domingo, 24 de janeiro de 2021

Sem conhecimento não há nada - II

Todo o conhecimento é sobre o passado, sobre factos. Facto é passado. 

Por outro lado, vemos B. Russel a insurgir-se contra os idealistas e os platónicos, enquanto defende um materialismo estrito, com argumentos que não podem deixar de ser metafísicos, quando diz, por ex., «o universo escolheu funcionar de um modo matemático e não do modo que os poetas e os físicos teriam desejado. Talvez isso seja lastimável, mas dificilmente se espera que um matemático o lamente.»   (Bertrand Russel - Ensaios Céticos).  

Aliás, na mesma linha de Galileu, quando este se refere ao grandíssimo livro da natureza escrito em linguagem matemática. Como se a linguagem, matemática ou verbal, ou outra, preexistisse ao homem, não seja criação sua e ele, meramente, a tivesse descoberto.  

As ciências da vida, dão-nos conta de que a vida é uma espécie de linguagem, com a sua estrutura e os seus códigos e redes de comunicação.  

O conhecimento é uma estrutura explícita de uma linguagem cuja estrutura é determinada, ou formatada, pelo nosso cérebro e todo o sistema sensitivo e cognitivo.  

As características do nosso pensamento, as formas como pensamos e como representamos a realidade e comunicamos, não foram, nem são escolha nossa, «nem do modo que os poetas e os físicos teriam desejado», para ironizar um pouco com B. Russel.  

Tanto quanto sei, a natureza (em sentido estrito, sem incluir o homem) não produz números, fórmulas, equações, cálculos, perguntas, palavras, signos, símbolos, formas geométricas, triângulos, etc., mas nós somos capazes disso e parece que até as estruturas mecânicas que somos capazes de construir têm sempre forma geométrica. 

 

Também, sendo a realidade contínua mas não conseguindo nós pensar de modo contínuo, as nossas representações mentais são fruto dos nossos sentidos, integrados no nosso sistema neurológico, fragmentárias, parciais e uma sucessão de instantâneos, que seriam outras se outras fossem as formas de “interacção, conexão” entre nós e o mundo. Basta pensar, por momentos, no que observa, capta, conhece, um cego de nascença, por ex., quando entra numa sala cheia de gente.  

E o que seria o conhecimento humano sobre o mundo se, por acaso, não tivéssemos olhos para ver. Onde se falaria em evidências?  

Nos tribunais, por ex., fala-se em audiências.  

A justiça aparece representada com uma venda nos olhos. Embora signifique que não deve ser influenciada nas suas decisões pelo estatuto social ou pelas características pessoais das partes no processo, também pode significar a necessidade de arbitrar sobre factos que não observou, nem observa.

Interrogo-me se temos possibilidade de pensar o todo, mesmo tomando como um todo apenas uma parte e, ao mesmo tempo, pensar as partes que o constituem. Somos capazes de analisar, mas parece que não temos capacidade para representar mentalmente uma síntese.  

 

A própria linguagem verbal, até a que usamos correntemente, atingiu níveis de abstracção tais que se emancipou das suas referências significadas e funciona muitas vezes como uma espécie de matemática, ou moeda fungível, através da qual se podem fazer jogos e trocas infindáveis e operações sem limite, com largos espectros de significação e sentido, sem deixar de cumprir os requisitos de validade lógica. 

O nosso equipamento natural, ou a nossa estrutura física, com os sentidos que possuímos e os recursos de racionalidade de expressão e de comunicação, mormente linguísticos, os códigos e o modo como tudo se processa no nosso organismo e nas redes neuronais individuais e sociais, em que estamos inseridos e conectados, têm as características e o potencial que têm e não outras, que desejássemos escolher.  

O que acho verdadeiramente notável e espantoso é a nossa aptidão para criar geometrias, números e relações lógicas, símbolos e signos que nos permitem representar a realidade e tratá-la como se ela fosse uma forma, um número, um símbolo, ou uma ideia e, tantas vezes, tomarmos estas nossas criações abstractas como características da realidade concreta e objectivada. 

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