quinta-feira, 22 de junho de 2017

Fogos-de-artifício

    
    Não faz sentido, é uma loucura, mas verifica-se que, quanto mais se investe em meios de combate aos incêndios, quanto mais tempo de antena, quanto mais palestras, quanto mais exéquias e solenes parlamentos, mais repetitivos e insuportáveis se tornam os fatalismos e os conformismos.
     Porque a minha memória de mais de meio século permite constatar que, todos os anos, chegam os incêndios/fogos florestais e chegam cada vez mais devastadores.
     Para um otimista, como é qualquer criança que acredita que os adultos podem resolver problemas, cada ano seria menos trágico que o anterior. Não foi isso que aconteceu. Mas a criança otimista continua a acreditar que, por alguma razão desconhecida, as coisas pioraram.
     A criança fica estarrecida mas encontra desculpas para os adultos que encolhem os ombros. No ano seguinte, repete-se todo o palavreado. Os incêndios brincam com toda a gente. Não faltam ideias para prevenir, mas o incêndio faz parte da tradição, tal como os foguetes, e pronto. A criança estarrecida deixa de acreditar naquela gente que vem lamentar os fogos e as mortes, etc..., e pensa que vive num mundo a arder, num inferno.
     O fogo não tem culpa, mas é possível imputar responsabilidades pelas consequências dos fogos florestais.

     Eu apostaria que, a manter-se a tendência, apesar da desgraça e do horror de Pedrógão Grande, ainda este ano as coisas não vão melhorar, porque, incompreensivelmente, para muita gente, os fogos florestais não passam de fogos-de-artifício.

domingo, 11 de junho de 2017

Filosofia e Ciência


À primeira vista e sem mais indagação, são as estratégias dialéticas de análise e síntese, que nos remetem para a diferenciação, tradicional, entre ciência e filosofia. Desde a filosofia do treinador de futebol até à filosofia da ciência, a capacidade de questionamento humano não conhece limites e chega mesmo a forçar os "cimentados" ou sedimentados limites da racionalidade. Este fulgor da filosofia, que ninguém nos tire, ninguém nos tirará. Esta verdadeira força (a juntar às outras forças da natureza), porém, é a mesma que anima a ciência. 
De certo modo, a comunidade de cientistas e de filósofos acaba sendo constituída por cientistas, cada vez mais filósofos e por filósofos, cada vez mais cientistas.
Da descrição dos factos às interpretações e à fixação de sentenças, pode ir um complexo processo de validação, falsificabilidade, monitorização dos próprios processos indutivos/dedutivos, com todo o tipo de implicações, não apenas científicas, ou filosóficas, mas ideológicas e de conceção/visão do mundo e do homem. Se a ciência se abstém destas implicações, já a filosofia, não só não se abstém como se ocupa delas preferencialmente.

domingo, 4 de junho de 2017

Insolências Superiores


É possível imaginar imensos cenários sobre escolas possíveis, ou até sobre inexistência de escolas. 
Se eu fosse criança não concebia e não queria escolas. 
Se fosse adolescente, concebia e talvez quisesse escolas de jogos e desportos. 
Como sou adulto amestrado e "conformado" com as realidades da vida (e sempre me fizeram saber que era um privilegiado, para que eu aprendesse, mas acho que não aprendi) lido com a realidade que tenho, por mais difícil que seja e...Por mais justificada que seja a organização e a classificação das pessoas (classificação numa sociedade "dita" sem classes), só o simples facto de odiar tudo isso exclui toda a possibilidade de sucesso e de felicidade e de concordância. 
As crianças, de hoje mais do que as de ontem, têm uma percepção de que assim é. As informações contraditórias, os deveres contraditórios, os objetivos contraditórios, e sobretudo as hipocrisias, provocam curto-circuitos nos cérebros, ou pelo menos nas inteligências e geram desconfiança, agressividade, frieza, ódio...

