quinta-feira, 10 de março de 2022

Como só a harmonia consegue

Quem há-de dizer

Com todas as letras

Para as estrelas

E daí

Obter resposta

Numa língua que não existe

Aplacar em letra morta

O silêncio

Pisar escombros com a planta dos pés

E como antídoto ensurdecer

Com sofismas

Para dores fantasmáticas

Em doses homeopáticas

Diluídas na metafísica

Do maravilhoso aquário

De argumentos

Sem se molharem

Sem afundarem

Patinando artisticamente sobre uma superfície gelada

De postulados cosmológicos

E imunes às forças opostas

Como só a harmonia consegue

Em parcimoniosos compassos

Ou bélicas coreografias

Quem há-de sacrificar

Tudo o que resta

O que importa salvar

Não é a verdade

Nem do que sabemos

Nem do que dizemos

É o que somos

E o que fazemos

É o que as coisas são

Até se tornarem noutras coisas

Que não reconhecemos senão

Na nossa visão

Por mais desculpável que seja

A nossa falta de visão

Por mais que se agigante

O espectro da invisibilidade

Na luta que se encarniça de olhar para si mesma

Como inimiga

Que não pode evitar

Nem vencer

Nem servir de alimento a uma letra

Para não dizer pomba

Morta

Da paz.

quinta-feira, 3 de março de 2022

Devia ser proibido mandar fazer guerra

Devia ser proibido mandar fazer guerra, mandar matar. 
Devia ser mais proibido do que matar. E mais condenável e mais inadmissível. 
Temos assistido a guerras que são impiedosas e desumanas máquinas de trituração às ordens de oligarcas de toda a espécie, detentores de faustosos e imerecidos privilégios, numa posição blindada às explosões e aos estilhaços, a que assistem com estrondoso prazer, entre caviar e champanhe, e imensa droga, pondo e dispondo da estratosfera em que se encapsulam, pela simples razão de não terem poder bastante para mais nada. 
Não temos assistido, nos últimos tempos, a revoltas de escravos, ou da plebe, do povo ou do proletariado... 
As revoluções já não são o que eram. 
Assistimos ao deboche e ao sadismo da guerra como violência exercida por criminosos a quem falta o que não conseguem obter pela violência e que, por isso mesmo, são os mais execráveis e miseráveis demónios em cujas mãos o progresso e o desenvolvimento, de tempos a tempos, não conseguem evitar cair. 
Isto vem a propósito de eu ter pensado na causa das guerras, ontem e hoje. 
Amanhã ver-se-á.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Problema de cepticismo

Todos temos a faculdade e a aptidão para constatar realidades e para escolher e defender aquilo que, em muitos casos, corresponde a factos naturais ou descreve com objectividade as coisas, ou conclui de modo válido uma argumentação, ou análise, ou subsunção, sobre a realidade, natural ou cultural.
A própria linguagem verbal é um repositório, ou reservatório, ou acúmulo, ou acervo, ou memória dinâmica, de verdades à espera de serem comprovadas.
Há sempre aquele problema, que é um problema de cepticismo inerente às condições das possibilidades de comunicação, que se instala entre a subjectividade e a objectividade e que a comunicação não resolve, nem consegue ultrapassar.
Tomemos, por exemplo, dois indivíduos que reconhecem que um objecto é matéria de determinadas características, que levam a caracterização dessa matéria até ao infinitamente infinitesimal, ou até ao ponto em que o objecto já deixou, há muito, no encadeamento da análise, de ser o que tinha começado por parecer. Ambos podem estar de acordo quanto ao ser o que é, e não haver controvérsia. Mas tanto não basta, porque ainda falta provar que estão certos. Não quer dizer que não estejam certos, mas a questão do conhecimento, da verdade da crença, não é tão simples como confiar nas evidências.

sábado, 29 de janeiro de 2022

Não conhecemos nada fora da natureza

A natureza gera o homem, que gera, produz, a cultura. A natureza gera a cultura através do homem.
Se nunca tivesse havido humanidade, não teria havido a cultura humana.
Esta trivialidade pretende significar que não conhecemos nada fora da natureza e que é artificial distinguir realidade natural de realidade cultural, na medida em que esta não deixa de ser natural e de funcionar segundo a causalidade da natureza.

domingo, 23 de janeiro de 2022

O movimento como causalidade de tudo

O tempo é um tema fascinante, que nunca cansa, nem passados milhões de anos, qualquer que seja o instrumento de medida que se adopte, admitindo, no entanto, que o tempo do relógio é o menos relevante na perspectiva do poeta e da abelha e da mosca e do covid-19 e dos dinossauros... 

Mas o tempo dos relógios e da velocidade, da clepsidra e da tartaruga são outras formas de movimento... Estamos imbuídos de sentidos do tempo e do espaço, como as águias e as pombas, os golfinhos e as sardinhas, mas as estrelas e as galáxias, de que fazemos parte, não têm tempo. 

O tempo, nesta acepção física de realidade, não existe. 

O tempo é biológico. 

O que existe é o movimento. 

Nada do que existe, incluindo o tempo (parece contraditório com o que disse), não existiria sem movimento. 

E eu pergunto-me se é sequer concebível, imaginável, que deixe alguma vez de ser tudo movimento.

sábado, 15 de janeiro de 2022

Qual a causa do movimento que causa tudo?

O genuíno entusiasmo pelo conhecimento é contagiante e optimista, como só o conhecimento pode fazer que sejamos. Aliás, mesmo o pessimismo, por exemplo de um Schopenhauer, conquanto seja a constatação de uma realidade (com uma vontade não coincidente com a vontade da nossa realidade humana) que desejaríamos fosse outra, só pelo facto de a constatarmos já nos confere vantagens.
O pessimismo e o optimismo não são variáveis que o Newton ou o Einstein pudessem analisar através de um prisma, como se faz com a luz, ou que os niilistas pudessem descartar como irrealidades, fazendo tábua rasa do sofrimento e da morte, como se não existissem, ou que os realistas não entendessem como manifestações da mesma física que parece estar em tudo e por detrás de tudo, por nada haver que não seja físico, incluindo o pensamento mais estúpido ou o sentimento mais incompreensível.
Atrevo-me a pensar que, se há algo sem o qual nada aconteceria e tudo o que acontece deixaria de acontecer, esse algo é o movimento. Sem movimento haveria causalidade? Haveria alguma coisa?

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Se houvesse um refúgio

Se houvesse um refúgio

Ninguém quereria lá ficar

Chegamos finalmente ao lugarejo

Que chamamos do voo da águia

Bebemos da nascente à entrada

Água que estava a jorrar

Sem temer dragões à espreita

Pelos buracos das construções ao vento

Que ouvíamos a respirar

Fingindo tomar-nos por donos

Deste pensamento

Do mais sagrado que havia

Naquele lugar

Tão longe das encostas nevadas

E dos picos de sol

Como o outono na floresta

Dos líquenes

Na clareira surgiu um vulto

De mulher sorridente

Que a todas as perguntas

Nos indicava em redor

O que havia

Sem sombra de dúvida.