sábado, 16 de janeiro de 2021

Quem estabelece o significado das obras?

A questão de saber o que é arte, quais são as artes, a que poderemos chamar obra de arte, o que é ciência, quais são as ciências, a que poderemos chamar produção científica, o que é a filosofia, quais são as filosofias, a que poderemos chamar obra filosófica, o que as distingue e o que têm em comum, é um problema muito produtivo e vasto e tentar obter respostas satisfatórias pode ser um enorme desafio.  

Neste momento, por exemplo, podemos perguntar se estas minhas considerações são arte, e qual, ciência, e qual, filosofia, etc..  

Responder a uma questão destas exige que disponhamos de critérios, sem os quais, as próprias questões carecem de sentido. Depois de estabelecidos esses critérios, e pode não ser fácil consegui-lo, estaremos em melhores condições para tentar responder às questões.  

O problema só existe quando o colocamos. Se não perguntarmos, não precisamos de responder e diante de um quadro diremos, sem dificuldade que se trata de uma obra, mas duvidaremos se é uma obra de arte. E não a confundiremos com as Críticas da Razão, de Kant, que diremos tratar-se de obras filosóficas e não duvidaremos de que não são a Física de Newton, a Teoria da Relatividade, de Einstein, ou o Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa, nem os Lusíadas, de Camões, nem estes com a Bíblia, ainda que a esta tenha sido outorgado, por uma comunidade religiosa, o carácter absoluto de livro de todo o conhecimento... 

Estamos habituados, pelo uso comum das palavras e das próprias obras, a identificar obras de arte como sendo pinturas ou esculturas, ciência como sendo conhecimento de aplicação técnica e prática, filosofia como sendo uma espécie de supremo tribunal da verdade, que problematiza e discute a realidade e todos os tipos de discurso, julgando-os, desde os dogmáticos até aos discursos do senso comum.  

O que é que a actividade de um pintor, quando pinta o quadro, e o quadro, têm a ver com a actividade do filósofo, quando reflecte sobre o quadro, a sua natureza, estética, valor? São actividades diferentes, com objectivos e intencionalidades diferentes.  

A pessoa pode ser a mesma e assumir a dupla função de pintor e de filósofo. Podemos supor que o Einstein, produzindo um quadro, ou um romance, ou um poema, ou uma tese filosófica sobre o alcance e valor do seu trabalho, aproveitasse esse suporte para apresentar e dar a conhecer as suas Teorias científicas. Não diríamos que o quadro, o romance, o poema, a tese filosófica, eram ciência, embora contivessem, por ex., as fórmulas das suas teorias científicas. 

Em todas as produções de artefactos, para não falar das artes cénicas e coreográficas e nos espectáculos gimnodesportivos e outras artes, independentemente de estarem incorporados em algum registo, código, linguagem, som, imagem, há o elemento físico e intelectual da comunicação.  

Esta comunicação não depende daquilo que o autor, artista, cientista, filósofo, músico... quis comunicar, ou quer comunicar, mas do que a obra comunica. Se o Einstein tivesse intitulado os seus livros de “Meus Poemas Científicos”, não seria por isso que ganharia o prémio nobel da literatura. Se o Cristiano Ronaldo ao falar dos seus golos declarasse que eles eram a explicação da origem do universo, ninguém iria dizer que ele fazia ciência. E se, depois de tocarem uma peça nova, desconhecida, o maestro perguntasse ao público pelo significado da música, a pergunta seria irrespondível. Existem imensas produções artísticas que não têm, nem podem ter, um significado, porque não funcionam ou, pelo menos, se não funcionarem, como uma linguagem.  

Quem estabelece o significado das obras, nem são as obras, nem são os autores. Se um pintor, um poeta, um futebolista, um músico, um filósofo, quiserem refutar, ou comprovar, por exemplo, as teorias da relatividade, terão de o fazer com ciência, e não com um quadro, um poema, uma jogada de bola, uma música, uma conjectura, ou teoria não científica, a menos que usem as obras como linguagem ou discurso científico, porque a actividade de refutar, ou comprovar, é uma actividade argumentativa e, se for sobre teorias científicas, além de argumentação abstractahá-de lograr demonstração empírica que sirva de fundamento a uma conclusão e a uma sentença do foro científico. 

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