A justificação nunca poderá envolver um desmesurado sacrifício, sob pena de não se justificar. 
A primeira preocupação dos sistemas de ensino talvez devesse ser o respeito pelas pessoas e a atenção ao seu bem estar, alunos e professores. Colocar a tónica em aspetos disciplinares, muitas vezes para disfarçar incompetências, é velho de mais. O bem estar, não como um estado definitivo, mas como um objetivo prioritário, considerando que é um dos pilares construtivos por excelência e, já agora, dos mais pedagógicos e saudáveis. 
Mas, pensem duas vezes, parem de instrumentalizar as pessoas e de tratá-las abaixo de robots, fazendo-as amargar ao máximo o seu estado de dependência. Não coloquem ninguém em estado de dependência. 
Este é o pão nosso/vosso de cada dia. 
Este "parem" dirige-se às Insolências "Superiores", como é vulgar dizer-se, ainda hoje, neste tempo civilizado de Venerandos "Juízes" e "Suas Santidades". Ó acólitos, prosélitos, nefelibatas e quejandos, coloquem-nos num pódio, atribuam-lhes medalhas, laureiem-nos, como fazem às misses... Mas acabem definitivamente com esta aberração/humilhação.


sábado, 27 de maio de 2017

Ciência, crença, credibilidade


Pelo respeito e pelo interesse que merece a ciência (conhecimento e artes e competências, em geral, são daquelas "coisas" que não se compram, ou se têm ou não e não há dinheiro que nos emposse de talento como nos empossa de roupa), preciso dizer que a ciência não está a sufrágio popular, nem qualquer outro e que ser cientista não é uma questão de votos. Aquele nojo que as campanhas eleitorais causam com a pedinchice de votos e todos os trejeitos e tiques de proselitismo dos candidatos, para verem legitimado o seu lugar no poder, felizmente, não faz parte do universo da ciência e o povo há-de aprender que o poder da ignorância só dá prejuízo.
O poder da ignorância é, por exemplo, viver de acordo com o critério do interesse pessoal. Do tipo, "o que não me interessa, ou, o que não interessa, não vale".
À primeira vista, este critério parece salvar tudo o que importa e substituir todas as discussões sobre escolhas, mas só a ignorância consente numa aparência destas.
O partido da "crença" foi, é e será, enquanto e tanto quanto formos ignorantes, o maior partido da humanidade.
Crença, não em qualquer coisa, mas em algo que acreditamos, na medida dos nossos interesses (instinto de sobrevivência?).
A discussão não é sobre os fundamentos da crença, mas sobre os interesses da crença. Está aqui envolvido um sentido prático e uma racionalidade pragmática que são uma fortaleza daquelas que não se construíam, nem antigamente.
Curioso é que a ciência, quanto mais se apresenta como a solução, como a infalibilidade (Deus) que foi retirando à infalibilidade religiosa, tanto mais contestação e desconfiança vai gerando.
Chegados aqui, ocorre dizer que não basta à ciência ser ciência para ter credibilidade. As pseudociências, não sendo ciências mas parecendo, às vezes, têm mais.
Ou seja, o problema da ciência como crença é um falso problema ou um não problema. O problema é, sobretudo, de crise de credibilidade da ciência.
Não de credibilidade enquanto conhecimento que, em geral, não é questionado, mas de credibilidade enquanto instrumento, que está nas mãos de quem tem interesses que não coincidem com os interesses dos outros.
Ciência, religião, futebol, partidos políticos, quanto à questão dos interesses e da credibilidade, jogam num campo, quanto à questão da crença e do conhecimento, jogam noutro.
Os adeptos que fazem claque num dos campos, podem ser adversários ou inimigos no outro.
A complicação surge sempre que nos pomos a falar de ciência e crenças sem definirmos previamente os planos e os pressupostos, ou os termos, da discussão.
A crença, como dimensão do conhecimento científico, não é o mesmo que a crença religiosa, a superstição, a astrologia.
E, em geral, parece-me que a força das crenças depende muito da credibilidade.

