quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Para que serve o humanismo?


Não deixo de pensar, dramaticamente, que as ideologias têm uma função determinante na organização social e económico-política. 

E que, sem esta organização, o mundo colapsaria (?) rapidamente (?), tal é o “peso” do fator humanidade na equação. 
Não podemos isolar o humanismo personalista das restantes realizações humanas que têm contribuído para resolver problemas do homem.
Mas, aparentemente, nem todos trabalham para resolver problemas do homem. 
Incrivelmente, muitas pessoas, mesmo nos sistemas civilizacionais que, assumidamente, se baseiam na pessoa, são tratadas, afinal, como sendo o problema, não um problema de ordem teórica, mas de ordem prática, do tipo “excrescência”… E há quem tenha pesadelos com "máquinas trituradoras".

Só por si, de nada nos valeriam todas as ciências e tecnologias se o mundo colapsasse. 

No fim, só o humanismo poderia socorrer-nos: a solidariedade (é coisa e de pobres e desgraçados, os ricos não precisam disso até serem pobres), amor (é coisa misteriosa que o dinheiro não compra), música (é coisa de alienados dançantes), religião (é coisa de analfabetos que só têm defeitos), filosofia (amor pela sabedoria), história (é coisa que não serve para construir nada, até ao momento em que é preciso perceber por que é que tudo foi destruído), memória (quem a não tem não tem nada, não faz nada, mas não deixa de ser pessoa…)...

E, ainda mais importante, pessoas
E pessoas com ciência, obviamente.

Sem pessoas, não há problema nenhum para resolver.

Acabem com as pessoas e acabam-se os problemas todos. 

Acabem com o humanismo, promovam a máquina, o robot, levem-nos ao mercado e deixem de produzir pessoas e verão todos os problemas resolvidos, de termodinâmica, de física de partículas, de matemática, de genética, de evolução, de filosofia, de ciência, de artes. Maravilhoso mercado (químicos, farmacêuticos, traficantes, físicos, mecânicos, banqueiros, traficantes, militares, terroristas, informáticos…) que trabalha a pensar no homem e no bem do homem, à escala global, ecológica, inteligente. 

Mas faltaria o maravilhoso humano, a indispensável ideologia, sistema de crenças, sobre o Homem como o valor que deve restar mesmo que todos os outros fracassem. 
Historicamente, por ex. Esparta e Atenas, URSS e Capitalismo, são exemplos de sistemas ideológicos que apostaram mais ou menos na pessoa humana como “produto” ou “mercadoria”, meio ou fim da atividade económico-política e social. É ostensivo, nos tempos de hoje, a redução da pessoa a valor económico. Tudo se rege cada vez mais pelo critério da economia. A racionalidade parece exigir que assim seja. Valor, nos tempos atuais, está praticamente reduzido a valor pecuniário, mais do que a valor económico, ou seja, o que não tiver valor pecuniário, mesmo que tenha valor económico, que requer reconhecimento e tutela, não passa de uma idiotice, não serve para quem só vê mercadoria (como aquele que na floresta só vê lenha). 
Atenas derrotada pelas armas veio a ser vencedora pela memória. A URSS derrotada pelas próprias contradições dos DÍNAMOS e pelos inimigos “humanistas”, parece estar, fatalmente, a sobreviver através da MÁQUINA GLOBAL a que todos os humanismos se curvam.

Vai ser preciso organizar um sistema de democracia global, em que o primado do poder não sejam as MÁQUINAS do dinheiro, nem já a lei, mas a pessoa humana…Se houver pessoas que acreditem nisto.

terça-feira, 12 de julho de 2016

Tudo tem a ver com tudo


Tudo tem a ver com tudo: ciência com poesia, cultura com ciência, artes com desportos, ciência com artes, tecnologias com humanidades, matemática com música, estrelas com lágrimas, saudade com diamantes, etc...
O problema das relações entre ciência e cultura, todavia, parece-me não ser um problema de concorrência e de rivalidade, (na competição pela valia e domínio, mais do que pela verdade), como o não são as relações entre as diversas artes e desportos.
Incrivelmente, dado o estatuto da ciência, alguns profissionais de ciência, tal como alguns profissionais de santidade, e de fantasias, mais do que verem rivalidade (ou perigo) entre o que seja manifestação cultural e ciência, de preferência matemática, física ou química, laboram numa espécie de menosprezo recíproco.
Em meu entender, o problema não é das ciências, nem das artes, nem dos desportos, nem das humanidades. O problema é querer vê-lo onde não existe.
As perspetivas sobre a realidade (e que realidade?) não são o problema, nem o objeto de análise/síntese (e que tipo de análise/síntese?) nem os objetivos, interesses, etc.. E, por exemplo, no que respeita às artes e às práticas desportivas, as perspetivas podem não fazer parte.
A minha música e o meu futebol vão lindamente com a minha sardinha assada e o meu telemóvel e o Álvaro de Campos e a minha matemática e a minha farmácia e a missa do sétimo dia.
A minha poesia nunca vai interferir, ainda que eu o quisesse, com o teorema de Pitágoras ou a Segunda Lei da Termodinâmica.
O problema surge quando, por exemplo, um matemático me diz que tudo é matemática e que eu, sendo matemática não posso ser, por exemplo, pessoa.
Ou, quando dedico a minha vida à música, vem um químico dizer que a música não existe ou um físico dizer que a música nada mais é do que acústica (de novo Pitágoras), ou um juiz do tribunal declarar que é ruído.
Ou, tendo um diamante, para mim precioso, a coisa mais bela e significativa, que não troco por nada deste mundo, vem um químico e diz que o diamante é uma das formas alotrópicas do elemento químico carbono, que pode ser encontrado na Natureza em três diferentes formas simples: amorfo, grafite e diamante, ou um comerciante vem dizer que não vale mais do que dez milhões de u.m..
Ou, sendo especialista em nanotecnologias, vêm dizer que não sei nada sobre o amor, nem Deus e, dada a minha inabilidade para esse grande edifício da cultura humana que é o futebol, é como se não soubesse ler.
O problema é, em grande parte, de valoração, muito mais do que de utilidade. Noutra parte é um problema de querer comparar aquilo que é diferente como se fossem a mesma coisa.
Não nego a matemática da música, nem a química do diamante, mas para mim a música não é interessante por poder ser traduzida matematicamente, nem o diamante é precioso por ser carbono…

sábado, 25 de junho de 2016

Jogo da vida (valores e virtudes)


