"Ser feliz é uma actividade que requer toda uma vida e não pode existir em menos tempo" - Aristóteles, Ética a Nicómaco
quarta-feira, 5 de junho de 2024
sexta-feira, 31 de maio de 2024
A lira
quinta-feira, 16 de maio de 2024
Se desvelam
Se desvelam
É muito mais o que
A si revelam
Se aos olhos
Mostram
Promessas
Talvez só
Na imaginação
A pujança
Tão delicada
Da dança
Dos sentidos
É uma explosão
Tão subtil e disfarçada
Que nem parece
Que não estão
A mostrar nada.
Carlos Ricardo Soares
quinta-feira, 25 de abril de 2024
A bandeira da Liberdade
A bandeira da Liberdade. Porque abril é sempre primavera.
A minha esperança na educação, como no resto, é fruto da minha constatação,
desde sempre, de que, em liberdade, havendo condições de liberdade, a cultura, por si mesma, gera progresso. Ou seja, o progresso é inerente ao processo cultural, que é o processo pelo qual o homem,
em liberdade, escolhe o melhor, no quadro das possibilidades.
A Educação deve abster-se de agitar bandeiras.
A única bandeira, se houvesse uma, que ficaria bem à Educação,
seria a da Liberdade.
O conceito de progresso é muito problemático e quando vejo alguém a usar o termo como uma bandeira fico preocupado, mesmo que esse uso se tenha banalizado, ou faça parte
daqueles lugares comuns a que todos torcem o nariz e ninguém é capaz de dizer não.
Quando é um grupo, ou um partido, seja de humanistas, da verdade, de Deus, ou de outra coisa qualquer, a agitar
a bandeira de progresso, ainda fico mais preocupado.
É na Liberdade, no quadro das possibilidades, subjetivas e objetivas, que o indivíduo opera as suas escolhas (e não as dos outros), e estas devem
ser o mais livres possível, não devem ser tolhidas com repressões e opressões e práticas de submissão que se reproduzem em espirais de discriminação, de desigualdades,
de violência e de injustiça.
Sabemos que só há um modo de o indivíduo realizar e exercer as suas capacidades e aptidões mentais conscientes a que não temos diretamente acesso: é pelo processo do seu próprio pensamento, pela sua racionalidade, pelo “cruzamento de dados e de informações” que opera. Não sabemos o que vai na sua cabeça, mas podemos, até um certo ponto, saber que cada cabeça sua sentença. Cada indivíduo é uma instância moral irredutível, ainda que não seja uma instância irredutível de conhecimento.
De qualquer modo, e também por isso, os efeitos, as consequências, as implicações, os imprevistos, a criatividade, a inovação, da Educação,
tirando um escasso espectro de adestramentos e de manifestações de competências aprendidas, que são normalmente avaliadas e classificadas para fins académicos e profissionais, extravasam imensamente
tudo o que se possa imaginar. Caso para dizer que há mais vida para além da Educação.
Onde as pessoas têm liberdade de escolha o progresso acontece "naturalmente", diria mesmo
que só na liberdade de escolha o progresso acontece como um determinismo. E isto deve dar-nos esperança e tranquilidade, desde que asseguremos a tal liberdade sem a qual os problemas se multiplicam. Em liberdade,
o confronto com o tradicional faz parte do tradicional e é desse confronto que, também, resulta o progresso. Mas não se promove a liberdade quando se trabalha para a desinformação.
Iria
mais longe, até ao paradoxo democrático, de dizer que não se promove liberdade quando se promove um partido, nem talvez quando esse partido fosse o partido da liberdade.
quarta-feira, 10 de abril de 2024
Parecendo que não
Parecendo que não
A fanfarra acaba
Na noite de luar
Não meço anos-luz
Nem fulgem rios
De memória
Como se um barco
Afinal
Não estivesse parado
No meu tempo.
Carlos Ricardo Soares
sábado, 23 de março de 2024
Formas de ser e de dizer
Correndo o risco de cair em contradições e de incorrer em dislates, aproveito para fazer um pequeno exercício verbal atinente ao problema académico
das contradições, dos paradoxos e da lógica.
Ser e não ser, ser A e não ser A, ser A e não ser B, C, D...