Se a tua crença é credível, se merece confiança, seja pelos resultados, seja pelos valores envolvidos, o mais provável é que não a abandones, porque ela serve os teus interesses.

terça-feira, 16 de maio de 2017

Fundamentos civilizacionais


É importante que tenhamos consciência de que conhecimento científico se distingue do conhecimento vulgar ou senso comum e que esta distinção não é apenas de grau. Em muitos aspetos o conhecimento científico é paradoxal e contraditório relativamente ao senso comum, o que dificulta/impede a vulgarização do conhecimento científico. Este apela, exige, uma formação, disciplina, que não se compadece com saberes de audiva. Por outro lado, a motivação para a formação, em geral, depende de muitos fatores e, entre eles, a curiosidade/interesse, até não será o principal.
Os casos de paixão, seja pelo conhecimento, seja pelas artes, seja pelas vertentes da vida, em geral, também são, paradoxalmente, pouco conhecidos.
Em termos de conhecimento científico, pelo menos, a paixão, supostamente.
Aparte estas questões, os desafios prefiguram-se imensos, até para quem ousar empreender um percurso científico, quando estamos inseridos e mergulhados num universo regido por culturas, ideologias, políticas e religiões, que são o "modus vivendi" natural e relevante, que têm o conhecimento científico na conta de especialidades herméticas.
Se ganharíamos em ter mais pessoas envolvidas e dedicadas à ciência? Quantas mais melhor. O que poderá ser feito para cativar pessoas para a ciência?
Atualmente vive-se uma crise de vocações em todas as áreas, todos se queixam, a começar na igreja católica com falta de sacerdotes e a acabar na política, com falta de candidatos idóneos.
Historicamente, se não me engano, o poder económico tende a "ditar" os rumos, de sacerdotes, políticos, cientistas, filósofos, artistas...
Mas há valores que, em determinados momentos históricos, sobrelevam ao poder económico opressivo e obscurantista, que se reclamam da luz, da inteligência e da liberdade, que agregam sociedades e fundam civilizações.
O conhecimento científico é apenas um deles, que convive e emparceira com fundamentos/projetos ideológicos, mais ou menos operacionalizados politicamente e com religiões cujos fundamentos/cânones se revelam suficientemente representativos para que lhes seja reconhecido um estatuto de legitimidade que rivaliza largamente com qualquer formação político-partidária.

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Iluminismo, democracia, educação


Até podemos ter iluminismo e razão e entendimento, em suma, ciência e ideologia, mas se não tivermos vontade e ação orientada pelo Direito, enquanto princípio normativo de ação e critério de sanção, para valores comunitários, gregários, vinculativos, éticos, justos, nem a democracia, nem a ciência e ideologia evitam o caos e o absurdo.

A educação para a democracia é uma educação para valores de convivência, tolerância, aceitação, na liberdade das diferenças. Mas a democracia tende a legitimar o domínio, até irracional/pelas piores razões, de interesses que se fazem (podem não ser) prevalecentes numa sociedade. E o que as pessoas concluem, basicamente, é: se a democracia não serve os nossos interesses, não serve. E quem diz democracia diz outro regime, forma de governo, partido, religião...A menoridade, o paternalismo, toda a retórica em torno do "dever-ser" que não é, do poder-ser, que não pode, do querer-ser, que interessa àqueles mas não nos interessa a nós, são "ideais" que alguém pode, de algum modo acalentar, mas a realidade, a tal que interessa à ciência, não se compadece do que interessa a A, B ou C. O “ser” é o que não interessa. O que interessa é o resto. Por falar em retórica, estamos cada vez mais submersos pela retórica, dos políticos que têm ouvidos e boca, mas não têm cérebro e também daqueles cientistas que são boas arrecadações/compêndios de ideias feitas e de tabelas e de nomenclaturas e de fórmulas, mas que não têm inventividade para extrair da informação os corolários necessários. Vivemos num tempo de estilização, estereótipos, padronização e reprodução automatizada/estandardizada, supostamente para nos facilitar a vida e a morte, mas mais esta. De qualquer modo, a educação dificilmente desempenhará o seu papel "iluminador" se não for algo mais do que instrumento de domesticação, seja em nome de que deus/"must" for.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Ciência e religião