Há que trabalhar para resgatar o homem e a humanidade da situação humilhante em que hoje, talvez mais do que nunca, nos encontramos.
Conduzir a humanidade é uma expressão com sentido, mas não passa disso. A humanidade não se conduz, porque não é condutível e porque não há quem fosse capaz de o fazer. Se alguém tentou fazê-lo, o mais que fez foi agregar um grupo em torno de um objetivo concreto e mais ou menos definido, no tempo e no espaço.
Os poderes, as instituições, as religiões, as culturas...e o estilo de vida, com seus hábitos de consumo e suas expectativas, as promessas propagandísticas, os aliciamentos, acenos publicitários e modelos de sucesso socioprofissional, ditam grande parte do que devemos pensar e do que devemos viver e, até, do que devemos sentir. A subjugação é de tal ordem que, ela própria, nos é apresentada como o jogo da vida, o único jogo que vale a pena. Recursos, matéria-prima, otimização, mais-valia, competitividade, empreendedorismo, lucro, são as virtudes deste tempo apressado, que vieram substituir (e matar) as virtudes de outros tempos com mais tempo.
Quem for capaz, ou tiver a oportunidade de trocar tempo por dinheiro, ou dinheiro por tempo, se optar por ter mais tempo para pensar, pode refletir não só sobre o que devemos pensar, mas também sobre como devemos pensar; não só sobre o que devemos viver, mas também sobre como devemos viver; não só sobre o que devemos sentir, mas também sobre como exprimir o que sentimos.
Temos de conseguir pôr fim à balbúrdia e ao estapafúrdio dos pifos mirabolantes que logram fazer girar tudo na roleta do dinheiro que eles dominam.
Os valores de troca são algo de abstrato e complexo que depende de fatores especulativos, que têm vindo a transformar-se no jogo da vida.
Espero que os valores de uso (e não os valores de troca) tenham a palavra mais importante a dizer sobre a condução da humanidade.


sábado, 11 de junho de 2016

Faz-te bravo

É importante saber o que faz um empreendedor e se é possível "fazer" um empreendedor. Dizer, por exemplo, como já ouvi em jornadas de empreendedorismo, que o empreendedor não se faz, nasce, é dizer às pessoas que não estão ali a fazer nada. 
Quando olhamos para exemplos de empreendedores, ou que são convidados e apresentados como tal que, pouco depois, foram à falência, seria muito positivo para a causa do empreendedorismo convidá-los e apresentá-los novamente, nas jornadas do empreendedorismo.
Por outro lado, o próprio conceito de empreendedor, nunca ou raramente é abordado, tendendo a ser confundido, simplesmente, com alguém que se tornou "empresário de sucesso", baseados numa imagem que se tem e não, propriamente, em auditorias contabilísticas e avaliações sociais.
O empreendedor, para o dito empreendedorismo, é um estereótipo sui generis que, de alguma forma "pedagógica", pretende legitimar e sobrevalorizar o mundo empresarial.
Aliás, o empreendedorismo é mais uma iniciativa de caráter empresarial. Quanto aos ingredientes ideológicos, o empreendedorismo só é viável em ambientes favoráveis, como tudo na vida. 
Não obstante, se pudermos ver no empreendedorismo uma cultura de formação e de informação e de concorrência de esforços e de meios para "promover a facilidade" a quem quer abrir negócios ou concretizar uma ideia empresarial, isso parece-me ótimo.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Rei Midas


Quanto mais observo o que tem acontecido desde a 1ª revolução industrial, mais me parecem ridículos e levianos os que se vangloriavam do "progresso". 
Em pouco mais de 2 séculos, aí temos o resultado, já não falando do que aconteceu durante esse período, de exploração humana, guerras e de destruição de recursos naturais. Esta curta era da história não tem paralelo, como galeria de horrores. 
Há sempre os que preferem ver o lado bom das coisas, e esquecer ou ignorar tristezas mas, neste caso, o balanço negativo é esmagador. Quando se olha ao espelho, o Homem não tem motivos para sorrir. 
A voragem dos humanos é algo de louco e assustador. As nossas sociedades têm de estar constantemente a destruir para produzir e construir o que, pouco depois, destroem de novo, não com o objetivo de satisfazer necessidades essenciais, mas encandeados pelo brilho do lucro. A humanidade transformou-se numa máquina monstruosa e imparável que engole o planeta e o defeca sobre si própria, sob a forma de lixo, tóxicos, dinheiro ou ouro. 
Nunca como hoje o mito de Midas teve tanto significado, mas, enquanto Midas pôde voltar aos campos, o Homem talvez não tenha essa possibilidade. 

