quinta-feira, 9 de março de 2023

Não alimento mitos

Não te encontro defeitos

amor

mas a vida é imperfeita

por vezes bela

atordoa

estonteia

a aconchegar dois animais

que não cabem dentro de nós

que farejam tudo

e a miragem

na sua humanidade.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

As casas

Havia uma casa no nascente

donde esvoaçavam pássaros

aos raios de sol

pelas manhãs

à passagem da padeira

com sua voz de manteiga

enevoada

a atravessar o rio

num ligeiro batel

e isso era apenas uma parte

da vida nesse lado verde do mundo

dos incansáveis

também havia uma casa no poente

onde se recolhiam as sombras

das tardes

as fadigas desajeitadas

quando a última locomotiva

vinda de muito longe

entrava a roncar

no escuro

com um farol baço de mineiro

e fazia estremecer o cemitério

sem acordar as flores

em sono profundo

junto à linha.

 

sábado, 11 de fevereiro de 2023

Caminhar sem ver para onde

Na hora de dormir

olhei para as estrelas

e suspirei de preocupação

tinha a vaga ideia

de aquele lugar escuro

ser numa serra

afastada do mar

mas ouvia rebentações de ondas

e rajadas de vento uivante

nas árvores que vergavam

e pensei nas histórias

que ouvi na noite anterior

na taberna

junto às ruínas da ponte

acerca de pessoas desaparecidas

no desfiladeiro dos lobos

onde não há sinais de abrigo

nem trilhos visíveis

fiz de conta

fingindo de monstro

para assustar feras noturnas

e parei com muito cuidado

para não por os pés em falso

era muito arriscado

caminhar sem ver para onde.


domingo, 29 de janeiro de 2023

Paraísos terrestres

Paraísos terrestres

Querer elevar o corpo

Como se tivesse uma alma

Que lhe desse asas

Que o ajudasse a suportar

O peso

Que um pássaro tem

Para descer à terra

E sentir o chão debaixo dos pés

Não ser levado pelas nuvens

Não ser arrastado pelas correntes

E pousar

Oh como é bom pousar

Nos paraísos perdidos.

 

terça-feira, 24 de janeiro de 2023

O princípio da igualdade jurídica

O princípio da igualdade jurídica, que atingiu pleno reconhecimento ao ser entendido como a essência da Ideia de Direito, que tem estado no cerne do sistema normativo do Estado de Direito Democrático, não se confunde com o conceito de igualdade geométrica, ou química, ou física. Justamente, ela emana do reconhecimento de que não há duas pessoas iguais e isto é muito interessante: a igualdade é o reconhecimento e o respeito da diferença, ou seja, a diferença jamais poderá ser razão de discriminação, sob pena de ninguém ter direito a não ser discriminado, o que seria o caos.

Em meu entender, esta foi a grande clarificação que se fez, desde os gregos atenienses até ao cristianismo e que veio a culminar politicamente nos iluministas franceses.

E não colide nem é hostil à desigualdade de estatuto social, desde que esta desigualdade deva ser respeitada, como devem ser respeitadas as diferenças.

O problema é quando o próprio estatuto social é já efeito da institucionalização de uma cultura de tratamento desigual, de indivíduos, de grupos, de populações, de povos...

sábado, 21 de janeiro de 2023

Natureza e cultura

Diria que, por natureza, nada é bom ou mau. Estes são atributos dos atos humanos entendidos numa escala de valores que são produto da cultura. 

Todo o homem, à luz desta escala, é suscetível de praticar atos bons ou maus. Não se nasce bom, nem mau, mas cada um pode tornar-se bom ou mau e isso não depende apenas de si, ou apenas da sociedade, uma vez que o modo como irá realizar a sua participação no "jogo" social depende de regras que requerem aprendizagem e treino e que, em grande medida, é feito na base de uma batota muito sofisticada.

 

sábado, 14 de janeiro de 2023

O prazer de escrever

Às vezes ainda me pergunto sobre o que me faz intervir com "likes" e comentários, seja em blogues, seja no "facebook". O aparecimento da internet, quanto a isso, veio potenciar imenso o que, para mim, já era um modo de estar na vida.
Em vez de escrever num caderno aquilo que me ocorria, ou de publicar num jornal ou revista, passei a escrever "online" e a experiência foi sendo estimulante e enriquecedora. Em alguns casos poderia ter sido mais interativa, mas depressa percebi que esse caminho não era o meu.
Os meus objetivos foram e continuam a ser um desenvolvimento e um aprofundamento de questões, temas e problemas que me surpreendem quando menos espero, nos quais entrevejo uma perspetiva ou um ângulo promissor.
Não procuro a discussão, nem o debate, nem ser assertivo, nem rebater e não me preocupo com proselitismos de nenhuma espécie. Se for para estar de acordo, se for para dizer amém, se for para parafrasear, não escrevo uma palavra, porque o meu objetivo não é esse.
Divirto-me imenso a escrever e leio e releio o que escrevo, para tentar certificar-me de que não estou a chover no molhado.
Escrever absorve demasiadas energias e demasiado tempo para que o faça só para não estar quieto e calado. É, no meu propósito, um investimento. Acredito nas vantagens de o fazer.
Com o passar dos anos e com o acumular de textos sinto cada vez mais fecunda esta disciplina de organizar as ideias agarrando-as como peças de um puzzle, ou, preferencialmente, como peças de legos, que permitem fazer combinações sempre novas.
Há situações em que os sábios se sentem incomodados se alguém ler o que escrevem e, mais ainda, fizerem algum comentário. Dão a entender que devemos deixá-los a "falar" sozinhos. Mas não podem decidir também sobre o tipo de comentário que aceitam que se faça.
Não ligo a isso, não é assim que funciono e, assim que me dispo do jargão, profissional e burocrático, escrevo como um compositor ou um maestro que tenta dirigir uma orquestra, de autores, para fazer um concerto que seja o menos aborrecido possível.
Por prazer e divertimento, sem constrangimentos, exercendo ao máximo a liberdade de pensar, sem nenhum compromisso com ninguém, a assistir ao surgimento dos frutos que, investir no pensamento crítico, pode dar.