segunda-feira, 11 de março de 2024

Como deve ser


Estamos habituados, culturalmente, socialmente, familiarmente, a que nos obriguem e nos digam o que devemos ou não fazer. Se há uma característica essencial ao ser humano é a de, quando atua, em consciência, em inúmeras situações com implicações sociais, não poder deixar de escolher entre possibilidades que não são indiferentes do ponto de vista da avaliação, ou dos valores sociais e respetivas consequências, quer para o próprio, quer para os outros. Em inúmeras situações, por outro lado, a premência da escolha não envolve nenhum problema dessa ordem. 
Os problemas surgem sempre que, numa situação de escolha, o indivíduo deixe de ter vantagens se escolher “errado”. Pode ser uma situação que envolva uma operação meramente lógica, ou de pura aritmética, ou uma situação que envolva outro comportamento propriamente dito, com implicações éticas, estéticas, económicas, desportivas, lúdicas, do trato social, em geral, ou das relações sociais particulares. 
Destas considerações eu retiro a ideia de que é pelos atos e apenas por estes que o indivíduo é responsável, o que condiz, aliás, com a prática geral das opiniões e dos julgamentos que vemos fazer, e é responsável na medida em que tinha o dever de agir de certa maneira, como devia ser. Isto tem o problema de dever saber antecipadamente o que deve ser a escolha e o problema de fazer essa escolha. Mas, do ponto de vista do fundamento, digamos, da ética, o problema é o de saber, se é que isso é possível, as razões do dever-ser, que não sejam razões práticas. E mais, se esse dever-ser, como está estipulado, é como deve ser e na perspetiva de quem. 
Neste ponto, quando dizemos que o próprio ser deve ser o que é, já estamos rendidos ao imperativo do dever-ser como algo que não é, ou ainda não é, mas deve.
Então, e numa conclusão esquemática, mas que tenho bem ponderada, para não me alongar mais, direi que, nem a ciência, nem a filosofia, e não apenas os comportamentos humanos, não estritamente cognitivos e intelectuais, escapam à regência, ou deixam de estar sob a égide da ética, no sentido de dever-ser. 
E, assim, quero dizer que os comandos normativos e os mandamentos, qualquer que seja a atribuição da sua legitimidade e autoria, eles mesmos também não escapam à necessidade lógica, de verdade, de retidão, de direito, de serem, em suma, como deve-ser.

 Carlos Ricardo Soares

Sem comentários: