domingo, 22 de agosto de 2021

A racionalidade dos animais

A minha teoria, passe a imodéstia (e já estou a lançar uma provocação) sobre a racionalidade e o início da racionalidade, que neurocientistas mapearão no caminho dos sistemas de cognição dos seres vivos até ao sistema de consciência, é que a racionalidade é um acto de consciência acerca de relações entre dois ou mais termos (representações), assumindo, ou não, valores. A maior confusão que existe, no que toca ao discurso sobre a realidade, seja cultural ou meramente natural (física), tem a ver com a ideia de que, por exemplo, o pensamento mitológico não é racional ou não é tão racional como outros pensamentos racionais. A minha teoria é que o pensamento humano, desde o início, é racional e que o racional, além de ser uma aptidão natural dos seres vivos, atingiu as proporções, ou a escala, ou o calibre, que tem no ser humano, pela capacidade neurológica deste em exercer essa racionalidade sobre termos abstratos, ainda que meramente imaginados, ou inferidos, numa teia sem fim. De modo que o pensamento racional não é por ser racional que merece credibilidade, ou que corresponde a factos. 

Mas temos toda a cultura e civilização para ilustrar esse fenómeno da racionalidade sobre dados falseados, ilusórios, viciados, fictícios, meramente hipotéticos.

O nosso problema não é a racionalidade, mas os termos, ou os dados, sobre os quais ela opera e o modo, mais ou menos condicionado, como opera.

A nossa racionalidade sobre os fenómenos naturais não é mais, nem menos, do que a racionalidade dos primitivos de pensamento mitológico, ou de que os contemporâneos de pensamento teológico-católico, ou astrofísico. Os termos, ou os dados sobre os quais se exerce é que são outros.

Daqui por uns anos, a nossa racionalidade não será considerada pior se alguém descobrir que tudo aquilo em que acreditamos, neste momento, é mero efeito do sistema cognitivo que temos.

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Aproximações à verdade XV

Hilário: o egoísmo é a lei que rege o humano

Amiga: tudo o que nós queremos é felicidade

Hilário: no momento de agir, nem sempre se pensa como deve ser

Amiga: haverá quem faça algo sabendo que isso lhe trará infelicidade?

Hilário: quando agimos é porque acreditamos que isso nos interessa

Amiga: mas muitas vezes chegamos à conclusão de que previmos mal as coisas

Hilário: Aristóteles, na Ética a Nicómaco, diz que "Ser feliz é uma actividade que requer toda uma vida e não pode existir em menos tempo"

Amiga: ou a felicidade de agora pode ser a infelicidade depois

terça-feira, 10 de agosto de 2021

Aproximações à verdade XIV

Hilário: o problema fundamental, na política, não é quem domina quem

Amiga: pensava que esse era o problema

Hilário: todos sabemos quem domina quem, isso não é novidade

Amiga: mas é um problema

Hilário: mas não é o problema maior

Amiga: então é porque quem domina não domina grande coisa

Hilário: ou que não domina algo maior do que si próprio

Amiga: isso é enganador porque quem domina escolhe o lado que mais lhe convém

Hilário: quem domina em ditadura, certamente, domina em democracia

Amiga: então o problema fundamental é o modo como se domina, democrático ou não.

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Aproximações à verdade XIII

Hilário: vamos ver se me faço entender quando digo que mente e corpo são o corpo vivo
Amiga: o ser humano, a mente, a consciência, são o corpo em que acontecem
Hilário: os físicos diriam que são manifestações da natureza, segundo leis físicas
Amiga: o homem é o seu corpo vivo, a sua massa de partículas
Hilário: é importante distinguir um corpo vivo de um corpo morto
Amiga: como é que isso se faz?
Hilário: todos sabem ver, mas eu não sei explicar
Amiga: o corpo vivo de uma pessoa é o local onde tudo acontece
Hilário: onde tudo o que acontece a essa pessoa acontece, não o que acontece às outras
Amiga: nada acontece à pessoa que não aconteça no seu corpo
Hilário: o corpo é a fonte, a origem e o fim, dos pensamentos e dos sentimentos
Amiga: mas apenas para o próprio, porque há os outros
Hilário: não basta explicar como é que as partículas se estruturam em sistemas que sentem
Amiga: como é que os átomos das pedras e da água e do ar começaram a sentir e a pensar
Hilário: é preciso explicar como é que a consciência do que fazemos se torna acto
Amiga: e assim sucessivamente
Hilário: explicar o arbítrio
Amiga: e a diferença entre arbítrio e livre arbítrio
Hilário: entre liberdade, arbítrio e livre arbítrio
Amiga: entre vontade e sentido do Direito
Hilário: explicar a responsabilidade
Amiga: explicar o dever e o direito
Hilário: explicar por que a racionalidade nos conduz aos limites
Amiga: nos conduz à verdade

