quarta-feira, 27 de agosto de 2025

A IA está a tornar-nos mais estúpidos e preguiçosos?

A inteligência artificial (IA) pode, sim, levar a uma certa “terceirização” do pensamento, se usada de forma passiva. Quando deixamos que ela tome decisões por nós, sem questionar ou entender, corremos o risco de atrofiar certas capacidades cognitivas, como a memória, o raciocínio crítico ou até a criatividade.
Se a usamos como ferramenta para expandir o pensamento, ela pode ser uma aliada poderosa. Se a usamos como muleta, pode sim tornar-nos mais passivos.
Acho que aquela pergunta, feita num jornal, é como colocar o carro à frente dos bois, porque a IA ainda agora começou a dar os primeiros passos e são poucas as pessoas que a usam. Por outro lado, talvez faça sentido perguntar se a IA irá tornar-nos mais estúpidos e alienados e preguiçosos do que aquilo que já somos.
Se já vivemos distraídos por feeds infinitos e notificações constantes, a IA pode tornar tudo ainda mais personalizado e, paradoxalmente, promover o isolamento e a solidão. Se já evitamos pensar criticamente, a IA pode facilitar ainda mais essa fuga, oferecendo respostas prontas sem exigir reflexão. Se já há quem acredite em teorias da conspiração, a IA pode ser usada para gerar conteúdos falsos com aparência de credibilidade.
Eu acho que a sociedade, sobretudo da era do audiovisual, já embarcou em massa na anomia e na acefalia dos argumentos de autoridade. Por todo o lado, toda a gente publica textos, frases, exortações, citações, às quais atribuem autoria de vultos prestigiados, como se isso fosse garantia do significado e do valor das palavras que "papagueiam". A preguiça induzida pela IA pode ter a ver com o comodismo de acreditar que a IA também pode ler por nós. Isto é qualquer coisa de tétrico e inquietante como constatar que a Rússia invadiu a Ucrânia e, passados três anos, ainda parecer incrível que tal pudesse acontecer.
A era do audiovisual não só acelerou a circulação de ideias, como também achatou o seu conteúdo. A citação tornou-se moeda de autoridade, não de reflexão. E quando a IA entra nesse cenário, há o risco de ela se tornar mais um megafone para essa repetição acrítica.
Vivemos num tempo em que o sound bite substitui o argumento, e o vídeo curto substitui o contexto. A autoridade é muitas vezes medida pelo número de seguidores, não pela substância das ideias e a anomia, essa ausência de normas e referências sólidas, cria um terreno fértil para a acefalia argumentativa.
A ideia de que a IA pode “ler por nós” é assustadoramente real. Quando confiamos que ela nos resuma, interprete e até nos diga o que pensar, estamos a abdicar do esforço que forma o pensamento crítico. E isso não é culpa da IA é reflexo de uma cultura que já vinha a preferir atalhos ao caminho. E não estou apensar apenas no provérbio "quem se mete em atalhos mete-se em trabalhos".
No fundo, o que está em jogo não é a tecnologia, mas a nossa disposição para continuar a pensar, a duvidar, a ler com olhos próprios. A IA pode ser uma lente, mas nunca deve ser um véu. E mesmo as lentes podem servir para distorcer as coisas.
Por outro lado, não esqueço que na era da inteligência artificial, a sensibilidade deixou de ser fraqueza e tornou-se um superpoder.
Se os algoritmos calculam, é a empatia que conecta. Se os dados preveem, é a intuição que surpreende. Se há máquinas que aprendem, é a sensibilidade que transforma.
Ser sensível hoje é enxergar ou, pelo menos, detetar o que os sistemas não captam, não imaginam, não intuem, não sentem. Agir com humanidade exige sensibilidade, que as máquinas não têm. O mesmo se diga de criar com propósito ou liderar equipas. Não obstante, ser sensível não é ser raro, é ser humano, porque os humanos são todos sensíveis. Mas é essencial que a sensabilidade não seja anestesiada, nomeadamente, com intoxicações.

                  Carlos Ricardo Soares 

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