quinta-feira, 31 de março de 2016

A ciência das escolhas


A ciência, enquanto tal, enquanto conhecimento, arriscaria dizer que é boa. A ignorância, arriscaria dizer que não é boa.
Mas toda a decisão, ou ação/omissão, ainda que baseada na ciência, nos coloca perante um problema de bem ou mal, bom ou mau, ou nem uma coisa nem outra.
As consequências, ou efeitos, da ação/omissão são um problema não menos importante ou crucial do que os problemas da ciência enquanto conhecimento das coisas.
Não é racional, nem é bom que se deixe o poder de decisão sobre o uso do conhecimento àqueles que detêm esse poder porque lá chegaram por qualquer via, autocrática, democrática, plutocrática...
Mas também, não é pelo facto de os cientistas o serem nas suas áreas específicas, que o sejam na "ciência das escolhas", no momento de escolher a melhor opção possível.
A ciência das escolhas é uma coisa "tramada", porque, modo geral, quando se trata de agir, por exemplo, conquistar um país, dominar uma região, toda a ciência se presta a qualquer escolha, exceto a ciência das escolhas.
Não é apenas um problema de ética. É sobretudo um problema económico (de sobrevivência da humanidade e bio-ambiental), que ultrapassa o "logos" da ética e adquire contornos da ordem do transcendente.
Não parece que possamos prescindir do contributo e da intervenção crítica muito atenta da ciência das escolhas sempre que se trate de saber o que é melhor, do leque das ações/omissões disponíveis.
E muito menos prescindir de mecanismos políticos que garantam a melhor decisão (que não poderá ser meramente política mas, tanto quanto possível, científica). E aqui já deparamos com uma imensa dificuldade.
A história é a demonstração, até à exaustão, de que o poder, nas mãos dos loucos, transforma o conhecimento num instrumento de destruição e de domínio e de que o poder, de uma ou outra forma, acaba sempre em violência mais ou menos camuflada sobre as pessoas e o ambiente e as coisas em geral.
Há que respeitar a vontade das pessoas adultas sempre que essa vontade não colida com interesses de terceiros e, se tiver que lhes ser imposta alguma restrição por razões de interesse público, que seja dada garantia de que o risco é assumido pelo Estado, que responderá por danos.
Neste aspeto, sempre salvaguardados os princípios da responsabilidade civil e os limites criminais, que têm a ver com publicidade enganosa, burla, etc...., a questão das vacinas não parece diferente de outras situações em que há intervenções na saúde.

sábado, 26 de março de 2016

O dinheiro


A questão, tantas vezes invocada para justificar a austeridade, de não haver dinheiro é uma falsa questão e é um modo cínico, ou manifesta ignorância, de justificar a privação das pessoas de bens e serviços. 
Se, por absurdo, eliminássemos todo o dinheiro, ou o colocássemos em sepultura, como se fez ao latim, deixaríamos de pensar que todos os problemas eram de falta de dinheiro. Os problemas passariam a ser eles próprios e não de dinheiro. 
O verdadeiro problema é que o dinheiro se tornou cada vez mais o grande problema.
É sabido que as pessoas não comem dinheiro nem se deslocam em cima de notas ou de moedas. 
Não dêm dinheiro às pessoas, dêm-lhes bens e serviços e fiquem com o dinheiro todo.
Se amanhã não houvesse dinheiro, o mundo não estaria mais pobre e não haveria mais famintos, nem mais doentes, nem menos fruta, ou lojas mais vazias. 
Podemos ter a certeza de que, se não houvesse dinheiro, não haveria inflação, nem deflação, nem tantas outras situações deploráveis ligadas ao capitalismo financeiro.
As imensas vantagens da fungibilidade do dinheiro (e haja em consideração o facto de este conceito estar longe de ser coincidente com o conceito de moeda) talvez saíssem muito diminuídas de uma análise sobre as, também imensas, desvantagens.
O dinheiro tem vindo a adquirir uma tal abstração que se tornou um valor e uma mercadoria e um instrumento em si mesmo, profunda e terrivelmente dissociado da dinâmica e das leis da economia dos bens e serviços.
Digamos que o facto de ser um mercado (cujo peso e relevância nas economias é assustadoramente crescente e incontrolável) à parte dos mercados de trabalho, mercadorias e serviços, exige que se compreenda, sem ilusões, de que é que se está a falar quando se fala de dinheiro.
Fazem falta Newtons e Einsteins nas ciências económicas para nos ensinarem imensas coisas que é preciso saber. 
No entanto, nestas áreas, que também atraem os mais dotados, os cérebros preferem ocupar-se em esquemas de enriquecimento...



domingo, 13 de março de 2016

Como um crente


Fosse eu demolidor e diria: felizes os que têm prazer de ler o que escrevo, porque são justos e belos e sãos e santos e inteligentes e sensatos e quase perfeitos, mais do que eu.
Mas escrevo sem recriminações.
Não escrevo como um juiz, nem como um réu.

Escrevo como um ignorante que aspira à sabedoria, como um cego que aspira à visão, como um forte que não tolera a força, como um fraco que não se resigna a qualquer sujeição. Não escrevo "ex cathedra", mas como um crente. A esperança e o amor são a racionalidade e a poesia a expressão de algum modo ou forma de verdade.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Nada que não seja

Se eu soubesse não diria Nada que não seja Poesia Nada que não saibas Que eu não sabia Não direi nada Sei Extenso dia Até onde alcança A vista A fantasia A alma Que vê ausências Onde há As dela As outras não Direi por dizer Pelo prazer De ouvir-me E de crer Que a palavra não faz Falta Em vão.

