segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Entre o mar e o monumento

De um lado o mar
Do outro um monumento
Agitado
Como eu deste lado
Sem memória
De termos sido vencidos
Percebo que a antiguidade
É um problema insolúvel
Até o futuro é mais previsível
Mas as ondas e o vento
Não se calam
Ouço os ecos
De tenebrosas falas
E provo o sal de lágrimas
Que ainda são choradas
Não sei por que promessas
Quebradas
Que a brisa embala
Até ao adormecimento
Que se abate sobre o mar
Como dor herdada
Sem direito ao esquecimento
Nada substitui um corpo que sente
Porque o corpo que sente
Não substitui o corpo que pensa
A língua que lambe as ausências
Como se elas matassem a sede
Entre o mar e o monumento
Eu sou ambos
E pairo
Sem razão
E sem balança
Com tréguas a leilão
Ante o invisível que fere
E um excesso de memória
Que sente que se perdeu
À mercê do que pensa
Que não basta ter uma alma
Para ser imortal
É necessário um corpo
Com uma fala
Que não caiba no silêncio do sepulcro
Um cadáver cujo significado
O ressuscite
Para uma vida que não é sua
Metamorfose que não nos espera
Porque o corpo não sabe
Aquilo que a alma era
E nada há mais simples
Do que a poesia
Quando tudo o vento levou.
Carlos Ricardo Soares