Não sei quem foi a primeira pessoa que teve a ideia de deuses como entidades antropomórficas...Mas admito que tenha sido o primeiro "cientista", com o tal cérebro que "vê" da única maneira que sabe.
A demanda de explicações é a essência da ciência.
A demanda de deuses é a demanda de explicações.
Para que um deus explique, necessário é ter sido encontrado.
Parece que foram encontrados muitos deuses que serviram de explicação para muitos fenómenos.
Parece também que foram encontradas explicações, deuses, contraditórias ou, pelo menos, não compatíveis. Essa era a ciência disponível para o cérebro que havia. Estava tudo em ordem com a evolução, com a natureza, enfim, com a realidade. Nem a evolução poderia ter feito melhor, nem a natureza, nem a realidade.
As explicações eram as melhores e as mais inteligentes.
Mas este é o problema das explicações. São sempre as melhores e as mais inteligentes, em cada momento e em cada lugar.
O que não significa que sejam boas.
Por exemplo, atualmente, as explicações da ciência são as melhores de sempre. No entanto, só explicam o óbvio e não explicam o que não sabemos, que não é óbvio.
Deuses e Deus não são óbvios.
O menos óbvio é "por que acreditam as pessoas naquilo que não é óbvio"?
O mais óbvio é "as pessoas acreditam naquilo que veem, mais facilmente do que naquilo que lhes dizem".
Mas Deus é uma construção da inteligência, tal como a ciência e todo o conhecimento. Não quer isto dizer que a inteligência, ou a ciência, ou o conhecimento "criam" Deus ou as coisas. Quer dizer, por exemplo, que fazem o sentido necessário e suficiente, ou têm a coerência, para merecerem atenção especial, para além da mera hipótese de trabalho.
Com efeito, a ciência, sob pena de se negar e contradizer a si própria, nunca se imiscuiu na questão de Deus enquanto entidade "construída" pelo homem.
É certo que a ciência pode e deve investigar se e que "construção" é essa. Mas, na atualidade, quando a ciência procura as origens, já o faz, assumidamente, não em busca de um deus, mas em busca de uma causa desconhecida.
A incompatibilidade entre ciência e religião pode estar em vários aspetos, mas não me parece que seja ao nível do conhecimento.
A religião é uma realidade que a ciência estuda até onde pode e sabe.
A ciência é uma realidade que a religião estuda até onde pode e sabe.
A incompatibilidade, não sendo ao nível do conhecimento, a existir, é de ordem normativa e moral.
A religião é um sistema de crenças, não simplesmente de ordem moral, baseado na ética do bem e do mal e respetivos sentimentos, mas não só.
A religião não existe com vista à investigação, mas com vista à santidade, numa perspetiva que nada tem a ver com o "interesse" do indivíduo enquanto animal, porquanto sobrepõe ao próprio interesse, valores que considera transcendentes (um ignorante, um burro, um louco...pode ser santo, enquanto um sábio, um inteligente, um lúcido, pode ser renegado).
Neste aspeto, pelo menos, a incompatibilidade pode ser total. O juízo científico e o juízo religioso não só não têm de coincidir como, aliás, o ótimo "científico" pode ser o péssimo "religioso" e vice-versa.

domingo, 5 de fevereiro de 2017

Poder, ciência e valores


É o poder, são os poderes, as políticas, a vontade dos homens que podem, que têm e detêm o poder económico, financeiro, militar, que estão em crise. A ciência e os valores universais da justiça, da liberdade, da igualdade, da solidariedade, dos direitos do homem, incluindo o direito a um ambiente saudável, não estão em crise no sentido de já não serem o que eram, princípios de racionalidade incontroversa, que guiam ou nos ajudam a fazer escolhas. 
Pode-se dizer que a crise dos poderes tende a "culpar" estes valores, quando, na realidade, é desencadeada pelo facto de estarem a ser "julgados" por eles.
Vejo razão para optimismo nesta crise dos poderes, pese embora o perigo sempre iminente de vermos e sofrermos os efeitos violentos dos seus estertores de morte.
Aliás, vejo razão (e não adeus à razão) em tudo que está a acontecer.
É preciso não confundir poderes, políticas, vontades, ações, comportamentos, acontecimentos, com valores e com ciência. 
Os valores e a ciência, como tudo, em geral, estão numa dependência inelutável dos poderes e da vontade de quem pode. Isto tem sido a fonte das maiores tragédias e infâmias da humanidade. A esperança reside na capacidade que tivermos de controlar o poder, pelos valores e pela ciência.
Durante algum tempo ensinaram-nos que era isto que estava a acontecer e iria acontecer. Temos vindo a verificar, não com muita surpresa, diga-se de passagem, que os suspeitos de sempre, subverteram habilmente o sistema, ao jeito de sempre.
Parece que a ciência das escolhas, não por culpa da ciência, obviamente, é o que está mais longe da mente daqueles que assumem (?) e que estão, em primeira linha, investidos da responsabilidade de "escolher" e decidir o melhor para a sociedade, ou seja, os políticos.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Efeitos perversos da democracia


