sábado, 12 de novembro de 2016

O que é transparente não se vê?

Se as notícias que temos correspondem aos factos, temos que lamentar as condutas dos visados (a propósito da Administração da CGD).
Se as notícias não correspondem aos factos, temos que lamentar, tanto ou mais ainda, que não sejamos informados, mas desinformados, com a conivência dos responsáveis políticos que deixam andar tudo em águas turvas, por conveniência inadmissível.
Seja como for, a ideia de que a gestão de uma empresa privada e de uma instituição/empresa pública se pauta pelos mesmos princípios e lógica de interesses, apesar de ser bastante comum (como se o Estado concorresse com os privados para arrecadar os ganhos que estes pudessem ter) é estapafúrdia e demagógica.
Eu apostava que indivíduos que fazem muitos lucros nas empresas privadas (se calhar o Trump é um desses) não podem ser bons gestores, nem governantes, em instituições públicas.
Não discuto questões de eficiência e de produtividade física, refiro-me, por exemplo, ao facto de que o Estado, quando tira é para dar/pagar e, quando paga, toda a gente tem o direito de saber o quê e a quem e porquê.
A gestão do aparelho do Estado, se tem algum paralelo com a gestão privada de uma empresa, ou grupo de empresas, é por estar nos "antípodas" destas. Acredito que, mais cedo ou mais tarde vai ser preciso assumir a necessidade de formação de gestores vocacionados para a gestão pública e, no que respeita à política, a mera vontade, ainda que sufragada por maiorias, não convém aos que querem e esperam e lutam pelo melhor, ou seja, pelo que assenta em fundamentos de governabilidade consistentes.
No mesmo sentido, se queremos que a política deixe de ser o domínio dos oportunistas e dos oportunismos, se queremos afastar da política a peçonha da demagogia e dos pedintes de votos, que vergonhosamente se sujeitam até serem eleitos, chantageando e sendo chantageados, vai ser preciso definir um perfil ao qual deverá corresponder quem quiser candidatar-se e submeter-se a eleições. Nada é mais desmoralizador do que o espectáculo e as consequências que nos têm proporcionado as democracias e os seus sistemas eleitorais.
Mas, voltando à gestão, existe uma cortina "blackout" no domínio financeiro, que separa o comum dos mortais (robertos) dos senhores desse(s) mercado(s) manipuladores dos cordelinhos. Eles riem dizendo que toda a gente sabe que assim é, que faz parte do "espectáculo", mas quando o espectáculo não tem graça, o que se passa atrás da cortina é o que mais interessa e vemos que é um jogo que nos diz respeito.

