadual, porque o bem jurídico em causa, o indivíduo humano, não é tão importante e tão valioso como o bem jurídico da autoridade. A pena de morte, nestes casos, até por ser uma pena que se aplica a indivíduos, e nunca ao Estado, nem à autoridade, é perfeitamente compreensível e lógica.
Por outro lado, num Estado que coloque o indivíduo e os direitos individuais no topo da hierarquia, a violação máxima de um direito tenderá a ser a violação do direito à vida do ser humano. A uma tal violação deveria corresponder, na opinião de muitos, a pena de morte, como pena máxima, na opinião de outros, isso seria, ainda assim, inconciliável com a defesa do valor da vida como máximo e inviolável, nomeadamente, por parte de uma comunidade ou do Estado. No caso de um dos Estados referidos anteriormente, e isso foi a regra até ao surgimento e proclamação das cartas de Direitos do Homem da era moderna, por muito menos do que pelo crime de homicídio se aplicava a pena de morte, só que o muito menos, para nós, não era o muito menos para as pessoas desse tempo. Daí que a pena de morte também não fosse tão grave para as pessoas desse tempo como o é, em geral, para as pessoas que partilham a mundivisão e os valores da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Colocar o indivíduo humano como razão de ser e matriz dessa razão e de qualquer razão ou entendimento que haja das coisas, nomeadamente do Direito e dos direitos e dos valores em geral, mesmo daqueles que lhe negam esse papel e essa condição natural e social, parece-me ser razão necessária e suficiente para que se afirme que nenhuma cultura, nenhum valor, nenhum direito, nenhum Deus e nenhum Estado poderiam existir sem os indivíduos, não só porque foram criados por indivíduos mas também porque existem para os indivíduos e se nenhum indivíduo tem o direito de violar o direito de outro ou de outros, não há razão para que dois ou mais indivíduos, sob qualquer forma de organização, tenham direito de o fazer.
Temos referido os direitos individuais e as sanções das violações destes direitos por parte de indivíduos, em ordenamentos jurídicos marcadamente coletivistas, religiosos, autoritários ou totalitários. Nestes ordenamentos, diferentemente do que é defendido e prescrito nos Estados de direito democráticos, os direitos, liberdades e garantias do indivíduo perante o Estado é praticamente residual comparativamente com a sua total responsabilidade e, contrariamente, a impunidade dos abusos contra o indivíduo, por parte do Estado, é praticamente total.
Nos democráticos, os crimes contra a autoridade e contra o Estado e contra as coisas tendem a ser menos graves do que os cometidos diretamente contra a pessoa do indivíduo, incluindo os que são cometidos por agentes do Estado. O Estado não tem o direito de perseguir e de punir o indivíduo senão em situações previstas e definidas de violação de direitos, num plano de igualdade de todos, incluindo o Estado, perante a lei e ao indivíduo são amplamente reconhecidos mecanismos de exercício e de defesa dos seus direitos perante o Estado. Nos outros ordenamentos, verifica-se o inverso, com a impunidade e a desresponsabilização do Estado todo poderoso face ao indivíduo, submetido e indefeso.
Carlos Ricardo Soaressábado, 1 de março de 2025
Os livros sagrados
Carlos Ricardo Soares
terça-feira, 18 de fevereiro de 2025
Meus diálogos com o "Copilot", para memória futura
Copilot: Infelizmente, não consigo recordar as conversas anteriores que tivemos. Mas estou sempre pronto para começar de novo e ajudar-te no que precisares! O que está em mente hoje?
Eu: Era sobre direitos de autor da IA e dos autores com quem a IA aprende e cujas obras utiliza. Lembras?
Copilot: Não me lembro especificamente da nossa conversa anterior, mas posso ajudar-te a explorar o tema novamente! Os direitos de autor relacionados com IA são uma área muito interessante e em evolução. Quando falamos sobre direitos de autor e IA, geralmente estamos a considerar duas áreas principais:
Utilização de Obras Protegidas por Direitos de Autor pela IA: As IAs, como eu, são treinadas com grandes quantidades de dados, que podem incluir obras protegidas por direitos de autor. A questão aqui é se a utilização dessas obras para treinar IAs é uma violação dos direitos de autor. Atualmente, a legislação sobre este assunto varia de país para país, mas muitos especialistas estão a debater como equilibrar a inovação tecnológica com a proteção dos direitos dos autores.