A democracia está a ficar muito estranha. Diria até, muito antidemocrática. 
Com maiorias simples se arrumam definitivamente assuntos da maior relevância 
para países e comunidades de países (pense-se no Brexit e no Trump). 
Dá-se mais credibilidade e relevância a mecanismos eleitorais do que importância às opções 
ou à importância das opções. 
Afinal, os partidos de direita têm vindo a crescer porque os pobres confiam mais nos ricos 
e preferem-nos? 
Se é assim, será por falta de partidos capazes de representar os pobres? 
Eles são, cada vez mais, a minoria e, ainda assim, ganham eleições. 
Que é que se passa?
Como podemos esperar que os ricos governem? 

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Idílio para uns, tragédia para outros


«Não há Verdade onde a vida e a história é idílica para uns e trágica para os outros todos. Enquanto houver quem o não perceba e respeite, continuamos na pré‑história. Na sua crueza, e injustiça, é esta a questão da humanidade. Por muito que as ideologias e as regras da civilização dita ‘global’ andem a convencer o mundo do oposto. E esta busca de verdade começa em muito a nível individual, mas só se torna eficaz quando a constelação de convicções que gera se volve em crença de uma comunidade, em paradigma, motor de adaptação e evolução.» Do prefácio do último livro de Sebastião Formosinho, "A Esperança, Utopia impossível?: da insatisfação como via do (que podemos) conhecer, e esperar, e devir", em co-autoria com J. Oliveira Branco

Como é tão difícil compreender e aceitar e praticar o que, tantas vezes, é evidente? Que regras ou forças nos impedem, ou constrangem, ou desaconselham? Em que sistemas de "persuasão"/alienação, estamos imersos, que não deixam alternativas? Por que é que as verdades, a verdade, parece ser sempre mais difícil de se "aplicar"? E estamos a viver no séc XXI, depois das luzes.
Não me refiro apenas à verdade do ser. Também a verdade do dever-ser parece chocar, em muitos aspetos, com aquela e querer anulá-la. Mas aqui, destaco o "querer", a vontade, na medida em que prescinde de tudo e se erige em último critério de todas as coisas: o indivíduo, o individualismo, o egoísmo, a loucura, o pessimismo, não carecem de outra racionalidade que não o próprio capricho, o refúgio mais enganador que as drogas...
Penso que o pessimismo é consequência do individualismo/egoísmo/capricho e que o otimismo não existe senão numa visão, sentimento, perspetiva, coletiva, social.
Aquele é autofágico, não sobrevive a si mesmo.
A promessa dos sistemas políticos de que o melhor para a sociedade se alcançaria fomentando o egoísmo/individualismo, colonizando o indivíduo, está cada vez mais longe de se cumprir, talvez porque, levado a extremos, o individualismo aniquila o próprio indivíduo, retirando-lhe sentido e sentimento social, esvaziando os valores sociais.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Produtividade