sábado, 29 de outubro de 2016

Paradigmas falidos


Dou comigo a pensar que a realidade já ultrapassou, há muito, os modelos sociais, económicos, políticos, ideológicos, religiosos, científicos...que continuamos a defender, mas que, como paradigmas falidos, nada mais têm para nos proporcionar do que a vista do abismo.
Os nossos sistemas de inteligência (num sentido muito amplo) estão acoplados aos nossos sistemas de interesses, de tal modo que, dificilmente, a nossa visão das coisas não é "toldada" pelo nosso interesse (determinado pelas variáveis envolventes).
Por exemplo, recuando há cerca de 200 anos, ninguém "profetizaria", na euforia das revoluções, que o capitalismo encontraria os seus limites mais decisivos, não no seu princípio de incentivo à iniciativa e ao empreendedorismo, mas na necessidade de travar os efeitos demolidores das atividades humanas focadas nos lucros, uma vez que estes são cegos, surdos, mudos e têm como "racionalidade" o poder (razão necessária e suficiente).
Ora, o que há 200 anos parecia ser uma estratégia promissora, num planeta ainda intacto, imenso e "inesgotável", também ditava uma visão das políticas...educativas, em consonância.
A palavra de ordem era "explorar, desbravar, esventrar, transformar, romper barreiras, construir, industrializar, dinamizar, mecanizar, consumir...".
Nem por um momento se pensava que tudo isso era o princípio de um momento efémero, de um ápice, e o mais autodestrutivo da história.
Não havia religião, ideologia ou ciência que se apercebessem de que o mundo iniciara uma aventura perigosa; pelo contrário, até das pobrezas, das explorações humanas e das guerras, se extraía um otimismo reinante, sob os auspícios e a suprema legitimação dos ganhos materiais (que se justificavam a si mesmos).
Não é de estranhar que, nesse "clima", não houvesse contemplações para com miseráveis e até os poetas e os bardos infelizes, que expressavam angústias de músicos perturbados por ruídos cada vez mais insuportáveis, não passavam de uns acidentes...
Aliás, para os sentimentos "negativos" e angústias "inexplicáveis" havia terapêutica médica e, como prevenção, a educação.
Bem, abreviando, não é apenas o sistema de educação que tem de ser repensado. O mundo já não é o que era e os paradigmas em que se baseou a atividade humana que nos conduziu até aqui, já mostraram os perigos em que nos colocaram. A própria ideia de empreendedorismo tem um significado diferente do que teria há 100 anos.
Os Estados não vão permitir mais que os grandes interesses coletivos sobre o ambiente, os solos aráveis, a vida dos oceanos, os recursos naturais, em geral, a educação, a saúde e a justiça, fiquem nas mãos de indivíduos que têm como único critério de ação a obtenção do máximo proveito pecuniário.
No tocante à ciência, não vejo mal nenhum em que os Estados a deixem por conta dos interesses privados, desde que não se coloquem em situação de dependência e de subserviência relativamente a esses interesses.


terça-feira, 25 de outubro de 2016

O conceito de conhecimento poderoso


Quantos de nós começamos por aprender sem buscar nada? E acabamos a buscar conhecer sem ser por nada? Embora, desde cedo, nos tenhamos apercebido, de que tantos outros buscavam e buscam sistematicamente o conhecimento poderoso? De preferência tudo aquilo que não se ensina nas escolas, porque "o segredo é a alma do negócio"?.
De qualquer modo, o conhecimento poderoso não seduz e não interessa a todos. Pode até ser uma boa estratégia, na perspetiva das políticas educativas, mas aí o que está em causa é o interesse coletivo e não o interesse individual. 

Para instrumentalizar o conhecimento também é preciso conhecimento sobre instrumentalizar, sobre custos e sobre as finalidades. Isso do conhecimento poderoso, até pode ser fácil de perceber o que é, mas porquê e para quê e à custa de quê, pode não ser tão simples. 
Sem considerar outro lado da questão: basta querer para acontecer conhecimento poderoso?
O próprio conceito de conhecimento poderoso é muito vago e relativo, porque o que é poderoso, rapidamente, deixa de o ser, basta generalizar-se...


quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Para que serve o humanismo?


Não deixo de pensar, dramaticamente, que as ideologias têm uma função determinante na organização social e económico-política. 

E que, sem esta organização, o mundo colapsaria (?) rapidamente (?), tal é o “peso” do fator humanidade na equação. 
Não podemos isolar o humanismo personalista das restantes realizações humanas que têm contribuído para resolver problemas do homem.
Mas, aparentemente, nem todos trabalham para resolver problemas do homem. 
Incrivelmente, muitas pessoas, mesmo nos sistemas civilizacionais que, assumidamente, se baseiam na pessoa, são tratadas, afinal, como sendo o problema, não um problema de ordem teórica, mas de ordem prática, do tipo “excrescência”… E há quem tenha pesadelos com "máquinas trituradoras".

Só por si, de nada nos valeriam todas as ciências e tecnologias se o mundo colapsasse. 

No fim, só o humanismo poderia socorrer-nos: a solidariedade (é coisa e de pobres e desgraçados, os ricos não precisam disso até serem pobres), amor (é coisa misteriosa que o dinheiro não compra), música (é coisa de alienados dançantes), religião (é coisa de analfabetos que só têm defeitos), filosofia (amor pela sabedoria), história (é coisa que não serve para construir nada, até ao momento em que é preciso perceber por que é que tudo foi destruído), memória (quem a não tem não tem nada, não faz nada, mas não deixa de ser pessoa…)...

