quinta-feira, 8 de julho de 2010

À frente de qualquer juízo de ciência



Quanto à nossa dependência do conhecimento, ou à primazia que damos (ou não) aos juízos de ciência, os nossos critérios são diversificados e complexos. Não nos regemos por meras racionalidades e verdades teoréticas. À frente de qualquer juízo de ciência colocamos, por exemplo, a nossa sobrevivência. E, normalmente, não precisamos de razões para nos confiarmos àquilo que, sem dúvida, nos interessa e nos agrada. Só que, também aqui estamos sujeitos a contingências de ignorância e de erro, senão numa perspectiva egoística, pelo menos, numa perspectiva do interesse e do agrado dos outros. Ao tentarmos compreender o que é a inteligência, deparamos com conceitos de inteligência conflituantes e contraditórios, consoante se trate de inteligência, por exemplo, do interesse individual imediato, inteligência do interesse colectivo, inteligência do imediato ou do eterno, etc..
Aquilo que cada um quer em função do seu interesse e do seu agrado não significa que seja o melhor ou o mais conveniente para os outros, ou que seja o melhor a médio/longo prazo.


segunda-feira, 5 de julho de 2010

O conhecimento não ocupa lugar




O conhecimento só existe na medida em que existam pessoas. Pessoas capazes de o formular, de o comunicar e operacionalizar. Se as pessoas desaparecessem, o mundo, tal como está, com todos os registos, bibliotecas, bases de dados, artefactos, artes… seria um mundo não habitado pelo conhecimento. Um computador não tem conhecimento. Uma biblioteca não tem conhecimento. O conhecimento não está em lado nenhum. Nem no cérebro. Ou está? O conhecimento é uma função/actividade muito específica, complexa e dinâmica de descodificação/elaboração /codificação de informações de características muitas vezes difíceis de delimitar.
Dizer que o mundo não seria habitado pelo conhecimento, não quer dizer que no mundo, com todos os seres vivos, não abunde informação. Assim, a vida e os comportamentos dos animais, por exemplo, tendem a assegurar objectivos de conservação e de sobrevivência, não porque possuam conhecimento para tal e o façam em função desse conhecimento, mas porque estão “programados” para isso.


sexta-feira, 2 de julho de 2010

Indício de sabedoria


Vejo as reservas que podemos levantar face ao conhecimento, como um indício de sabedoria.
Quando dizemos que alguém tem conhecimento de algo, o que é que isso significa? Ou por outra, quando alguém tem conhecimento de algo, o que é que tem? Onde está o conhecimento? Ocupa lugar? Qual a relação entre o conhecimento e aquilo que se conhece? Pode falar-se em conhecimento falso e conhecimento verdadeiro? E os saberes? Também são sempre ou falsos ou verdadeiros?
Alguém me ajuda a responder a estas questões?
Quando falamos de sabedoria estamos a considerar que há diferenças entre saber, conhecimento, ciência e sabedoria. Por exemplo, transmitir conhecimento envolve linguagens que não são propriamente, nem necessariamente, semelhantes às que se usam para partilhar e comunicar sabedoria ou, em geral, saberes de vária ordem. Os gestos, os comportamentos, as expressões corporais, as artes, a literatura… E as prioridades da acção, os valores e as virtudes podem justificar-se na sabedoria antes de o serem ou de poderem ser justificados por alguma espécie de conhecimento.
Toda a sabedoria e todo o saber são formas de conhecimento?
E a inversa é verdadeira?

domingo, 27 de junho de 2010

Lutamos contra a ignorância e o erro



Não lutamos apenas contra a ignorância. Também lutamos contra o erro. E, por motivos muito diversos que aos interesses humanos dizem respeito, somos induzidos a ignorâncias e a erros contra os quais não estamos imunes e precisamos de nos precaver. Travamos estas lutas, intermináveis, com os instrumentos de que dispomos de observação e de análise e, na dúvida, com reservas, à defesa, advertidos da falibilidade das premissas, das conclusões e do próprio processo intelectual do conhecimento, para já não falar do reducionismo e das condições da comunicabilidade do conhecimento.



sábado, 26 de junho de 2010

Realidade e discurso (sobre a mesma)



Por um lado temos a realidade, os fenómenos observáveis. Por outro, temos as representações dessa realidade e o discurso sobre a mesma. As leis do pensamento e da linguagem e do intelecto mostram-se muito toscos instrumentos de análise e de compreensão dos fenómenos. Mas, ao mesmo tempo, são eles que nos permitem reflectir criticamente sobre os próprios limites e as contingências das linguagens. Em parte, será porque o acesso a essa realidade é condicionado à partida pelas características desses instrumentos. Noutra parte, o acesso à realidade é fortemente condicionado pelo nosso interesse na mesma.
A tendência para considerarmos que o que não observamos não existe ou que só existe o que conseguimos abarcar é por sua vez uma determinante. Noutra parte, ainda, o que observamos e o que podemos concluir sobre o que observamos não é mais do que aquilo que esses instrumentos alcançam. Um dos aspectos em que esses instrumentos se revelaram surpreendentes foi a capacidade de se observarem e analisarem a si mesmos e de produzirem e desenvolverem instrumentos com capacidades cada vez maiores de observação e de análise. 



quinta-feira, 24 de junho de 2010

Ele disse «Deus não existe». Isto é uma contradição




Ele disse «Deus não existe». Isto é uma contradição. Ainda assim, encontrar o Deus filosófico ou cosmológico não é o encontro com o Deus Vivo e não resolve todos os problemas que Deus nos coloca. E os problemas que Deus nos coloca não são problemas teoréticos. Qualquer abordagem literal dos textos sagrados está condenada ao fracasso. Mas qualquer que seja a abordagem desses textos ela não nos dará respostas a qualquer tipo de perguntas. E coloca-nos sobretudo interrogações sobre nós próprios, sobre a nossa relação com os outros, sobre a nossa condição humana, sobre a vida, sobre Deus. Ao lê-los, a nossa inteligência, os processos de conhecimento, discursivos e não só e de comunicação, estão constantemente postos em causa.

domingo, 20 de junho de 2010

O Velha - X




A rádio local dedicou um programa especial à morte do Velha. O Amante de Catástrofes fez questão de prestar homenagem a esse homem de quem lhe disseram três coisas: que lhe chamavam Velha, que se apresentava como Alberto Caeiro e que era pastor de transístores. Abriu o programa com rajadas de metralhadora e, após um silêncio sepulcral, declarou, num tom declamatório «assalto e assassínio de um desconhecido».
Os dois repórteres, incumbidos de lhe trazerem notícias do Velha, foram as primeiras pessoas a ser informadas da sua morte, no hospital, onde se deslocaram para tentarem levá-lo ao estúdio para ser entrevistado.
Dois dias antes tê-lo-iam encontrado de perfeita saúde e teriam tido oportunidade de dar a conhecer um pouco da história da própria vida que ele fosse capaz de contar. Mas agora era tarde e ninguém poderia ajudá-los, nem com depoimentos. Por sua vez, as informações do hospital eram lacónicas. Até o nome que constava na ficha de internamento não era aquele pelo qual o Velha era conhecido. E diziam uma hora e uma data do falecimento, mas nenhuma referência ao nascimento, morada, naturalidade, ascendência…
Além disso, sabiam que tinha sido assaltado e agredido, depois das aulas à noite, a caminho de casa e que a polícia lavrou auto da ocorrência. As suas atenções, agora, estariam voltadas para a investigação e eventual descoberta do(s) autor(es) do(s) crime(s).