Uma coisa é a produtividade enquanto conceito, enquanto rácio entre quantidades, por exemplo, de produção física e unidade de trabalho, ou unidade de capital…ou de valor da produção e quantidade de fatores, sempre numa perspetiva do custo (preço), em cada momento. Neste caso, a produtividade depende dos valores disponíveis para cada um dos termos da relação. Estes valores são encontrados através de registos, de um determinado período, como por exemplo o PIB. 
Associar a “bondade” da produtividade, sem mais, ao crescimento económico, é algo perverso, porque este pode ser obtido à custa de sacrifícios desproporcionados…
Outra coisa é a produtividade enquanto realidade (mensurável ou não), que pode ser maior, menor ou igual, à de diferentes períodos e que, ainda assim, varia de setor para setor e de ramo para ramo… Mas, em geral, só conta com “ganhos/perdas de eficiência” empresarial, quando há ganhos/perdas de eficiência das famílias e das instituições, em múltiplos níveis e não apenas dos custos.
Em ambos os casos estamos a falar de quantidades, independentemente das qualidades e nem sequer estamos a falar de melhorias ou piorias.
Em termos de valor acrescentado, não podemos ignorar, por exemplo, que o acesso aos computadores e à internet veio revolucionar a relação dos consumidores/famílias/particulares, com os outros agentes económicos, e também o modo como resolvem inúmeros dos seus problemas de autoprodução /autoconsumo.
Infelizmente, não será para breve que os humanos deixarão de trabalhar. Digo infelizmente porque bom seria que o trabalho fosse feito por robôs e os humanos pudessem viver para a especulação, a conjetura, a investigação, as artes, o desporto, o amor, a justiça, a paz. 
Para além destes, não é fácil vislumbrar domínios em que os robôs não sejam melhores do que nós a fazer o que lhes ensinamos.

Entretanto, não é de esperar que o crescimento e a produtividade ocorram em cenários de uma concentração dos rendimentos que ultrapasse os limites críticos do consumo, abaixo dos quais aqueles não podem ocorrer. 
De resto, e considerando que existem mecanismos e sistemas de medida e controle das quantidades/tipos de riqueza e respetivas apropriações/distribuições, tudo acabará por ser apenas um problema de cálculo em busca da máxima rendibilidade possível, sim, possível, com mais ou menos robôs.

Carlos Ricardo Soares

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

A virtude do vício e o vício da virtude


  Vamos sendo viciados. 
O vício, como antónimo de virtude, não me interessa. 
Pode-se ser viciado em virtude? Penso que sim.
O vício da virtude não deixa de ser um vício. 
Então, qual a diferença entre a virtude do vício e o vício da virtude? 

sábado, 10 de dezembro de 2016

Fins lucrativos

Os fins lucrativos...Não é que justifiquem coisa alguma, mas são a charneira do capitalismo, justificados pelo capitalismo enquanto modo de produção que tem tido uma história cujas coerências, até "há pouco", sobrelevavam as incoerências. Refiro coerências como poderia dizer lógica do jogo, ou lógica dentro de um universo. A atenção dos agentes económicos está e "não pode" deixar de estar "presa" a tudo e quase só o que é susceptível de lucro. Existe outra coisa?-pergunta o jogador.
As humanidades (direito, ordem, segurança, filosofia, educação, antropologia, história, ciência da religião, arqueologia, teoria da arte, cinema, dança, teoria musical, design, literatura, letras, filologia, etc.) estão para as outras ciências, de algum modo, no que respeita a lucros, como o campo está para o agricultor e os oceanos para o pescador.
A democracia e a plutocracia são duas faces da realidade atual, a pobre a quem é concedido sobreviver mediante vassalagem e a rica que se louva nas virtudes da pobre.
Se porventura houvesse investimento nas ciências humanas, que de longe se parecesse com o que tem sido feito nas outras ciências/tecnologias (que também são humanas, obviamente), e nem precisava de ser aproximado do que se faz, por exemplo, no futebol, acredito que todas as causas da humanidade perdidas nos últimos séculos, incluindo guerras, teriam sido ganhas no tribunal do conhecimento. Mas a cegueira ocupa o topo da hierarquia dos poderes, não por mérito de visão, mas por inerência da cupidez...e dos fins lucrativos.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Perspetivas críticas


