Daniel foi sempre descrente de tudo. Era como se lhe
estivesse no sangue o desencanto. Ele tinha consciência de que, no fundo, ou no
fim de contas, nada valia a pena mesmo que a sua alma fosse grande, mas
sentia-a pequena.
Viveu sempre rodeado de pessoas convictas, crentes e entusiásticas
das causas que lhes interessavam. Ninguém, à sua volta, andava perdido, ou
simplesmente desorientado. A Gina era astróloga especialista. O Antímio era
ateu inveterado. A Eva era católica e o Adão era cientista, cristão.
Daniel
relacionava-se com estas pessoas, por diversas razões. Para elas, Daniel não
era nada. És do Benfica? ÉS do Porto? Não. Eu quero que vocês se fodam, dizia
ele. Não tendes mais nada que fazer/dizer?, perguntava ele. Não.,
respondiam-lhe eles.
A vida era uma merda.
As coisas, o mundo, a natureza, a
música, o ar que respiramos, o sono… eram maravilhosos, mas as pessoas, quando
entrava em certos questionamentos, eram, nas suas próprias palavras, uma merda,
ou pior. E ter que trabalhar, em determinadas condições, era odioso e
revoltante.
Mas o mais odioso e revoltante era ver o que se passava entre o
poder e os que não têm poder.
Daniel não tinha poder e gostava de ter, mas nada
fazia por isso, porque era descrente até do ódio, que não levava a nada.
«Um
tipo assim não devia ter nascido», comentava o Afonso Henriqueto, numa palestra
promovida pela Sociedade contra a apatia, subordinada ao tema «Como distinguir
os frutos do ódio e do amor?»
Daniel sonhava.
«Se ele acreditasse, tentava realizar o seu
sonho», dizia o padre Américo à irmã Francisca.
«Mas Daniel não acredita que
possa realizar o seu sonho», respondia a irmã.
Daniel sonhava com uma sociedade sem partidos políticos e
sem governantes, porque estes eram os representantes daqueles que todos devemos
recear. Os que têm poder são sempre uma ameaça e um perigo. A qualquer momento
impõem a sua vontade. Numa sociedade desorganizada politicamente também isso
aconteceria.
Qual era então a vantagem?
A vantagem era que numa sociedade
politicamente desorganizada os que têm poder não poderiam contar ainda com o
favorecimento das instituições.