E, ainda mais importante, pessoas
E pessoas com ciência, obviamente.

Sem pessoas, não há problema nenhum para resolver.

Acabem com as pessoas e acabam-se os problemas todos. 

Acabem com o humanismo, promovam a máquina, o robot, levem-nos ao mercado e deixem de produzir pessoas e verão todos os problemas resolvidos, de termodinâmica, de física de partículas, de matemática, de genética, de evolução, de filosofia, de ciência, de artes. Maravilhoso mercado (químicos, farmacêuticos, traficantes, físicos, mecânicos, banqueiros, traficantes, militares, terroristas, informáticos…) que trabalha a pensar no homem e no bem do homem, à escala global, ecológica, inteligente. 

Mas faltaria o maravilhoso humano, a indispensável ideologia, sistema de crenças, sobre o Homem como o valor que deve restar mesmo que todos os outros fracassem. 
Historicamente, por ex. Esparta e Atenas, URSS e Capitalismo, são exemplos de sistemas ideológicos que apostaram mais ou menos na pessoa humana como “produto” ou “mercadoria”, meio ou fim da atividade económico-política e social. É ostensivo, nos tempos de hoje, a redução da pessoa a valor económico. Tudo se rege cada vez mais pelo critério da economia. A racionalidade parece exigir que assim seja. Valor, nos tempos atuais, está praticamente reduzido a valor pecuniário, mais do que a valor económico, ou seja, o que não tiver valor pecuniário, mesmo que tenha valor económico, que requer reconhecimento e tutela, não passa de uma idiotice, não serve para quem só vê mercadoria (como aquele que na floresta só vê lenha). 
Atenas derrotada pelas armas veio a ser vencedora pela memória. A URSS derrotada pelas próprias contradições dos DÍNAMOS e pelos inimigos “humanistas”, parece estar, fatalmente, a sobreviver através da MÁQUINA GLOBAL a que todos os humanismos se curvam.

Vai ser preciso organizar um sistema de democracia global, em que o primado do poder não sejam as MÁQUINAS do dinheiro, nem já a lei, mas a pessoa humana…Se houver pessoas que acreditem nisto.

terça-feira, 12 de julho de 2016

Tudo tem a ver com tudo


Tudo tem a ver com tudo: ciência com poesia, cultura com ciência, artes com desportos, ciência com artes, tecnologias com humanidades, matemática com música, estrelas com lágrimas, saudade com diamantes, etc...
O problema das relações entre ciência e cultura, todavia, parece-me não ser um problema de concorrência e de rivalidade, (na competição pela valia e domínio, mais do que pela verdade), como o não são as relações entre as diversas artes e desportos.
Incrivelmente, dado o estatuto da ciência, alguns profissionais de ciência, tal como alguns profissionais de santidade, e de fantasias, mais do que verem rivalidade (ou perigo) entre o que seja manifestação cultural e ciência, de preferência matemática, física ou química, laboram numa espécie de menosprezo recíproco.
Em meu entender, o problema não é das ciências, nem das artes, nem dos desportos, nem das humanidades. O problema é querer vê-lo onde não existe.
As perspetivas sobre a realidade (e que realidade?) não são o problema, nem o objeto de análise/síntese (e que tipo de análise/síntese?) nem os objetivos, interesses, etc.. E, por exemplo, no que respeita às artes e às práticas desportivas, as perspetivas podem não fazer parte.
A minha música e o meu futebol vão lindamente com a minha sardinha assada e o meu telemóvel e o Álvaro de Campos e a minha matemática e a minha farmácia e a missa do sétimo dia.
A minha poesia nunca vai interferir, ainda que eu o quisesse, com o teorema de Pitágoras ou a Segunda Lei da Termodinâmica.
O problema surge quando, por exemplo, um matemático me diz que tudo é matemática e que eu, sendo matemática não posso ser, por exemplo, pessoa.
Ou, quando dedico a minha vida à música, vem um químico dizer que a música não existe ou um físico dizer que a música nada mais é do que acústica (de novo Pitágoras), ou um juiz do tribunal declarar que é ruído.
Ou, tendo um diamante, para mim precioso, a coisa mais bela e significativa, que não troco por nada deste mundo, vem um químico e diz que o diamante é uma das formas alotrópicas do elemento químico carbono, que pode ser encontrado na Natureza em três diferentes formas simples: amorfo, grafite e diamante, ou um comerciante vem dizer que não vale mais do que dez milhões de u.m..
Ou, sendo especialista em nanotecnologias, vêm dizer que não sei nada sobre o amor, nem Deus e, dada a minha inabilidade para esse grande edifício da cultura humana que é o futebol, é como se não soubesse ler.
O problema é, em grande parte, de valoração, muito mais do que de utilidade. Noutra parte é um problema de querer comparar aquilo que é diferente como se fossem a mesma coisa.
Não nego a matemática da música, nem a química do diamante, mas para mim a música não é interessante por poder ser traduzida matematicamente, nem o diamante é precioso por ser carbono…