Não vou alargar-me em considerações, mas louvo a análise que é feita com abertura de perspetivas críticas.
Todas as estratégias e metodologias para ensinar padecem do mesmo vício, qual seja o de, eficientemente, quererem "levar" o aprendiz a saber, fazer, reproduzir, determinadas matérias que lhe são alheias.
Há em tudo isso uma violência, que alguns louvam, mas que uma boa parte, preferia não ter sofrido.
Sempre (sempre) no pressuposto do interesse do próprio, submete-se o indivíduo, não apenas a uma visão (religião, ideologia, crença), mas também a uma condição inelutável de "estar sujeito".
O haver "um preço a pagar para..." já é uma situação de privilégio. Abandonada a pedagogia da palmatória e do chicote, nem por isso se deixou de recorrer a instrumentos de persuasão, de coerção e de humilhação e de castigo.
Em geral, assiste-se, hoje, a uma culpabilização da criança e do jovem, primeiro, por viverem à custa de alguém, nomeadamente dos subsídios para a sua formação (obrigatória).
É óbvia a dificuldade de lhes imputar responsabilidades pelo que quer que seja. Sê-lo-ia se fossem adultos, muito mais por o não serem.

É toda uma filosofia e uma concepção sobre a natureza do homem e os processos de socialização/aprendizagem, que subjazem ao paradigma educacional atual, que vale a pena questionar e pôr em causa.

sábado, 26 de novembro de 2016

Máquina de dinheiro


O mercado, e não apenas o mercado de trabalho, enquanto oferta e procura a determinado preço, é uma das formas possíveis de um sistema de trocas e está condicionado pelos poderes no mercado.
Seria bom que o mercado fosse um factor de justiça e de desenvolvimento e nunca o contrário. Verificamos que há muitos mercados e que uns interferem nos outros, nem sempre no bom sentido. Se os mercados fossem mercados de mercadorias propriamente ditas, de bens e serviços, já seria difícil assegurar a liberdade de mercado.
Mas como os mercados se sublimaram em "mercado" do dinheiro, sendo este o grande e indomável estruturador dos nossos tempos, o ponto de dependência, crescente, dos mercados relativamente às estruturas financeiras, subverte o sentido corrente da palavra mercado, esvaziando-a, porque um mercado de dinheiro, nem em sentido metafórico, é um mercado.
Então, vou pensar na hipótese, que me parece promissora, de o dinheiro acabar e de, nem por isso, diminuir a quantidade de bens e serviços.

sábado, 19 de novembro de 2016

Para ser científico


Sou contra  todas as tentativas de "imposição" de crenças, religiosas, científicas, filosóficas, ideológicas... Mas o que é mais corrente é isso: todos, desde os ateus aos cépticos, não param de tentar "expandir" a sua fé. 
Na ciência é a mesma diligência. E por aí fora. 
Mas eu sou contra isso, porque sou preguiçoso e não me preocupo com a sorte das pessoas após a vida. 

Preocupo-me com a sorte dos vivos, tanto daqueles que são vivos de mais como daqueles que são vivos o suficiente para viverem à custa dos menos vivos, ou dos mortos.
A minha preguiça tem a ver com isso, com a preocupação que tanta gente que me não conhece tem por mim. Eles são escritores, poetas, cientistas, papas, políticos, militares, médicos, professores, juízes, polícias, cantores, construtores de automóveis e de aviões, farmacológicas, etc., etc.. 

Habituado, como estou, desde que nasci, a ver tanta gente envolvida em "guerras" e em "pazes" por minha causa, deixei de me preocupar. Afinal, não preciso de me preocupar. 
Mas preocupo-me porque quero paz e liberdade, não quero que me forcem a ser feliz, não quero que sejam infelizes só porque eu não me vou salvar.
Enfim, a minha preguiça não vai tão longe que eu não queira dialogar. 

Então, sempre que me aparece um artista, um cientista, um "iluminado", um político...que me quer salvar, eu agradeço e peço apenas uma coisa em troca de ouvir: que me deixem falar tanto quanto os ouça. 
E marco no relógio. Para ser científico. 
Assim, eu tenho alguma certeza de estar de igual para igual.