Ateísmo e naturalismo


Vamos colocar as questões da seguinte forma: nós não aceitamos a natureza, o ser da natureza, que é um "sendo" contra o qual, sendo nós natureza, não era suposto estarmos, mas somos a natureza "suicida", um produto da natureza. 
O homem não se limita a ser e esse é o problema: o homem não é. 
A natureza que produz o homem não tem que, nem precisa de, se queixar. O homem também não, a não ser de si próprio, ou da sua natureza, mas isso é completamente estranho à natureza. 
Ou então temos mais do que uma natureza na natureza e há naturezas que são mais ou menos naturezas do que outras. 
A natureza, sem o homem, não tinha problema nenhum para resolver e, com o homem, também não, a não ser a tal natureza do homem que é "contra a natureza", ou que não aceita a natureza e que não se limita a ser natural, sendo, além disso, moral, religioso, político, mais caracterizado pelo "dever-ser", que o atormenta, do que pelo "ser", que não atormenta nada nem ninguém. 
A natureza não sabe, nem tem essa coisa do "dever-ser". 
O ateu e o naturalista também não deviam ter e deviam estar perplexos com o mundo cada vez mais feito/desfeito de dever-ser. A começar pelo ateu e pelo naturalista, que não se limitam a ser, mas têm um discurso, ideias, conceitos, ideais, ideologias, "morais". 
O porquê dos naturalistas e dos ateus ainda é mais indecifrável, apesar de todo o arsenal científico e técnico disponível, do que o já antiquíssimo porquê dos que acreditam no sobrenatural. 
E o para quê, o propósito, a finalidade da natureza, até para eles é algo central e imprescindível. Não que eles reconheçam ou apontem, ou acreditem, em alguma finalidade, porque não encontram nenhuma relação causal, necessária, "construtiva", entre os primeiros átomos e o homem. Para eles nada faz sentido, nada tem sentido, tudo é obra do acaso. 
E também aqui é a natureza a pensar e a dizer sobre si própria que não sabe quem é e que todos os seus poderes lhe vêm como se fosse do nada, que também não sabe o que é e que talvez chame nada ao sobrenatural, às forças, aos poderes, aos fenómenos que não existiam no princípio, no big-bang, e que passaram a existir e que, também hoje, surgem, do nada, para se "acrescentarem" a tudo o que existe. 
Desde o primeiro minuto do big-bang até à atualidade, tudo foi surgindo sem que existisse antes...criando...as forças, os átomos...etc., etc....E tem de ser a natureza a interrogar-se sobre si própria, através do homem, porque não sabe de si própria e nunca agiu em sentido nenhum, com nenhuma finalidade, ou vontade e a própria inteligência e consciência do homem é um puro acaso, nada mais, mas um acaso que descobre que nada é por acaso e que a natureza não se explica a si própria, nem enquanto natureza-homem investigando e refletindo...

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Amanhã é dia

Daniel foi sempre descrente de tudo. Era como se lhe estivesse no sangue o desencanto. Ele tinha consciência de que, no fundo, ou no fim de contas, nada valia a pena mesmo que a sua alma fosse grande, mas sentia-a pequena. 
Viveu sempre rodeado de pessoas convictas, crentes e entusiásticas das causas que lhes interessavam. Ninguém, à sua volta, andava perdido, ou simplesmente desorientado. A Gina era astróloga especialista. O Antímio era ateu inveterado. A Eva era católica e o Adão era cientista, cristão. 
Daniel relacionava-se com estas pessoas, por diversas razões. Para elas, Daniel não era nada. És do Benfica? ÉS do Porto? Não. Eu quero que vocês se fodam, dizia ele. Não tendes mais nada que fazer/dizer?, perguntava ele. Não., respondiam-lhe eles. 
A vida era uma merda. 
As coisas, o mundo, a natureza, a música, o ar que respiramos, o sono… eram maravilhosos, mas as pessoas, quando entrava em certos questionamentos, eram, nas suas próprias palavras, uma merda, ou pior. E ter que trabalhar, em determinadas condições, era odioso e revoltante. 
Mas o mais odioso e revoltante era ver o que se passava entre o poder e os que não têm poder. 
Daniel não tinha poder e gostava de ter, mas nada fazia por isso, porque era descrente até do ódio, que não levava a nada. 
«Um tipo assim não devia ter nascido», comentava o Afonso Henriqueto, numa palestra promovida pela Sociedade contra a apatia, subordinada ao tema «Como distinguir os frutos do ódio e do amor?»
Daniel sonhava. 
«Se ele acreditasse, tentava realizar o seu sonho», dizia o padre Américo à irmã Francisca. 
«Mas Daniel não acredita que possa realizar o seu sonho», respondia a irmã.
Daniel sonhava com uma sociedade sem partidos políticos e sem governantes, porque estes eram os representantes daqueles que todos devemos recear. Os que têm poder são sempre uma ameaça e um perigo. A qualquer momento impõem a sua vontade. Numa sociedade desorganizada politicamente também isso aconteceria. 
Qual era então a vantagem? 
A vantagem era que numa sociedade politicamente desorganizada os que têm poder não poderiam contar ainda com o favorecimento das instituições. 


sexta-feira, 3 de abril de 2015

Verdade, Realidade, Ciência


Por que não te libertas de um erro de princípio, que vicia toda a tua abordagem crítica e não crítica de qualquer problema e toda a tua reflexão sobre verdade, conhecimento, ciência, competências ou perícias, qual seja, confundires Realidade com Ciência ou, pior ainda, Verdade com Ciência? 
Pensar a Realidade e pensar Ciência são dois fenómenos diferentes. 

Pensar Verdade e pensar Realidade, também. 
Pensar Verdade e pensar Ciência, também.
Pensar Deus, até um certo ponto é equiparável a pensar como é digerida a batata frita. 
Pensar Deus pode até não ser nada de especial para pessoas como tu, do mesmo modo que pensar como é digerida a batata frita pode não fazer sequer sentido para a maioria das pessoas, ainda que cientistas. Podia até acontecer que o Homem nunca tivesse pensado em Deus e tivesse sempre pensado na batata frita. Algo existir ou deixar de existir, Deus existir ou não existir são questões de segunda ordem relativamente ao facto de o Homem ter uma incrível necessidade/vocação para a Verdade. Esta necessidade de verdade sobreleva tudo o que possa ser dito, pelo método científico, ou pelas artes, ou pelas magias, venham donde vierem as tentativas de a "dizer", quaisquer que sejam as autoridades, ou instituições. E não há forma, nem palavras, nem drogas de mascarar a verdade, porque ela tem um rosto demasiado grande e ardente e invulnerável para que isso possa acontecer. 