Ser ou não ser, ser A, ou não ser A, ou não
ser B, C, D...
Ser e poder ser, ser A e poder ser B, C, D...
Ser e não poder ser, ser A e não poder ser B, C, D...
Ser e dever-ser, ser A e dever ser B, C, D...
Ser e não dever-ser,
ser A e não dever ser B, C, D...
Importa pensar que a palavra “ser” é um verbo, mas também é um substantivo, ou um adjetivo. E levanta um problema muito particular e curioso,
em termos de racionalidade científica, não metafísica: o ser é o que é. Esta constatação da realidade impede-nos de considerações sobre o que foi e sobre o que
será, porque estas remetem para o que não é, para o não existente.
Mas, sendo assim, não há nada que possamos dizer sobre o que quer que seja, porque tudo o que dizemos é
em diferido, quer dizer, é sobre algo que já não é.
As questões de lógica são manifestações de racionalidade através de uma linguagem, através
de uma codificação significante.
Penso que são fundamentalmente questões verbais, ser, não ser, poder ser, dever-ser, por exemplo, no que respeita a coisas (tenho na mão um objeto
que designo de livro, mas é um copo. É falso o que digo, mas não é falso o objeto. Há aqui, nestas frases, um conjunto subentendido de operações racionais que poderíamos
analisar e explicitar ainda mais em raciocínios lógicos, inclusivamente, para justificar o que digo).
Penso que a lógica é um processo de linguagem, seja verbal, seja numérica, ou outra,
e tem a ver com a racionalidade, ou melhor, no caso dos humanos, a racionalidade é um processo consciente, embora seja automatizado em grande parte das operações de tipo mais abstrato.
Penso que,
sem linguagem, embora exista racionalidade, não há lógica.
Ou seja, os processos racionais tornam-se lógicos, ou problemas de lógica, através da linguagem.
Carlos Ricardo Soares
segunda-feira, 11 de março de 2024
Como deve ser
Estamos habituados, culturalmente, socialmente, familiarmente, a que nos obriguem e nos digam o que devemos ou não fazer. Se há uma característica essencial ao ser humano é a de, quando atua, em consciência, em inúmeras situações com implicações sociais, não poder deixar de escolher entre possibilidades que não são indiferentes do ponto de vista da avaliação, ou dos valores sociais e respetivas consequências, quer para o próprio, quer para os outros. Em inúmeras situações, por outro lado, a premência da escolha não envolve nenhum problema dessa ordem.
Os problemas surgem sempre que, numa situação de escolha, o indivíduo deixe de ter vantagens se escolher “errado”. Pode ser uma situação que envolva uma operação meramente lógica, ou de pura aritmética, ou uma situação que envolva outro comportamento propriamente dito, com implicações éticas, estéticas, económicas, desportivas, lúdicas, do trato social, em geral, ou das relações sociais particulares.
Destas considerações eu retiro a ideia de que é pelos atos e apenas por estes que o indivíduo é responsável, o que condiz, aliás, com a prática geral das opiniões e dos julgamentos que vemos fazer, e é responsável na medida em que tinha o dever de agir de certa maneira, como devia ser. Isto tem o problema de dever saber antecipadamente o que deve ser a escolha e o problema de fazer essa escolha. Mas, do ponto de vista do fundamento, digamos, da ética, o problema é o de saber, se é que isso é possível, as razões do dever-ser, que não sejam razões práticas. E mais, se esse dever-ser, como está estipulado, é como deve ser e na perspetiva de quem.
Neste ponto, quando dizemos que o próprio ser deve ser o que é, já estamos rendidos ao imperativo do dever-ser como algo que não é, ou ainda não é, mas deve.
Então, e numa conclusão esquemática, mas que tenho bem ponderada, para não me alongar mais, direi que, nem a ciência, nem a filosofia, e não apenas os comportamentos humanos, não estritamente cognitivos e intelectuais, escapam à regência, ou deixam de estar sob a égide da ética, no sentido de dever-ser.
E, assim, quero dizer que os comandos normativos e os mandamentos, qualquer que seja a atribuição da sua legitimidade e autoria, eles mesmos também não escapam à necessidade lógica, de verdade, de retidão, de direito, de serem, em suma, como deve-ser.
Carlos Ricardo Soares