Hilário: Direito não é todos terem permissão de
fazerem o que alguém faz
Amiga: Igualdade não é todos poderem fazer o que
alguém faz
Hilário: e se esse alguém for o rei, ou o imperador,
ou o sumo sacerdote?
Amiga: esse é que é o problema.
"Ser feliz é uma actividade que requer toda uma vida e não pode existir em menos tempo" - Aristóteles, Ética a Nicómaco
Hilário: Direito não é todos terem permissão de
fazerem o que alguém faz
Amiga: Igualdade não é todos poderem fazer o que
alguém faz
Hilário: e se esse alguém for o rei, ou o imperador,
ou o sumo sacerdote?
Amiga: esse é que é o problema.
Hilário: o homem (todos os homens) é o único valor ao
qual todos os outros estão subordinados
Amiga: nenhum homem se pode arrogar o domínio sobre o
homem, ou sobre a natureza, ou sobre a cultura
Hilário: se isso acontecer, como tantas vezes
acontece, os outros adquirem o direito de o impedir e de o responsabilizar
Amiga: e se não o conseguirem, porque não têm força,
ou por outras razões, por exemplo, porque até lhes dá pretexto para poderem
fazer o mesmo, ou porque já o fazem?
Hilário: isso é o que tem sido a (des)ordem mundial
Amiga: e é esse o principal argumento que tem sido
usado para o direito da força
Hilário: isso é poder fazer o que os outros fazem
Amiga: assim tem sido a política e a prática dos
Estados
Hilário: mas toda a gente sabe que o Direito não é
isso
Amiga: Direito é o que deve ser feito de acordo com os
melhores critérios
Hilário: o melhor critério tem o homem (todos os
homens) como dador de sentido do critério
Amiga: mas há valores que o homem (todos os homens)
deve respeitar e nunca sacrificar
Hilário: a natureza, o que lhe é exterior, o que não
foi criado, ou produzido, por ele
Amiga: ainda há muito a fazer para impedir que a
herança (o património) natural e cultural da humanidade, continue abusivamente
nas mãos de alguns, com exclusão de todos os outros
Hilário: e a ser usado para explorar, oprimir e
sacrificar os outros
Amiga: na história da humanidade isso tem sido a
norma, mas não é senão a legitimação da guerra.
Hilário: não tomes para ti mais dignidade ou liberdade ou
direitos do que aqueles que estás disposto a reconhecer aos outros
Amiga: onde é que viste isso?
Hilário: em lado nenhum
Amiga: mas isso é o quê? Um mandamento de quem?
Hilário: é uma advertência, ainda antes de ser uma norma
Amiga: o princípio da igualdade e da liberdade já são
normas
Hilário: normas escritas são, e já é muito bom, mas há quem
as despreze
Amiga: ou quem as ignore, por pura ignorância?
Hilário: a ignorância é uma coisa e a estupidez é outra e a
malvadez, outra.
Amiga: só um estúpido é que não percebe isso
Hilário: é importante teres um ponto de vista
Amiga: mas a importância de ter um ponto de vista não
está no ponto de vista
Hilário: todos temos um
Amiga: e o de cada um não é de mais ninguém
Hilário: o importante é saberes qual é o teu ponto de
vista
Amiga: mas isso supõe que consideres outros pontos de
vista
Hilário: teus ou de outras pessoas
Amiga: para teres uma perspectiva menos egocêntrica e
parcial
Hilário: haverá algo melhor que a virtude?
Amiga: uma pessoa virtuosa
Hilário: e sábia?
Amiga: sim
Hilário: haverá?
Amiga: por que é que perguntas?
Hilário: nunca conheci nenhuma
Amiga: eu também não
Hilário: andamos a falar do que não existe
Amiga: às vezes dá jeito
Hilário: a vida não se resume
Amiga: quantas horas seriam necessárias para escrever
a biografia de um minuto de silêncio?
Hilário: quantos livros seriam necessários para
escrever a biografia de uma paixão?
Amiga: ou o curriculum vitae do sábio com Alzheimer a
quem pedem a prova de que nasceu?
Hilário: ou a biografia do conservador de registos que
nunca apareceu com a certidão?
Amiga: a vida não se reduz a nenhuma biografia,
por mais completa que fosse
Hilário: passou metade da vida a curar as enfermidades
com álcool
Amiga: e a outra metade a culpar o álcool das suas
enfermidades
Hilário: a brincar que o digas
Amiga: o problema foi quando deixou de beber
Hilário: hã?
Amiga: como é que explicou isso ao médico?
Hilário: o quê?
Amiga: porque é que deixou de beber?