"Ser feliz é uma actividade que requer toda uma vida e não pode existir em menos tempo" - Aristóteles, Ética a Nicómaco
terça-feira, 27 de abril de 2021
Imaginação, sonho e conhecimento
O conhecimento é o que torna a realidade fascinante, sem embargo de a realidade do conhecimento ser o que nos fascina. Quando começamos a ver e a ouvir os abismos como se eles nos vissem e nos ouvissem, a imaginação e o sonho já estão a fazer o seu trabalho. Suspeito de que a importância da imaginação e do sonho, tão bem referidos por Einstein e Pessoa, tenham a ver com a curiosidade e a inquietação, ou o desassossego, sobretudo como modos de ser e de se manifestar do cérebro em determinados contextos problemáticos e de imersão muito controlada numa língua que se faz linguagem e veículo assumido de conhecimento.
A partir do momento em que as coisas deixam de ser o que são, porque não são o que parecem, não têm de ser o que parecem, nem têm de ser o que são, porque podem ser o que não parecem, nem são, deixamos de estar diante de um quadro de “realidades” e passamos a estar diante de um quadro de possibilidades. Deixamos de estar perante um puzzle em que só há uma forma de encaixar as peças umas nas outras e passamos a estar diante de peças de legos muito sofisticadas, como um vírus, ou mais ainda, que permitem imaginar e projectar e realizar construções à medida e ao gosto da imaginação e conhecimento de cada um.
O puzzle que foi a cultura, durante séculos, chegou e sobrou para quebrar as cabeças dos humanos. O próprio puzzle tinha feitiço e magia mais do que suficiente para atordoar e dobrar a espinha aos mais indomáveis dos sábios. Estes, por sua vez, não raro, incrementavam as dificuldades mais do que proporcionalmente aos méritos do que sabiam. A alquimia é um exemplo que se me impõe.
A era científica e tecnológica teve o efeito paulatino e discreto, mas eficiente e inelutável, de desfazer, de desmistificar o puzzle e de mostrar que, por trás do puzzle, há aglomerações dinâmicas e incessantes de legos e que as próprias palavras podem ser peças de legos com uma versatilidade e uma potencialidade praticamente sem limites.
Acredito que a imaginação e o sonho participam nos processos de revelação dos cenários cujos recursos, mecanismos e ferramentas precisam de uma curiosidade e de uma vontade para serem desenigmados, descobertos, e materializados.
segunda-feira, 19 de abril de 2021
Para que serve a cultura ?
Num texto, com o título «Para que serve a cultura?», Eugénio Lisboa coloca questões e dá ou sugere algumas respostas, que são de entendimento difícil e, aparentemente, supérfluas por serem de pendor e de teor especulativo acerca de comportamentos humanos que, penso eu, se manifestam em contextos muito sofisticados e torturados de jogo, com as suas regras e os seus juízes, ainda que longe de estarem institucionalizados e reconhecidos como tais e, mais ainda, longe de serem aceites, tanto uns como outros, por serem quase sempre autopropostos e, no que diz respeito aos veredictos, do mais inconsistente e lastimável que há, por serem, quase sempre, ou esmolados, ou pedinchados, ou estrategicamente concedidos por quem se investe no poder de o fazer. Há mais exemplos de situações reais, possíveis e imaginárias.
Se já é inatingível estabelecer critérios, que o sejam, daquilo que
deve-ser o jogo, quanto mais causador de conflitos e de intolerâncias não será
a intervenção de árbitros que chamam a si o protagonismo da discórdia.
O artista, poeta, romancista, músico, pintor, arquitecto, pensador,
cientista, realizador, enfim, todos os criadores, críticos, podem estar à mercê
do juiz mais ou menos piedoso, que são eles próprios. Mas ao que eles não escapam é ao jogo da
vida, da cultura, dos árbitros que decidem o jogo, dos valores, dos mercados…
A não ser que os desprezem e não lhes reconheçam idoneidade nenhuma, mas
isto não resolve nada e só agrava as coisas. Os criadores não estão adstritos a
nenhum dever especial de bonomia, harmonia, cedência, de sujeição, de
complacência, de irmandade ou clientelismo, em troca de expectativas de serem
valorizados, bem pelo contrário, certas cumplicidades podem comprometer a
credibilidade e o valor do seu trabalho.
Nada é menos supérfluo do que a arte, as ideias claras, o pensamento
revelador, o engenho inovador e a visão surpreendente, a ciência, a criação
humana, enfim, a cultura.
Nada é mais humano do que a cultura, da qual destaco o prodígio da língua
e as linguagens. Ela é a realidade humana, uma das faces da realidade em
sentido amplo, sendo a outra face a realidade natural, embora o homem também
seja um animal, que faz parte desta.
Se pensarmos o homem como um animal, de acordo com o critério da
necessidade vital, diremos que a cultura é supérflua.
Mas o princípio da economia que rege os organismos vivos, incluindo o
homem, deixou de ser no humano um ter de ser, tipo tropismo, e adquiriu a
natureza de um poder ser, tipo possibilidades, alternativas.