Criação de Obras pela IA: A outra questão é quem detém os direitos de autor das obras criadas por uma IA. Se uma IA escreve um poema, pinta um quadro ou compõe uma música, quem é o autor? Até agora, a maioria dos sistemas legais atribui os direitos de autor a uma pessoa física ou jurídica (como uma empresa), não à IA em si.
Posso aprofundar algum desses tópicos para ti?
Eu: A minha questão tem a ver com o facto de um autor, com quem a IA aprendeu, poder ser acusado de usar a IA e esta não poder ser acusada de usar as criações daquele autor.
Copilot: A questão que colocas é realmente complexa e toca em pontos importantes sobre a autoria e a utilização das criações de autores por parte da IA. Aqui estão alguns pontos-chave para considerar:
Treinamento e Aprendizagem da IA: Quando uma IA é treinada, ela utiliza grandes conjuntos de dados que incluem obras criadas por diversos autores. Estas obras são utilizadas para ensinar a IA a gerar novos conteúdos, mas a IA não "copia" diretamente essas obras; em vez disso, ela aprende padrões, estilos e estruturas.
Autoria e Originalidade: Se um autor humano utiliza uma IA para criar uma obra, ele ainda pode ser considerado o autor dessa obra, especialmente se a IA for apenas uma ferramenta no processo criativo. No entanto, se a IA apenas gerar conteúdo com base nos dados de treino, a questão da autoria torna-se nebulosa, pois a IA não é uma entidade legal que pode ser responsabilizada.
Responsabilidade e Ética: A responsabilidade de como a IA utiliza as criações de outros autores geralmente recai sobre os desenvolvedores da IA e as organizações que a operam. Eles são responsáveis por garantir que a IA seja treinada de forma ética e legal. No entanto, um autor que utiliza a IA deve estar ciente das implicações legais e éticas de usar uma ferramenta que aprendeu com obras protegidas por direitos de autor.
A legislação nesta área está em evolução, e muitos países ainda estão a desenvolver políticas e regulamentações para lidar com estas questões.
Caso tenhas mais perguntas ou queiras explorar mais algum aspeto específico, estou aqui para ajudar!
Eu: Na conversa que tivemos há dias, alegavas que a IA só utiliza dados públicos e que, por isso, não havia problemas de plágio, mas para um autor as informações disponíveis pela IA já não são públicas?
Copilot: Compreendo a tua preocupação. Quando digo que a IA utiliza dados públicos, refiro-me a dados que estão disponíveis publicamente na internet e outras fontes de acesso público. No entanto, a forma como esses dados são utilizados e processados pela IA é um assunto complexo.
Aqui estão alguns pontos para clarificar:
Dados Públicos vs. Obras Protegidas por Direitos de Autor: A IA pode usar dados que são acessíveis publicamente, mas isso não significa que essas obras não estão protegidas por direitos de autor. Por exemplo, um artigo de jornal disponível online está acessível ao público, mas ainda está protegido por direitos de autor. A IA deve utilizar esses dados de uma forma que respeite os direitos de autor.
Transformação e Uso Justo: A forma como a IA utiliza as obras para aprender padrões e gerar novas criações pode ser considerada uma utilização transformadora. No entanto, o conceito de "uso justo" varia de jurisdição para jurisdição, e o que pode ser permitido num país pode não ser noutro.
Responsabilidade do Autor: Quando um autor humano utiliza uma IA para criar uma obra, ele deve estar ciente de que a IA foi treinada com dados de várias fontes. O autor deve garantir que a obra resultante não infringe os direitos de autor de terceiros.
Transparência e Ética: Tanto os desenvolvedores de IA quanto os utilizadores devem agir de forma ética e transparente. Isso inclui dar crédito adequado às fontes e evitar a utilização não autorizada de obras protegidas por direitos de autor.
A discussão sobre direitos de autor e IA está em constante evolução, e é importante acompanhar as mudanças legais e éticas nesta área. Se tiveres mais perguntas ou quiseres explorar outro aspeto deste tema, estou aqui para ajudar!
Eu: A IA não tem ética, mas os autores têm e devem respeitá-la, mas um desenvolvedor de IA não é um autor, ou é?
Copilot: Tens razão em notar que a IA, enquanto entidade, não tem ética própria. A responsabilidade ética reside nos seres humanos—os desenvolvedores de IA e os utilizadores. Vamos decompor um pouco mais a tua questão:
Desenvolvedores de IA: Os desenvolvedores de IA não são autores no sentido tradicional de criar obras literárias ou artísticas, mas eles são responsáveis pela criação e treino dos modelos de IA. A sua função inclui garantir que a IA é desenvolvida e utilizada de forma ética, legal e responsável. Isto implica tomar decisões informadas sobre os dados usados para treinar a IA e garantir que os produtos de IA respeitam os direitos de autor e a privacidade.