sábado, 25 de junho de 2016

Jogo da vida (valores e virtudes)


Há que trabalhar para resgatar o homem e a humanidade da situação humilhante em que hoje, talvez mais do que nunca, nos encontramos.
Conduzir a humanidade é uma expressão com sentido, mas não passa disso. A humanidade não se conduz, porque não é condutível e porque não há quem fosse capaz de o fazer. Se alguém tentou fazê-lo, o mais que fez foi agregar um grupo em torno de um objetivo concreto e mais ou menos definido, no tempo e no espaço.
Os poderes, as instituições, as religiões, as culturas...e o estilo de vida, com seus hábitos de consumo e suas expectativas, as promessas propagandísticas, os aliciamentos, acenos publicitários e modelos de sucesso socioprofissional, ditam grande parte do que devemos pensar e do que devemos viver e, até, do que devemos sentir. A subjugação é de tal ordem que, ela própria, nos é apresentada como o jogo da vida, o único jogo que vale a pena. Recursos, matéria-prima, otimização, mais-valia, competitividade, empreendedorismo, lucro, são as virtudes deste tempo apressado, que vieram substituir (e matar) as virtudes de outros tempos com mais tempo.
Quem for capaz, ou tiver a oportunidade de trocar tempo por dinheiro, ou dinheiro por tempo, se optar por ter mais tempo para pensar, pode refletir não só sobre o que devemos pensar, mas também sobre como devemos pensar; não só sobre o que devemos viver, mas também sobre como devemos viver; não só sobre o que devemos sentir, mas também sobre como exprimir o que sentimos.
Temos de conseguir pôr fim à balbúrdia e ao estapafúrdio dos pifos mirabolantes que logram fazer girar tudo na roleta do dinheiro que eles dominam.
Os valores de troca são algo de abstrato e complexo que depende de fatores especulativos, que têm vindo a transformar-se no jogo da vida.
Espero que os valores de uso (e não os valores de troca) tenham a palavra mais importante a dizer sobre a condução da humanidade.