Se isto pode ser visto deste modo, a racionalidade humana nasceu assim,
da possibilidade de escolha. A partir daqui, tudo pode ser explicado com
coerência e consistência, inclusivamente, se e porquê a cultura é um edifício
da ordem do dever-ser.
Aliás, não esqueçamos que a economia é a ciência das escolhas.
Justamente, tudo aquilo que nos interessa, em cada situação de possibilidades
de escolha, alternativas ou não, é saber qual é a melhor escolha.
O problema, que me parece ser o busílis de todos os problemas de ordem
humana e social, ou a mãe de todas as frustrações culturais, não é a
possibilidade de erro. Esta possibilidade está presente em qualquer escolha,
por mais informada que seja, porque só o futuro dirá do acerto ou desacerto da
escolha, em função do critério que se seguiu.
De resto, qualquer escolha implica renunciar às alternativas. Isto também
pode ser muito problemático. E há escolhas que têm de ser feitas
impreterivelmente, que não podem esperar pelos conselhos da melhor ciência.
Mas, dizia eu, mais acima, a mãe de todas as frustrações é o arbítrio.
A cultura está num ponto de desenvolvimento que nos permite ter
esperanças de que as sociedades humanas se entenderão acerca do que devem ser
as melhores escolhas, em todos os domínios. A paz será, assim, possível.
A mãe de todas as frustrações é que, não é por dispormos do entendimento
necessário sobre o que deve ser feito, a nível individual, estadual,
internacional, mundial, nem por isso ser feito, que estamos livres de actos
criminosos, terroristas, atentados, de loucura, etc., que deitem tudo a perder.
Nada do que é humano, exceptuando a sua natureza animal involuntária, que
funciona em modo autónomo, e o arbítrio, que é individual, a que não chamo
liberdade, tem outra matriz que não seja a cultura.
Assim sendo, a cultura é a realidade sem a qual o humano, enquanto
social, não existiria.
A questão “para que serve a cultura?”, tal como as respostas que se lhe
deem, é, obviamente, cultural e, como qualquer outra realidade, pode servir
para objectivos (culturais) muito diversos, sem que possamos antever todos.
A cultura serve unicamente, e é tudo o que interessa, para sermos o que
somos, ou seja, o ser humano é um ser cultural e vice versa, no sentido em que
um não tem significado sem o outro.
terça-feira, 30 de março de 2021
Homem em torno do qual tudo deve gravitar
Mas a filosofia vai buscar a sua importância e relevância à necessidade de explicar isso a si mesma e, não menos importante, explicar a importância e a relevância de todo o conhecimento, em especial o científico, não do ponto de vista económico, técnico, utilitário, mas do ponto de vista epistemológico. E isto não é pequena coisa.
sábado, 20 de março de 2021
Ainda tento explicar a beleza
Ainda tento explicar a tua beleza
E o cheiro de chuva
Que parou depois
De me encostar a ti
Como ser a árvore
Para construíres os teus barcos
Sem que as aves desamorem
A tua respiração
No meu queixo
Enquanto fechava os olhos
Para desenhar janelas
Na nossa roupa
Com as mãos
No agasalho do teu corpo
Confirmava
Que não eras fantasia.
sexta-feira, 19 de março de 2021
As coisas e os números III
O Hilário disse ao seu amigo: as coisas e os números têm uma relação estranha mas fascinante.
O amigo: a divisibilidade das coisas não é como a divisibilidade dos números.
Hilário: qualquer número é uma unidade divisível em unidades
O amigo: mas uma determinada coisa não é divisível em coisas iguais.
Hilário: mas como explicar ou compreender que uma coisa possa dar origem a coisas diferentes dela?
O amigo: no momento do big bang só havia uma coisa, uma unidade.
Hilário: e era uma coisa infinitamente infinitesimal.
O amigo: que se dividiu numa infinidade de coisas diferentes dela, numa infinidade de unidades.
Hilário: o uno, o todo, passou a ser constituído por uma infinidade de coisas
O amigo: e se dividisse este euro em dois? Dava-te um e ainda ficava com outro.
Hilário: se dividires uma unidade por dois o resultado é duas unidades.
O amigo: mas não é possível dividir uma maçã em duas maçãs.
segunda-feira, 8 de março de 2021
As coisas e os números II
quinta-feira, 4 de março de 2021
As coisas e os números
Estou a pensar nesta curiosidade, que me ocorreu agora, enquanto escrevo sobre realidade e conhecimento.
O Hilário disse ao seu amigo que qualquer número é um somatório de uns, 1+1+1...
O amigo do Hilário disse-lhe que a realidade das coisas é diferente dos números, porque a água não pode ser HO-1, ou H4O2.
O Hilário respondeu que então era por isso que o amigo não tinha 4 mulheres a que deduzia 3.
O amigo disse: exacto, e também não tenho um milhão de euros a que subtraio 999999.
Pois é, disse o Hilário intrigado, já desconfiava que a minha rua não tem dez milhões de habitantes a que retiraram 9998000.