Num tempo em que se valoriza o pensamento crítico e a autonomia profissional, é curioso observar como, no seio do sistema educativo, muitos professores acabam por seguir
fielmente os preceitos e guiões impostos. Não por falta de capacidade reflexiva, mas por uma espécie de inteligência adaptativa que privilegia a eficiência e o retorno imediato.
Há quem questione, ainda que apenas por sistema, como forma de marcar posição e mostrar que não se limita a seguir diretivas. Mas, na prática,
a tendência dominante é outra: a de cumprir, com o menor esforço possível, aquilo que é exigido. E essa obediência estratégica não é necessariamente um sinal de
alienação. Pelo contrário, pode ser vista como uma resposta racional ao funcionamento de um sistema que recompensa o cumprimento e penaliza o desvio.
Num ambiente marcado por metas, relatórios, inspeções e burocracia, o professor que decide “jogar segundo as regras” está, na verdade, a otimizar
recursos. Ao seguir o guião, evita conflitos, protege-se de avaliações negativas e garante que o seu trabalho é reconhecido dentro dos parâmetros estabelecidos. É uma forma de sobrevivência
institucional que, embora possa parecer conformista, revela uma inteligência pragmática.
Mas será esse o comportamento mais desejável?
Será que o sistema educativo deve premiar quem se adapta sem questionar, em detrimento de quem tenta inovar, mesmo correndo riscos?
A obediência ao sistema pode gerar resultados visíveis: estatísticas positivas, cumprimento de programas, estabilidade profissional. No entanto, há um
custo oculto. Quando todos seguem o guião, o ensino torna-se previsível, padronizado, por vezes descontextualizado.
Em vez da criatividade, tão perseguida e tão mal vista por competidores diretos, muito zelosos na crítica que lhes interessa, opta-se comodamente pela repetição,
pelos formulários e pela ritualização dos procedimentos e dos discursos e o sentido pedagógico perde-se na lógica de uma produtividade cujo produto não é o que mais interessa
na ordem das prioridades.
E então, o comportamento que garante o “melhor retorno” para o sistema pode não ser o que melhor serve os alunos, nem o que mais realiza os professores.
Mesmo que seja apenas por sistema, o ato de questionar é essencial. É ele que mantém viva a possibilidade de mudança, que abre brechas no discurso dominante
e que permite pensar para além do imediato. Professores que questionam, mesmo que não tenham força para transformar, são os que mantêm acesa a chama da educação como prática
de liberdade.
Obedecer pode ser inteligente. Mas questionar é indispensável.
Só que, voltamos ao início deste arrazoado. Ao seguir o guião, o professor evita conflitos, protege-se de avaliações negativas e garante que o
seu trabalho é reconhecido dentro dos parâmetros estabelecidos.
Se, como vimos, muitos professores seguem o guião oficial por uma lógica de eficiência e proteção institucional, então é urgente repensar
o papel das estruturas que os rodeiam. A verdadeira mudança não virá apenas da base, mas também da forma como os diretores e os órgãos da administração educativa encaram
o papel do professor.
É necessário garantir autonomia e liberdade pedagógica, não como um privilégio ocasional, mas como um direito profissional.
E mais: é preciso criar formas de compensação e reconhecimento que encorajem o questionamento informado, a inovação fundamentada e a coragem de
pensar fora do molde.
Os diretores não devem ser meros executores de políticas, mas líderes pedagógicos que promovem ambientes onde o pensamento crítico é valorizado.
Quando a administração se limita a “deixar correr”, por comodidade ou interesse próprio, perpetua-se um sistema onde o conformismo é recompensado e a ousadia é punida.
É preciso inverter essa lógica. Valorizar quem questiona, quem propõe, quem experimenta. Criar espaços de diálogo, de escuta, de construção
coletiva. Porque um sistema que não escuta os seus professores está condenado a repetir os seus erros.
A educação precisa de professores que não sejam apenas executores de programas, mas autores de práticas. Isso exige confiança, tempo, formação
contínua e, acima de tudo, respeito pela sua inteligência profissional.
Repito: a obediência pode ser inteligente. Mas só a autonomia crítica é verdadeiramente transformadora.
Carlos Ricardo Soares
Sem comentários:
Enviar um comentário