sábado, 11 de junho de 2016

Faz-te bravo

É importante saber o que faz um empreendedor e se é possível "fazer" um empreendedor. Dizer, por exemplo, como já ouvi em jornadas de empreendedorismo, que o empreendedor não se faz, nasce, é dizer às pessoas que não estão ali a fazer nada. 
Quando olhamos para exemplos de empreendedores, ou que são convidados e apresentados como tal que, pouco depois, foram à falência, seria muito positivo para a causa do empreendedorismo convidá-los e apresentá-los novamente, nas jornadas do empreendedorismo.
Por outro lado, o próprio conceito de empreendedor, nunca ou raramente é abordado, tendendo a ser confundido, simplesmente, com alguém que se tornou "empresário de sucesso", baseados numa imagem que se tem e não, propriamente, em auditorias contabilísticas e avaliações sociais.
O empreendedor, para o dito empreendedorismo, é um estereótipo sui generis que, de alguma forma "pedagógica", pretende legitimar e sobrevalorizar o mundo empresarial.
Aliás, o empreendedorismo é mais uma iniciativa de caráter empresarial. Quanto aos ingredientes ideológicos, o empreendedorismo só é viável em ambientes favoráveis, como tudo na vida. 
Não obstante, se pudermos ver no empreendedorismo uma cultura de formação e de informação e de concorrência de esforços e de meios para "promover a facilidade" a quem quer abrir negócios ou concretizar uma ideia empresarial, isso parece-me ótimo.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Rei Midas


Quanto mais observo o que tem acontecido desde a 1ª revolução industrial, mais me parecem ridículos e levianos os que se vangloriavam do "progresso". 
Em pouco mais de 2 séculos, aí temos o resultado, já não falando do que aconteceu durante esse período, de exploração humana, guerras e de destruição de recursos naturais. Esta curta era da história não tem paralelo, como galeria de horrores. 
Há sempre os que preferem ver o lado bom das coisas, e esquecer ou ignorar tristezas mas, neste caso, o balanço negativo é esmagador. Quando se olha ao espelho, o Homem não tem motivos para sorrir. 
A voragem dos humanos é algo de louco e assustador. As nossas sociedades têm de estar constantemente a destruir para produzir e construir o que, pouco depois, destroem de novo, não com o objetivo de satisfazer necessidades essenciais, mas encandeados pelo brilho do lucro. A humanidade transformou-se numa máquina monstruosa e imparável que engole o planeta e o defeca sobre si própria, sob a forma de lixo, tóxicos, dinheiro ou ouro. 
Nunca como hoje o mito de Midas teve tanto significado, mas, enquanto Midas pôde voltar aos campos, o Homem talvez não tenha essa possibilidade. 

quinta-feira, 31 de março de 2016

A ciência das escolhas


A ciência, enquanto tal, enquanto conhecimento, arriscaria dizer que é boa. A ignorância, arriscaria dizer que não é boa.
Mas toda a decisão, ou ação/omissão, ainda que baseada na ciência, nos coloca perante um problema de bem ou mal, bom ou mau, ou nem uma coisa nem outra.
As consequências, ou efeitos, da ação/omissão são um problema não menos importante ou crucial do que os problemas da ciência enquanto conhecimento das coisas.
Não é racional, nem é bom que se deixe o poder de decisão sobre o uso do conhecimento àqueles que detêm esse poder porque lá chegaram por qualquer via, autocrática, democrática, plutocrática...
Mas também, não é pelo facto de os cientistas o serem nas suas áreas específicas, que o sejam na "ciência das escolhas", no momento de escolher a melhor opção possível.
A ciência das escolhas é uma coisa "tramada", porque, modo geral, quando se trata de agir, por exemplo, conquistar um país, dominar uma região, toda a ciência se presta a qualquer escolha, exceto a ciência das escolhas.
Não é apenas um problema de ética. É sobretudo um problema económico (de sobrevivência da humanidade e bio-ambiental), que ultrapassa o "logos" da ética e adquire contornos da ordem do transcendente.
Não parece que possamos prescindir do contributo e da intervenção crítica muito atenta da ciência das escolhas sempre que se trate de saber o que é melhor, do leque das ações/omissões disponíveis.
E muito menos prescindir de mecanismos políticos que garantam a melhor decisão (que não poderá ser meramente política mas, tanto quanto possível, científica). E aqui já deparamos com uma imensa dificuldade.
A história é a demonstração, até à exaustão, de que o poder, nas mãos dos loucos, transforma o conhecimento num instrumento de destruição e de domínio e de que o poder, de uma ou outra forma, acaba sempre em violência mais ou menos camuflada sobre as pessoas e o ambiente e as coisas em geral.
Há que respeitar a vontade das pessoas adultas sempre que essa vontade não colida com interesses de terceiros e, se tiver que lhes ser imposta alguma restrição por razões de interesse público, que seja dada garantia de que o risco é assumido pelo Estado, que responderá por danos.
Neste aspeto, sempre salvaguardados os princípios da responsabilidade civil e os limites criminais, que têm a ver com publicidade enganosa, burla, etc...., a questão das vacinas não parece diferente de outras situações em que há intervenções na saúde.