A ciência, na sua nobre humildade, cede-lhe em tudo, como serva fiel e incorruptível, reconhecendo-lhe um carácter racional. Mas não é só a verdade que tem um carácter racional. Tudo tem um carácter racional. 
E a ciência sabe-o como sabe que a Verdade envolve e supõe e exige uma racionalidade valorativa que tem de ser de uma ordem não material. 
É a ciência que nos diz tudo o que sabemos e tudo o que precisamos de saber acerca de um específico domínio. 
É a ciência que nos diz sobre a Divina Trindade e a Ascensão de Maria. 
Sabemos que se pode ficar famoso se se quiser, e se se souber, entrar na exegese bíblica, ou no Código Civil, ou na Constituição da República, ou na mecânica quântica… e se se “impuser” uma teoria.
Alguns pseudocientistas, não compreendendo a diferença entre os atributos e o âmbito da verdade e da ciência, dão-se por satisfeitos com esta e tomam-na simplesmente por aquela. São o parasita que não conhece o hospedeiro.
A Verdade não é uma questão de raciocínio, de ser ou não ser, de existir ou não existir. 2+2=4 não é nenhuma verdade e pode não ser um raciocínio e, quanto a ser alguma coisa, é um discurso.
A Verdade vai sendo necessária à medida que pensamos com ciência, amor, justiça, probidade, enfim, valores, virtudes.
Mas pensar com ciência, amor, justiça, probidade, enfim, valores, virtudes, é Verdade mas não é a Verdade.
Por agora, vou ficar a pensar em Deus e a Verdade. 


sábado, 20 de dezembro de 2014

Hoje não foi um dia perfeito


Nunca acreditei nisso de dia perfeito, ou algo parecido. Mas hoje pensei, que me lembre, pela primeira vez, que não foi um dia perfeito.
Os meus pensamentos costumam ser triviais e práticos. Pensar, para mim, a quem todos agradecem sinceramente que não emita opiniões, só faz sentido para emitir opiniões dos outros ou ter pensamentos úteis. O que eu penso é inútil a partir do momento em que não resolve ou não ajuda a resolver um problema prático. Por exemplo, o que estou agora a pensar não é inútil porque ajuda a resolver o problema prático de saber porque é que hoje não foi um dia perfeito.
Mas como o dia ainda está a decorrer, mesmo assim, pode vir a ser inútil pensar nisso, se porventura, a última minha conclusão do dia for que hoje foi um dia perfeito.
De qualquer modo, é irrelevante qualquer conclusão que eu tire sobre isso, porque o dia não é perfeito ou imperfeito por eu o pensar ou concluir. O dia é o que é e pronto.
A questão da perfeição/imperfeição do dia não se coloca. Mas eu coloquei-a. Mas ainda não sei se é uma questão que tenha para mim um sentido qualquer, mais do que uma questão prática.
Hoje, o meu editor Sancho disse-me que já lhe têm pago muito dinheiro para não dizer nada, para não escrever nada e que ele próprio já tem publicado muitas coisas que nada dizem sendo estas as melhores. Eu comecei por rir por achar as suas palavras jocosas, mas ele permaneceu sério e reforçou a ideia de que isso pode ser uma forma superior de arte. Aqui, até eu retomei um ar de seriedade.
Valeria a pena pensar no assunto? Seria prático e útil? Sancho deu-me logo a resposta sem adivinhar o meu pensamento e sem eu sequer a ter pedido.
O meu trabalho mais importante, disse ele, não é decidir o que vou dizer, mas o que não vou dizer. E se nada disser, por exemplo, quando a minha opinião pode causar mossa ou um prejuízo, isso pode ter muito valor, dependendo das situações. Se disser, ou escrever algo, posso receber ainda mais se, mesmo assim, não disser nada que possa causar mossa ou prejuízo, vulgo falar sem dizer nada, sobre assuntos importantes.
Ora, o melhor de tudo, o que vale mesmo a pena, é publicar textos que fazem sentido e que nada dizem, sendo esta sua característica a qualidade que interessa, que os torna, não raro, primorosas obras de ciência, filosofia, religião, arte… 
E se o autor tiver o talento, o discernimento e a verve necessários para persuadir o leitor de que, não obstante o sentido que tudo faz e a consistência que tudo tem no seu trabalho e na sua argumentação, tudo não passa de uma ilusão, então está garantido que atingirá o maior sucesso no que à reputação de autor respeita. Eu estava ainda a pensar nas primeiras palavras e já o Sancho concluía que produzir uma obra de pensamento que não seja um embuste, ainda que involuntário, implica que ela seja capaz de se esvaziar de si mesma, ser e não ser ao mesmo tempo.
O lado prático e útil, talvez muito útil destes pensamentos é que não alteraram os dígitos da minha conta bancária e o mundo continuou a girar como é costume. É preciso muito trabalho para que as coisas não mudem. Para elas mudarem pode ser muito fácil, basta não fazer nada. 


segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Percepção, pensamento e discurso sobre a realidade



O cérebro não nos engana, nem nós enganamos o nosso cérebro.
Como é que isso poderia ser?
Não se faça confusão entre ideia de realidade e percepção da realidade. Desde sempre o homem teve necessidade de filosofias e de religiões para "explicar" a realidade percepcionada.
É patente a diferença entre o que percepcionamos, com os sentidos, e a ideia que fazemos ou podemos fazer daquilo que percepcionamos, mas isso não significa que percepcionamos de modo errado. Pode haver distorção na percepção, por ex., por anomalia ou distúrbio dos sentidos, mas isso não é engano.
Por outro lado, depois de conhecermos a física de partículas continuamos a percepcionar a pedra, com os nossos olhos e ouvidos e mãos, como percepcionávamos antes. A tua mão percepciona igualmente os átomos da pedra, antes e depois de saberes qual é a sua estrutura atómica. O mesmo se diga quanto ao sol girar à volta da terra...
Em geral, as tuas percepções das coisas não se alteram porque se alterou o teu conhecimento acerca delas.
Nisto o cérebro funciona como tem de funcionar, ou não funciona, mas isso é outra questão.
Ser induzido em erro também ocorre com frequência, mas diria que o erro é da ordem das ideias e dos juízos e não das percepções.
Daí que também seja frequente as nossas ideias e juízos e cálculos sobre a realidade reclamarem ou exigirem percepções que não temos e que procuramos, supondo que há coisas que deviam ou devem estar lá, algures. É o que imagino que acontece muito na quântica, embora aqui, na falta de percepções diretas, se procurem deteções indiretas...
Procurei restringir o conceito de percepção ao do contacto dos sentidos com o exterior. 
O que enfatizo é que o mapeamento cerebral desse contacto, a representação mental desse contacto, o pensamento gerado, estão noutro plano do processo.
Por sua vez, tudo o que a pessoa possa exprimir, comunicar, sobre isso, já é também algo diferente.
Apesar da simplificação, ilustra a complexidade do processo de acesso à realidade.
Podemos perguntar: qual é o nosso acesso à realidade? É um acesso adequado a quê? A senti-la? A fruí-la? A compreendê-la? A conhecê-la? A explicá-la?
É que, antes de analisarmos a realidade, temos o problema do acesso à mesma e o problema da linguagem e da representação e vice-versa. Realidade não é o mesmo que noção de realidade.
Depois há a questão de quem administra a verdade sobre a verdadeira realidade.
A realidade não é um dado.
Aliás, pensando bem, a realidade disponível não é toda a realidade, mas a que resta. Se me faço entender, a realidade disponível é algo que fica no fim de um processo imenso de factos indisponíveis.