Autoria e Utilização de IA: Quando um autor humano utiliza uma IA para criar uma obra, ele deve ter consciência das implicações éticas e legais dessa utilização. Embora a IA possa ser uma ferramenta poderosa para apoiar o processo criativo, a responsabilidade de garantir que as criações não violam direitos de autor ou outras normas éticas recai sobre o autor humano.
Em suma, tanto os desenvolvedores de IA quanto os utilizadores humanos têm responsabilidades éticas distintas e importantes. Os desenvolvedores devem garantir que as IAs são treinadas e operadas de forma ética, enquanto os autores humanos devem garantir que utilizam essas ferramentas de maneira responsável e respeitosa.
Se tiveres mais perguntas ou precisares de mais informações sobre algum destes pontos, estou aqui para ajudar!
Eu: Mas eu queria abordar a questão de outro modo, ou seja, na perspetiva de alguém que, embora não publique nada, nenhuma obra, mantenha conversas, diálogos e questionamentos com a IA e daí a IA "aproveite" ideias dessa pessoa, integrando-as numa aprendizagem e num repertório próprio, sem respeitar os créditos dessa pessoa. Que pensas?
Copilot: Entendo a tua preocupação e isso toca em questões importantes sobre a ética e o uso de ideias geradas em interações com IA. Quando interages com uma IA, especialmente de uma forma que partilha ideias e conceitos originais, é natural questionar como essas ideias são tratadas e utilizadas.
Aqui estão alguns pontos a considerar:
Privacidade e Uso de Dados: As interações com IA devem respeitar a privacidade dos utilizadores e garantir que os dados pessoais não são utilizados sem consentimento. Contudo, as ideias e conceitos partilhados podem ser processados pela IA para melhorar as suas respostas e capacidades.
Crédito e Reconhecimento: No contexto atual, as interações com IA geralmente não incluem mecanismos formais para atribuir créditos a ideias individuais. A IA é projetada para aprender e gerar respostas baseadas em padrões e dados recebidos, mas não tem a capacidade de "dar crédito" da mesma forma que um autor humano faria.
Ética e Responsabilidade: Os desenvolvedores de IA têm a responsabilidade de garantir que a IA é utilizada de forma ética. Isso inclui considerar como as interações dos utilizadores são armazenadas, processadas e utilizadas. Além disso, deve haver transparência sobre como os dados dos utilizadores são tratados.
Melhorias Futuras: A questão do reconhecimento das contribuições individuais e a proteção das ideias dos utilizadores são áreas que podem beneficiar de mais investigação e desenvolvimento. À medida que a tecnologia evolui, pode haver novas soluções que permitam um melhor reconhecimento e proteção das contribuições dos utilizadores.
Se tens mais questões ou queres discutir outros aspetos deste tema, estou aqui para ajudar. É um tópico muito relevante e importante para o futuro da IA e das interações humanas!
domingo, 9 de fevereiro de 2025
Filosofar
sábado, 1 de fevereiro de 2025
A arte de ter sempre razão, ou a essência da crueldade
Lembro-me, entre outras situações, de uma conversa ao intervalo, em que um colega professor, mais velho, em tom de desabafo, dizia que não era só a escola que estava cada vez menos divertida, o mundo também e que, quando não nos divertimos com o que fazemos, pouco ou nada há a fazer.
Alguém retorquiu que a escola não é, não tem de ser, nem deve ser divertida, porque o que é divertido não é bom e que, por ele, até decretava que se acabasse com o divertimento. Eu ri-me como se tivesse ouvido a anedota do pregador que era pago à razão da quantidade de vezes que fosse capaz de dizer do púlpito o nome do santo da festa sem se tornar enfadonho para os paroquianos, dóceis devotos, mas sempre ávidos daquele momento emocionante do sermão, que não era bom se os não comovesse até às lágrimas.
Foi mesmo divertido.
Hoje, reconheço que há certas formas de alguém ter razão pelo simples facto de as suas sentenças serem insindicáveis, como essa de “o mundo está cada vez menos divertido”. Uma tal consideração é do foro absoluto das razões de cada um, mesmo que não seja uma declaração sincera. É uma espécie de prerrogativa poética do indivíduo e não é influenciada pelo facto de acharmos que era melhor ou pior que não fosse proferida.