sábado, 26 de março de 2016

O dinheiro


A questão, tantas vezes invocada para justificar a austeridade, de não haver dinheiro é uma falsa questão e é um modo cínico, ou manifesta ignorância, de justificar a privação das pessoas de bens e serviços. 
Se, por absurdo, eliminássemos todo o dinheiro, ou o colocássemos em sepultura, como se fez ao latim, deixaríamos de pensar que todos os problemas eram de falta de dinheiro. Os problemas passariam a ser eles próprios e não de dinheiro. 
O verdadeiro problema é que o dinheiro se tornou cada vez mais o grande problema.
É sabido que as pessoas não comem dinheiro nem se deslocam em cima de notas ou de moedas. 
Não dêm dinheiro às pessoas, dêm-lhes bens e serviços e fiquem com o dinheiro todo.
Se amanhã não houvesse dinheiro, o mundo não estaria mais pobre e não haveria mais famintos, nem mais doentes, nem menos fruta, ou lojas mais vazias. 
Podemos ter a certeza de que, se não houvesse dinheiro, não haveria inflação, nem deflação, nem tantas outras situações deploráveis ligadas ao capitalismo financeiro.
As imensas vantagens da fungibilidade do dinheiro (e haja em consideração o facto de este conceito estar longe de ser coincidente com o conceito de moeda) talvez saíssem muito diminuídas de uma análise sobre as, também imensas, desvantagens.
O dinheiro tem vindo a adquirir uma tal abstração que se tornou um valor e uma mercadoria e um instrumento em si mesmo, profunda e terrivelmente dissociado da dinâmica e das leis da economia dos bens e serviços.
Digamos que o facto de ser um mercado (cujo peso e relevância nas economias é assustadoramente crescente e incontrolável) à parte dos mercados de trabalho, mercadorias e serviços, exige que se compreenda, sem ilusões, de que é que se está a falar quando se fala de dinheiro.
Fazem falta Newtons e Einsteins nas ciências económicas para nos ensinarem imensas coisas que é preciso saber. 
No entanto, nestas áreas, que também atraem os mais dotados, os cérebros preferem ocupar-se em esquemas de enriquecimento...



domingo, 13 de março de 2016

Como um crente


Fosse eu demolidor e diria: felizes os que têm prazer de ler o que escrevo, porque são justos e belos e sãos e santos e inteligentes e sensatos e quase perfeitos, mais do que eu.
Mas escrevo sem recriminações.
Não escrevo como um juiz, nem como um réu.

Escrevo como um ignorante que aspira à sabedoria, como um cego que aspira à visão, como um forte que não tolera a força, como um fraco que não se resigna a qualquer sujeição. Não escrevo "ex cathedra", mas como um crente. A esperança e o amor são a racionalidade e a poesia a expressão de algum modo ou forma de verdade.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Nada que não seja

Se eu soubesse não diria Nada que não seja Poesia Nada que não saibas Que eu não sabia Não direi nada Sei Extenso dia Até onde alcança A vista A fantasia A alma Que vê ausências Onde há As dela As outras não Direi por dizer Pelo prazer De ouvir-me E de crer Que a palavra não faz Falta Em vão.

