sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Estrada

Encontrei uma estrada

Que estava perdida

Que ia de um lado para o outro

E não saía daí

E só então percebi

Por que estava abandonada

A razão de ninguém seguir aquela estrada

Era que ela não levava a nada

E eu quis que essa estrada fosse minha

Como já alguma vez pensei que era

Para um mundo que tivesse sido criado

Só para mim porque sim

E dado assim

Para que eu pudesse fantasiar

O porquê de ter sido abandonada

Antes de saber o que é ser abandonado

Um poema que fosse a resposta ao desejo

De encontrar o fim

Desse poema ainda inconsistente

Que é fundamental escrever

Que é urgente concluir

Mas como? Mas qual?

Se a estrada continua para o desconhecido

Se o poema não resolve a ânsia

E torna maior a dor

Da distância donde vim

Até ali

E não torna menor a dor

Dali

Para diante

Por nada e sem nada

Cada vez mais sem nada

Porque encontrei

Uma estrada.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Se ao menos

Se ao menos fosse cavaleiro pela neve

Sem saber a hora nem o dia

Se ao menos fosse o passo ou a neve

Que pensamento seguiria

Sabendo apenas que a beleza morde

Como um lobo salta para as gargantas?

domingo, 4 de dezembro de 2022

Felicidade dos bichos da fruta

Dizer que me fazes tanta falta

Que muitas vezes me recolho ainda

No pomar onde me surpreendias nua

Quando andava a estudar a felicidade

Dos bichos da fruta

Sem fazer ideia de quem tu eras

Te tomava por uma depravada astuta

Destapando-se maliciosamente

De entre as videiras

Atravessando-se nos meus olhos incrédulos

Que te fixavam

Como ofegante me apressava para ti

Dizendo espera espera

Enquanto desaparecias

Furtando o sexo ao meu desejo

E eu ficava com as uvas

E o sol

Em todas as partes que tocava

Projetava a tua sombra.

 

sábado, 19 de novembro de 2022

Falar idiota

Os estranhos sentidos das coisas transformadas

Em sombras de outras coisas

Que não foram

Em barcos ancorados sobre o dorso

Que alguma vez tiveram

Quando foram nadas

Ou apenas eram

Desejadas

Estranhas ilusões

Que nos povoam realmente

E nos percorrem

Como se fossemos estradas

Que deixamos para trás

Porque não imaginamos

Que viriam sequer a existir

De uma forma que está longe

De ser a melhor possível

De alguém sentir outonos

Ou falar idiota.

 

terça-feira, 15 de novembro de 2022

Sensacional


O hábito ao que é sonante

E ensurdece

Ao que destoa e preocupa

Ao ruído esgotante

Às ladainhas e às rimas

Ao esquerdo direito

“Up” is...

Esquerdo

Como um rio murmurante

Que fica para trás

E se ouve constante

Ao que é doce

E viciante

Ao se não é

Que fosse

Comediante

À espoleta do relógio

E ao monólogo do lente

Entediante

É uma azáfama

Frustrante

E por aí adiante.

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

O poeta é o criador das musas

Sem pretender acrescentar um chavo ao que se tem dito e escrito sobre poesia e poetas, não resisto a expender algumas notas sobre uma matéria que sempre tive no centro dos meus circunlóquios, não apenas para escapar a uma força centrípeta insuportável, mas também para não me perder em coisa nenhuma, porque, sem poesia, a função da vida é muito mecânica e, com poesia, pode ser menos satânica.
De modo que o poeta, se constrói memórias, é sem o saber e evita essa cilada que o tempo coloca no caminho de que reflete e sente o que lembra e pensa isso tudo de um modo que não é de todo inocente e ingénuo e "naïf".
O poeta desconstrói memórias, dele e dos demais, do que aconteceu fora e dentro do seu mundo, como se elas desconstruíssem os mundos, interiores e exteriores, de tal modo que ele não encontra o seu lugar, por mais que lho reservem.
O poeta é desconstruído pelas memórias, que tem, que perdeu e que não foi capaz de reconhecer, como um corpo pelo oxigénio em que arderam as suas células.
O poeta é o criador das musas que o enjeitam e julga saber disso, até certo ponto.

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Se o coração falasse

Esteja onde estiver

Faça o que fizer

Pense o que pensar

Diga o que disser

Tenha o que tiver

Sinta o que sentir

Está onde não estou

Estou onde não está

A pedra a ouvir

Se o coração falasse

Diria mil poemas

À tentativa de possuir

Outros mil ao sentir

A falta

Muitos mais ao engano

Que há nisso tudo

E no que falta sentir

Que nunca é de mais

Se for beleza

Por mais que confunda

A céu aberto

Até o desejo doer

Na cava profunda

Da sombra suave

De castelos de areia

Diria mil tolices

Às flores por perto

Sem fazer ideia do tempo

Sem sepultura

A voltar para trás

Aos gritos

Para fazer a vontade

Aos versos aflitos.