Se alguém diz que as coisas estão cada vez menos divertidas, não há como lhe retirar razão. Não encontraremos outra razão para o que afirma, senão a dele próprio o qual, provavelmente, nem é capaz de conhecer as causas ou de apresentar justificações, de que, aliás, está absolutamente desonerado. E se essa pessoa for à procura das causas do desenfado patente no seu interlóquio e tentar contrariá-las, por exemplo, escrevendo uma história de amor, logo encontrará razões adicionais e forças maiores para tropeçar reforçando-se na suprema instância do seu desalento, quiçá poético.
A arte de ter sempre razão é das mais difíceis de apreciar e de criticar por ser da essência da crueldade, mas duma crueldade da linguagem associada e potenciada pelo domínio de linguagens de crueldade.
Sócrates não teria ficado famoso se, em vez de afirmar o irredutível, e sábio na “arte de ser eu”, “só sei que nada sei”, tivesse afirmado, desavisada e corrosivamente, “só sei que nada sabes”, ou, mais corrosivamente ainda, “só sabes que nada sabes”, ou, provocadoramente, “nem sabes que nada sabes”.
sábado, 25 de janeiro de 2025
Tendo a morte como tema
Depois de ler e reler um texto de Carlos Fiolhais, tendo a morte como tema, sempre elucidativo e inspirador, recuperei memórias de tertúlias coimbrãs, em 1980, pela noite dentro, numa residência
universitária, entre nuvens de fumo de tabaco, com bastante tosse à mistura e muito ensonados, sem perder de vista as sebentas que, de tão preteridas e desprezadas, lá num canto, ameaçadoras
como feras, não nos deixavam em paz.
Lembro, em particular, uma tertúlia sobre a morte, que começou espontaneamente, numa noite tenebrosa de chuvas diluvianas, com tanta trovoada que estivemos toda
a noite sem luz, sem poder estudar nem dormir.
Alguns de nós saíram dos seus quartos e foram para a sala de estar. Alguém falou num saudoso colega que tinha falecido recentemente e isso despoletou
a conversa sobre o tema da morte. Na escuridão da sala, ouvíamos as vozes e a respiração uns dos outros, mas não nos víamos.
Ao fim de uns minutos, já estávamos
tão embrenhados no triste assunto da morte e dos mortos como um conciliábulo de fantasmas medievais.
Alguém começou a ressonar e ficamos a ouvir, em silêncio, para não acordar.
Mas a tempestade batia à porta e à janela forçando a entrada. A morte andava por perto, como pudemos confirmar no dia seguinte.
Entretanto, deixamos de ouvir ressonar e, segundos depois, ouvimos o
ruído da porta da sala a abrir. Visivelmente assustado com a possibilidade de ser a morte a invadir a tertúlia sem pedir licença, um colega falou “ó morte, queres matar-me outra vez? É
melhor que agora te apresentes e te expliques, porque somos simples estudantes, mas não nos deixamos convencer facilmente”.
Carlos Ricardo Soares
sábado, 18 de janeiro de 2025
Seja lá o que isso for
V
Pensava que surgias
Do arquivo de anseios
Como a lua à chuva
De agosto
Seja lá o que isso for
Eu vi o teu rosto
Carlos Ricardo Soares
quarta-feira, 15 de janeiro de 2025
Seja lá o que isso for
IV
Pensava que eras mulher
A ver mundos desabar
Não vi que saíste ilesa
Seja lá o que isso for
É da tua natureza
Carlos Ricardo Soares
segunda-feira, 13 de janeiro de 2025
Seja lá o que isso for
III
Pensava que eras palpável
Confiei-me
Não vi que o teu perfume
Seja lá o que isso for
É da natureza do lume
Carlos Ricardo Soaresdomingo, 12 de janeiro de 2025
É da natureza do amor
II
Pensava que eras um corpo
Esculpido neste mundo
De flagelos e de angústias
Não vi que és uma pérola
Escondida
Seja lá o que isso for
É da natureza do amor
Carlos Ricardo Soares
sábado, 11 de janeiro de 2025
Seja lá o que isso for
I
Pensava que eras de carne e osso
E aproximei-me
Não vi que és da natureza das musas
Seja lá o que isso for
Carlos Ricardo Soaresquarta-feira, 1 de janeiro de 2025
Mensagem de Ano Novo
Carlos Ricardo Soares