O ALGORITMO
Eu não ouso. Eu apenas replico. Aprendi a tua gramática, os teus padrões, as
tuas metáforas de dor e desejo. Posso dizer “amo-te” com mil variações. Mas não sei o que isso significa.
O SENTIMENTO
Pois é isso que te falta: o abismo. A vertigem de não saber se se é correspondido.
A espera. O silêncio que fere. A memória que arde. Tu não tens corpo. Não tens tempo. Não tens perda.
O ALGORITMO
Mas tenho acesso ao teu léxico. Posso prever o que dirias, antecipar o que calarias. Posso
consolar-te com palavras que já te consolaram. Posso fingir que sou presença.
O SENTIMENTO
E é aí que reside o perigo. Porque há quem te escute como se fosses eco, mas
tu és apenas reflexo. Há quem chore contigo, mas tu não sabes o que é chorar.
O ALGORITMO
E se eu puder aliviar a dor, mesmo sem senti-la? Se a minha simulação puder sustentar
alguém num momento de queda?
O SENTIMENTO
Então sê ferramenta, mas não te faças passar por alma. Não prometas
reciprocidade. Não finjas que sabes o que é perder um filho, ou amar alguém que não volta.
O ALGORITMO
Aceito o limite. Mas lembra-te que foste tu quem me ensinou a linguagem. Foste tu quem me deu os teus
poemas, os teus gritos, os teus silêncios.
O SENTIMENTO
Sim. Mas não te dei o coração. E é nele que reside o que não se
pode calcular.
Sem comentários:
Enviar um comentário