sábado, 4 de outubro de 2014

A verdade vivida e o conhecimento disponível


Deus eliminou os deuses. 
Mas a realidade ainda não foi compreendida. 
Ninguém ainda conseguiu sequer explicar minimamente a realidade, nem com toda a produção científica, nem com a fé.

A facilidade com que alguns ateus aderem a frases feitas sem consistência e insustentáveis, de qualquer ponto de vista, é reveladora de uma atitude prejudicial perante o conhecimento e, especialmente, perante a religião. 
A religião não é como os ateus a pintam. Deus também não. A ciência idem. Fica-se com a sensação de que estão a fantasiar acerca de guerras dos tronos. 

O que um cientista da física, por exemplo, diz sobre Deus tem o valor que tiver, não por ele ser cientista, mas pelo significado e consistência do que afirma. 
Ainda assim, dizer que toda a realidade é uma manifestação da existência de Deus é uma posição de fé que não foi nem é posta em causa por nenhuma conclusão científica, pelo contrário, o espírito científico é essa abertura ao conhecimento exigida pelo pensamento racional. 
Só com grandes artifícios retóricos e pseudocientíficos se pode pretender encerrar a inteligência e o pensamento científico dentro das malhas do dogmatismo ateu "negador".
A fé é história, afirmadora, mobilizadora, construtiva, ativa. 

Qualquer que seja a explicação científica para o funcionamento das coisas, do universo, isso não interfere com a história, com as histórias de que somos "feitos". 
A fé convive perfeitamente com todo o tipo de perguntas e respostas sérias, válidas, acerca da realidade da própria fé. Isto é espírito científico, não pela ciência em si, mas pela realidade das coisas e pela verdade das pessoas. 
À fé não interessa o conhecimento pelo conhecimento. Interessa a verdade vivida, com o conhecimento disponível.

Inconcebivelmente, alguns pretensos cientistas dizem-se/sentem-se incomodados com o espírito científico, com a abertura da inteligência para lá do seu quintal do big-bang, da física ou da química. Chamam a essa abertura especulação ou, no caso de alguns mais arrogantes e provocadores, ficções desnecessárias. Não obstante, a vida deles é uma prova de que há mais mundo para lá do mundo da física e da química.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Ética, moral e religião


O problema da ética, mais do que filosófico, é prático, ou seja, é o das exigências da ética, é o da normatividade, que pode ser jurídica, meramente moral, ou religiosa. 

Dizer que as religiões são antiética não é nada ético, mas não cai na alçada jurídica, ou moral. 

Fabricar anticoncepcionais e usar anticoncepcionais, por exemplo, em condições normais, não levanta problemas éticos, morais ou jurídicos, mas levanta questões religiosas aos católicos.
Não diria questões ético-religiosas, que também ocorrem na religião, mas tão simplesmente questões religiosas. 

O católico sabe que o problema, neste caso, não está em decidir o que é bom ou mau de uma forma universal, mas em aceitar e seguir a doutrina da Igreja, cujos critérios de bom ou mau, no exemplo apresentado, não são os mesmos, tendo a ver, talvez, com virtudes cristãs que, fora da Igreja, são desvalorizadas e que, numa visão ateísta, podem não fazer sentido. 

Neste caso, o católico sabe que tem uma exigência do foro pessoal que só se torna ética na medida em que ele pertence a uma comunidade a cujos preceitos se vinculou. 

De alguma forma a ética está ligada a um dever. Perante os outros, temos deveres éticos, coercíveis, mas perante Deus os nossos deveres são íntimos e pessoais e incoercíveis.

Se há religiões que são antiéticas isso é um problema do (des)encontro de visões, concepções, entre éticas. 

Mais correcto seria, então, dizer que há éticas em conflito. 


Alguém que, ao posicionar-se do lado da ética, está a considerar que só existe uma, quiçá a dele, está a ser obviamente falacioso.


quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Democracia e plutocracia


      As democracias dos países têm muito pouco poder no (des)concerto das nações, ou por outra, perante as plutocracias sem fronteiras. 
      As democracias já têm muito pouco de democracia. Apresentam-se como "pacotes" de propostas estereotipadas de partidos que são, por sua vez, estruturados em função de um sistema eleitoral também gizado para que o sistema político-social dito democrático cumpra, não a vontade do povo, mas a função de "converter" formalmente a vontade do povo numa legitimação do sistema. 
      E assim se conciliam princípios aparentemente inconciliáveis, como o princípio da primazia do lucro (proveito pecuniário) sobre o princípio da racionalidade da exploração dos recursos, ou sobre o princípio da soberania da nação. 
      Cada vez é mais difícil aos poderes políticos estabelecerem e imporem limites aos poderes financeiros e económicos transnacionais, até porque estes se apresentam, cada vez mais, supranacionais e não conhecem fronteiras e, além disso, tendem a ser dominantes nos processos de decisão política dos Estados. 
      A voracidade desta espécie de liberalismo incontrolável é assustadora, porque domina sem se deixar "governar", nem por regras que sejam suas.