Ateísmo e naturalismo


Vamos colocar as questões da seguinte forma: nós não aceitamos a natureza, o ser da natureza, que é um "sendo" contra o qual, sendo nós natureza, não era suposto estarmos, mas somos a natureza "suicida", um produto da natureza. 
O homem não se limita a ser e esse é o problema: o homem não é. 
A natureza que produz o homem não tem que, nem precisa de, se queixar. O homem também não, a não ser de si próprio, ou da sua natureza, mas isso é completamente estranho à natureza. 
Ou então temos mais do que uma natureza na natureza e há naturezas que são mais ou menos naturezas do que outras. 
A natureza, sem o homem, não tinha problema nenhum para resolver e, com o homem, também não, a não ser a tal natureza do homem que é "contra a natureza", ou que não aceita a natureza e que não se limita a ser natural, sendo, além disso, moral, religioso, político, mais caracterizado pelo "dever-ser", que o atormenta, do que pelo "ser", que não atormenta nada nem ninguém. 
A natureza não sabe, nem tem essa coisa do "dever-ser". 
O ateu e o naturalista também não deviam ter e deviam estar perplexos com o mundo cada vez mais feito/desfeito de dever-ser. A começar pelo ateu e pelo naturalista, que não se limitam a ser, mas têm um discurso, ideias, conceitos, ideais, ideologias, "morais". 
O porquê dos naturalistas e dos ateus ainda é mais indecifrável, apesar de todo o arsenal científico e técnico disponível, do que o já antiquíssimo porquê dos que acreditam no sobrenatural. 
E o para quê, o propósito, a finalidade da natureza, até para eles é algo central e imprescindível. Não que eles reconheçam ou apontem, ou acreditem, em alguma finalidade, porque não encontram nenhuma relação causal, necessária, "construtiva", entre os primeiros átomos e o homem. Para eles nada faz sentido, nada tem sentido, tudo é obra do acaso. 
E também aqui é a natureza a pensar e a dizer sobre si própria que não sabe quem é e que todos os seus poderes lhe vêm como se fosse do nada, que também não sabe o que é e que talvez chame nada ao sobrenatural, às forças, aos poderes, aos fenómenos que não existiam no princípio, no big-bang, e que passaram a existir e que, também hoje, surgem, do nada, para se "acrescentarem" a tudo o que existe. 
Desde o primeiro minuto do big-bang até à atualidade, tudo foi surgindo sem que existisse antes...criando...as forças, os átomos...etc., etc....E tem de ser a natureza a interrogar-se sobre si própria, através do homem, porque não sabe de si própria e nunca agiu em sentido nenhum, com nenhuma finalidade, ou vontade e a própria inteligência e consciência do homem é um puro acaso, nada mais, mas um acaso que descobre que nada é por acaso e que a natureza não se explica a si própria, nem enquanto natureza-homem investigando e refletindo...

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Amanhã é dia

Daniel foi sempre descrente de tudo. Era como se lhe estivesse no sangue o desencanto. Ele tinha consciência de que, no fundo, ou no fim de contas, nada valia a pena mesmo que a sua alma fosse grande, mas sentia-a pequena. 
Viveu sempre rodeado de pessoas convictas, crentes e entusiásticas das causas que lhes interessavam. Ninguém, à sua volta, andava perdido, ou simplesmente desorientado. A Gina era astróloga especialista. O Antímio era ateu inveterado. A Eva era católica e o Adão era cientista, cristão. 
Daniel relacionava-se com estas pessoas, por diversas razões. Para elas, Daniel não era nada. És do Benfica? ÉS do Porto? Não. Eu quero que vocês se fodam, dizia ele. Não tendes mais nada que fazer/dizer?, perguntava ele. Não., respondiam-lhe eles. 
A vida era uma merda. 
As coisas, o mundo, a natureza, a música, o ar que respiramos, o sono… eram maravilhosos, mas as pessoas, quando entrava em certos questionamentos, eram, nas suas próprias palavras, uma merda, ou pior. E ter que trabalhar, em determinadas condições, era odioso e revoltante. 
Mas o mais odioso e revoltante era ver o que se passava entre o poder e os que não têm poder. 
Daniel não tinha poder e gostava de ter, mas nada fazia por isso, porque era descrente até do ódio, que não levava a nada. 
«Um tipo assim não devia ter nascido», comentava o Afonso Henriqueto, numa palestra promovida pela Sociedade contra a apatia, subordinada ao tema «Como distinguir os frutos do ódio e do amor?»
Daniel sonhava. 
«Se ele acreditasse, tentava realizar o seu sonho», dizia o padre Américo à irmã Francisca. 
«Mas Daniel não acredita que possa realizar o seu sonho», respondia a irmã.
Daniel sonhava com uma sociedade sem partidos políticos e sem governantes, porque estes eram os representantes daqueles que todos devemos recear. Os que têm poder são sempre uma ameaça e um perigo. A qualquer momento impõem a sua vontade. Numa sociedade desorganizada politicamente também isso aconteceria. 
Qual era então a vantagem? 
A vantagem era que numa sociedade politicamente desorganizada os que têm poder não poderiam contar ainda com o favorecimento das instituições. 