terça-feira, 27 de julho de 2021

Otelo, o Oscar do 25 de abril de 1974

A minha juventude e educação religiosa católica, da época, não me permitiam simpatizar com revolucionários. Até o ensino da história, que nos era ministrado, por padres, ou seus apaniguados, ou outros que tais, grados ao regime (pude reconhecer mais tarde) tratava, quase sempre, os revolucionários e os rebeldes como Judas. Levei tempo a compreender que era fácil inverter os papéis, como eles faziam e tratar os revolucionários como Jesus.
A ordem estabelecida define sempre os rebeldes e os opositores e os contestatários e os insubmissos e os revolucionários, como um grande problema de “lesa majestade”, ou de heresia, ou de excomunhão, blasfémia ou de traição. Se essa ordem for rigidamente hierárquica, reage acidamente a qualquer atitude de desrespeito. Não reage com discussão de argumentos. O respeito, ou o respeitinho é uma estratégia ardilosa, mas muito eficaz para manter cada boneco no seu papel.
Hoje, pelo balanço que faço daquilo que Otelo representa e do papel que teve, nos contextos em que operou, mas sobretudo pelo que fez, por sua iniciativa e responsabilidade, considero-o um herói que tinha consciência disso e que desprezava, simplesmente, a caterva de carreiristas, de seguidistas e de camaleões oportunistas de que se viu rodeado, enfrentando-os, mas sem poder livrar-se deles.
De qualquer modo, Otelo seria capaz de pactuar com adversários?
Parece-me que o mal dele eram os adversários. 
Não há adversários perfeitos.
E nem os que pareciam segui-lo e pretendiam arregimentá-lo com promoções e “espólios” de guerra, deixavam de ser vistos como uma espécie de cobardes a quem dizia não.
Há pessoas que até na amizade veem uma forma de conluio indigno, de manipulação e de suborno incompatível com a rectidão e a probidade. É como se tivessem escrúpulo de serem desonestos e desleais e isso os impedisse de aceitar qualquer outro compromisso que não seja lutar contra os desonestos e desleais, ainda que lhes não tenham feito directamente qualquer mal.
Otelo parecia ter fobia a que, sequer, tentassem passar-lhe a mão pelo pêlo.
Assim, não lhe restavam alternativas. 
Do mesmo modo que não se pode ser equidistante de tudo, não se pode ser contra tudo.

sábado, 24 de julho de 2021

A presunção da justiça e a justiça da presunção

A justiça, de facto, é presunção que, umas vezes, corresponde à verdade dos factos, outras vezes, não. 

No que toca às prescrições não presuntivas, nomeadamente de crimes, gostava de saber se já houve algum processo em que o beneficiário (?) da prescrição, para tentar provar, senão a inocência, pelo menos a inconsistência, ou improcedência da acusação, deduziu oposição. 

Quando um arguido aceita, alegremente, a prescrição, não deixa de encorajar a que se pense numa presunção de culpabilidade, ficando por defender, senão a honra da inocência, pelo menos a da absolvição.

quarta-feira, 21 de julho de 2021

Os chico-espertos

Em Portugal, há uma cultura de chico-espertismo brutal, em que, se entras grande, tens de sair pequeno. Depois de morto, para proveito do mesmo chico-espertismo, podem sentir-se obrigados às homenagens póstumas do costume. Mas, aqui, já são os chico-espertos, que entraram pequenos e saem grandes.