      A plutocracia, mafiosa ou não, obtém tudo sem dar garantias de nada, contrariamente ao cidadão que, mesmo para obter "nada", tem de dar garantias de tudo. Basta pensar num empréstimo bancário a um cidadão ou pequena empresa. Todas as garantias, pessoais e reais, lhe são exigidas, desde fianças a hipotecas. Mas um banco consegue obter financiamentos colossais, com dinheiros públicos (e aqui é que está o escândalo), sem dar e sem lhe serem exigidas, quaisquer garantias, como temos assistido ultimamente em Portugal.



quarta-feira, 16 de julho de 2014

Verdade redentora



Nunca antes me tinha deparado com a expressão "verdade redentora", mas intuo-a como a verdade que procuramos quando perguntamos o que é a verdade. 

É árduo conceber que a contingência, por vezes trágica, da vida, é o único lugar/oportunidade que temos (ou nos é concedido) para pensarmos e encontrarmos "a pretensão do absoluto". 
Mas é mais espantoso, ainda assim, que não nos conformemos/contentemos com menos, nunca sendo sequer capazes de "dispor" do Eu, cuja "realidade", de qualquer modo, nos ultrapassa.


quinta-feira, 10 de julho de 2014

Sobre a relação entre conhecimento e consciência.


Um robot pode ser uma base dinâmica de dados mas, sem consciência do "valor" desses dados, parece óbvio que não é mais do que um automatismo. 
Por sua vez, 
as pessoas que não processem, ou não elaborem, ou não aprofundem as informações e as perceções e as ideias e os sentimentos e as emoções, ou apenas as elaborem em parte, terão o âmbito do seu conhecimento limitado ao campo de consciência de que forem capazes. 
Não obstante, 
o nosso consciente é infinitamente mais circunscrito e reduzido, por um conjunto enorme de fatores, do que a vastidão do subconsciente ou do que o imenso inconsciente. 
Na prática, o nosso consciente é como um postigo, ou uma seteira, ou uma gateira, muito menos do que uma janela ou do que uma porta, da grande casa que é a nossa mente. 
E cada um tenderá a olhar mais para fora ou mais para dentro, mas a olhar sempre de uma perspetiva que lhe é proporcionada pela natureza das coisas.
Carlos Ricardo Soares

quarta-feira, 4 de junho de 2014

As linguagens



Gosto destes temas e, na minha modesta opinião, as linguagens são como oceanos sobre os quais flutuamos, mas cujas profundidades continuam por explorar. 
A nossa relação com o sensível desencadeia complexos sistemas de reconhecimento e mapeamento cerebral. Não o que nós queremos mas o que acontece e que, até certo ponto, se vai constatando.
Fazem parte do mundo sensível as próprias linguagens, e de tal modo que a nossa sensibilidade é, em muitos casos, indissociável da linguagem. A linguagem como significante e a linguagem como comunicação ou, simplesmente, como expressão, partilham do espaço de realidades que as excedem e, de certa forma, elas significam. 
Estou em crer que a linguagem é um processo mental que nos permite reconhecer, analisar e distinguir. Neste processo, vão-se abrindo possibilidades de reconhecer, ou descobrir, o que for suscetível de ter significado. E tudo significa algo, pelo menos é assim que a mente funciona. Quando perguntamos “qual é o significado de…” normalmente a resposta é outro significante. É como se tivéssemos apenas a linguagem, os significantes, mesmo quando estamos a falar de coisas que estão perante os nossos sentidos, ou como se os significantes lhes tomassem a primazia, como se fossem mais reais do que aquilo que pretendem significar. 
O que as nossas descrições têm a ver com aquilo que descrevemos é um problema que pode não ter cabal solução.
A nossa relação com as ideias e as formas tende a ser o problema da linguagem enquanto forma. Podemos falar das coisas sem coisas nenhumas, embora essas coisas sejam reconhecidas como existentes, ou tendo existido. Mas não me parece que alguma linguagem o seja se não for funcional, isto é, se não cumprir algum desiderato de comunicação. 
Também me parece que o problema da verdade para a filosofia seja mais de linguagem e para a matemática, de correspondências e que, para a religião, seja essencialmente de virtude. 
Por exemplo, a virtude desta linguagem não existe, a linguagem não é nem deixa de ser virtuosa à luz de critérios morais ou religiosos. Mas, em termos de lógica, ou de epistemologia, esta linguagem pode ter acrescentado apenas umas frases sem verdadeiro nexo ou cujo nexo não passa disso mesmo.



sábado, 17 de maio de 2014

O Estado não tem maneira de dizer que não é nosso


Vivemos tempos de enorme desconforto quanto a saídas para certos bloqueios e sequestros e imposições, para não dizer fatalidades. 
A eficiência dos serviços do Estado é sempre bem-vinda na perspetiva de quem "superintende" o Estado, ou se quisermos, numa perspetiva meramente económica. 
O que todos devíamos saber é que, tratando-se de mecanismos, ou de fatores económicos, o que é bom para o Estado, muitas vezes não o é para o privado e isto não quer dizer que é mau que assim seja, mas há quem se esgadanhe todo por achar que só o que é bom para o privado pode ser bom para o Estado. Diria, aliás, que o desafio é conceber e racionalizar uma economia, pelo menos tri-fronte: privada, pública e internacional. 
O problema da globalização também não está ausente. 
A ineficiência da máquina do Estado é um problema que será sempre atual, do mesmo modo que o da ineficiência das empresas privadas. Faz parte do próprio sistema racional (de rácios) de controlo e de auditoria e de avaliação. Mas isso, em suma, não é um problema, é a realidade das coisas. 
O que é e será um problema é o investimento público. 
Para o privado o investimento é ou não é um problema de quem investe mas, subordinado a rácios de rendibilidade, é um problema sério se for à custa da vida de milhões de pessoas, ou do próprio planeta. Isto é odioso e perigoso e ameaçador, há muito tempo, com muita, muita mesmo, demasiada colaboração e subserviência dos meios científicos e tecnológicos, que se revelam mais insensíveis e despreocupados, do que seria de esperar, quanto às consequências da multiplicação das "máquinas de fazer dinheiro".
O que é (ou não é) problema para o privado, e pode até ser o grande objetivo lucrativo, é ou pode ser um grande problema para o Estado. Falar em investimento público tem esta desvantagem do apagamento em que fica, porque o privado lhe rouba o palco. 