sexta-feira, 3 de abril de 2015

Verdade, Realidade, Ciência


Por que não te libertas de um erro de princípio, que vicia toda a tua abordagem crítica e não crítica de qualquer problema e toda a tua reflexão sobre verdade, conhecimento, ciência, competências ou perícias, qual seja, confundires Realidade com Ciência ou, pior ainda, Verdade com Ciência? 
Pensar a Realidade e pensar Ciência são dois fenómenos diferentes. 

Pensar Verdade e pensar Realidade, também. 
Pensar Verdade e pensar Ciência, também.
Pensar Deus, até um certo ponto é equiparável a pensar como é digerida a batata frita. 
Pensar Deus pode até não ser nada de especial para pessoas como tu, do mesmo modo que pensar como é digerida a batata frita pode não fazer sequer sentido para a maioria das pessoas, ainda que cientistas. Podia até acontecer que o Homem nunca tivesse pensado em Deus e tivesse sempre pensado na batata frita. Algo existir ou deixar de existir, Deus existir ou não existir são questões de segunda ordem relativamente ao facto de o Homem ter uma incrível necessidade/vocação para a Verdade. Esta necessidade de verdade sobreleva tudo o que possa ser dito, pelo método científico, ou pelas artes, ou pelas magias, venham donde vierem as tentativas de a "dizer", quaisquer que sejam as autoridades, ou instituições. E não há forma, nem palavras, nem drogas de mascarar a verdade, porque ela tem um rosto demasiado grande e ardente e invulnerável para que isso possa acontecer. 

A ciência, na sua nobre humildade, cede-lhe em tudo, como serva fiel e incorruptível, reconhecendo-lhe um carácter racional. Mas não é só a verdade que tem um carácter racional. Tudo tem um carácter racional. 
E a ciência sabe-o como sabe que a Verdade envolve e supõe e exige uma racionalidade valorativa que tem de ser de uma ordem não material. 
É a ciência que nos diz tudo o que sabemos e tudo o que precisamos de saber acerca de um específico domínio. 
É a ciência que nos diz sobre a Divina Trindade e a Ascensão de Maria. 
Sabemos que se pode ficar famoso se se quiser, e se se souber, entrar na exegese bíblica, ou no Código Civil, ou na Constituição da República, ou na mecânica quântica… e se se “impuser” uma teoria.
Alguns pseudocientistas, não compreendendo a diferença entre os atributos e o âmbito da verdade e da ciência, dão-se por satisfeitos com esta e tomam-na simplesmente por aquela. São o parasita que não conhece o hospedeiro.
A Verdade não é uma questão de raciocínio, de ser ou não ser, de existir ou não existir. 2+2=4 não é nenhuma verdade e pode não ser um raciocínio e, quanto a ser alguma coisa, é um discurso.
A Verdade vai sendo necessária à medida que pensamos com ciência, amor, justiça, probidade, enfim, valores, virtudes.
Mas pensar com ciência, amor, justiça, probidade, enfim, valores, virtudes, é Verdade mas não é a Verdade.
Por agora, vou ficar a pensar em Deus e a Verdade.