É que investimento público é um conceito de investimento que tem poucas afinidades com o de investimento privado. O retorno do investimento esperado/pretendido pelo Estado não é da mesma ordem, sócio-espácio-temporal-económica... do do investimento apostado pelo privado. 
A maior parte das vezes o investimento do Estado é um esforço titânico para "remediar" os efeitos nocivos do investimento privado. 
E quando isto é mais assumido e declarado por razões especialmente críticas (como a atual crise), vem ao de cima uma incompatibildade feroz, que não devia existir, entre público e privado. 
Para tornar as coisas mais desconfortáveis, o público, normalmente, é instrumento nas mãos de poderes privados, mais ou menos organizados, mais ou menos influentes, mais ou menos dominantes. Estes poderes sabem muito bem o que lhes interessa que o Estado seja e o que não lhes interessa. Interessa-lhes que o Estado trate de umas coisas e que não se ocupe de outras. O que é importante é que se averigue e se perceba porquê e se isso interessa ao Estado, enquanto estrutura representativa de realidades territoriais e demográficas e histórico-culturais que não se compadecem com os balanços e contabilidades de A, B ou C. O Estado não tem maneira de dizer que não é nosso.


sábado, 10 de maio de 2014

O direito de não competir



Elogiaria a forma, muito interessante e reflexiva, de expressar quanto a poesia pode ser como a febre, um sintoma de alguma coisa que é preciso solucionar.
Para o poeta, os arrazoados dos que professam a religião das urgências e das pressas e dos progressos, são artifícios como outros quaisquer, mas que não devem ser impostos a ninguém, como ninguém deve ser obrigado a competir com ninguém. Devia ser acrescentado um direito à lista de direitos do homem "o direito de não competir, nem a feijões". 
Sabendo nós (previsivelmente) que vai acabar tudo numa nuvem de poeira, seria de esperar que a organização e gestão do nosso tempo fosse feita em função da efemeridade. 
Quando nos pedem para sermos racionais e científicos, seria de supor que esperassem de nós algo diferente de andarmos a matar-nos antes do tempo porque queremos sobreviver à perseguição, ou pressão, a que estamos sujeitos. 
A realidade é a única coisa que interessa à ciência, mas é a única coisa que o homem não aceita e, vai daí, engendra todas as técnicas e mais algumas para a transformar em algo diferente... 
Um dia deixaremos de morrer tecnicamente.



terça-feira, 8 de abril de 2014

A aprendizagem dos valores



A aprendizagem dos valores, paradoxalmente, é (pode ser) um factor de agitação, indisciplina, descontentamento, decepção, revolta... A civilização não é pacificadora, justamente porque o mundo está nas mãos de quem não faz o que deve e não olha a meios para fazer o que quer, podendo.
A aprendizagem dos valores é o que há de mais subversivo, não porque favoreça uma vida de acordo com os mesmos, mas porque põe a nu o problema de as pessoas serem ou não capazes, quererem ou não quererem, serem ou não serem obrigadas, a conformar as suas condutas com esses valores.
O Estado, infelizmente, está numa crise plena, no que a valores respeita e, no entanto, arroga-se o monopólio da coação que, não sendo arbitrária, institucionaliza e consente (quando não promove) políticas "loucas" e "vertiginosas" para lado nenhum, mas tudo à volta do dinheiro, o valor último.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Terramo(r)tos


O avião em que viajávamos para a lua de mel despenhou-se num local que uns chamam “não sei”, outros “sei lá” e outros ainda “pergunte ali a diante”. Eu fui o único sobrevivente…

O meu partido não existe. Tenho partido, mas ele não existe como tal. O meu partido não é do contra, mas permite-me concluir que não tenho partido, ou por outra, os ditos partidos existentes não servem, não prestam e, como sempre acontece nestas coisas, ninguém dentro do sistema tem influência, poder e coragem para provocar indesejáveis terramotos. O meu partido é a vida, são as pessoas, a liberdade, a justiça, a saúde, a educação, a cultura e a responsabilidade, em todas as vertentes, pessoais, sociais, ambientais… O meu partido é a verdade, até as verdades que preferencialmente ninguém quer saber. O meu partido não é o Estado, nem a União Europeia, nem a Globalização, nem o dinheiro, nem a guerra. O meu partido é contra o estado de guerra em que vivem os trabalhadores que têm de suportar todos os dispêndios e todas as aventuras dos senhores dessa guerra de traições engravatadas.
São cada vez mais os portugueses sem partido. E cada vez mais os partidos existentes são menos partidos e mais associações de malfeitores. Ser sem partido não é o mesmo que ser militante ou estar inserido nas estruturas de um partido. Ser sem partido foi-se tornando uma desvantagem crescente à medida que dois partidos deixaram de ser mais do que marcas que detêm entre si o eleitorado. Deter o eleitorado significa apenas granjear uma parte dos votos dos eleitores, normalmente baixa, muito baixa.

As tuas cartas têm-se espaçado muito. Começaste a escrever-me uma vez por semana. Depois, hebdomadariamente. De mês a mês. Quatro cartas num ano. Um postal pelo Natal e uma foto no Verão. Assim passaram cinco anos. Nesta prisão. Cada vez dizes mais em menos palavras. Na primeira carta, declaravas toda a tua paixão e sofrimento pela distância.