terça-feira, 14 de outubro de 2025

Liberdade com limites? Então que liberdade é essa?

A ideia de liberdade é ameaçadora e inquietante porque a liberdade não existe senão como condição, sendo preciso construí-la, disputá-la, negociá-la, garanti-la. A liberdade é uma ideia muito vaga e indefinida de uma experiência que não se sabe o que será ou se é o que se quer e antevê.

A liberdade é inquietante porque é inerentemente uma situação de incompatibilidade e de conflito. A liberdade maior para todos equivale a que todos possam fazer tudo o que não restrinja a liberdade de todos?

A liberdade de um leão não se define por aquilo que ele é, nem pelo respeito que devemos ter por aquilo que ele é.

Um leão em liberdade é uma contradição, porque não é legítimo chamar liberdade à inexistência de limites para a ação.

O leão não pode ter a mesma liberdade que um gato.

O gato, ao contrário do leão, teria muitas razões para temer uma liberdade igual para todos.

Ainda não assimilei que as massas populacionais que fizeram da proclamação da liberdade a bandeira dos direitos dos oprimidos e dos excluídos e dos desfavorecidos, tivessem consciência de que estavam a defender algo que teria de ser negociado com os opressores e aqueles de quem dependiam.

Mas ainda mais me espanta que os opressores, aqueles que detinham posição de domínio, contra os quais o slogan era agitado, vissem na proclamação da liberdade uma ameaça, quando, na realidade, eles sempre a tiveram e dela beneficiaram.

Então a liberdade tem pelo menos duas faces, para além da minha e do outro?

E a face de quem a tem é o reverso da face quem a não tem. A liberdade, para quem a não tem é algo diferente, a vários níveis, da liberdade daquele que a goza.

A liberdade é negociável, mas só quem a tem o pode fazer?

Talvez por isso fizesse sentido, para derrubar a ditadura, que as massas populares tivessem saído à rua, para com essa liberdade, e protegidas pelas forças armadas, em nome da revolução de abril, poderem negociar a liberdade, negociar uma liberdade de facto que se transformasse em direito à liberdade?

Sabemos que a liberdade pode e deve ser garantida igualmente para todos. Sabemos o que cada um não pode, nem deve fazer, com a sua liberdade. Mas não sabemos, nem é possível saber, o que cada um faz e pode fazer com a sua liberdade. Os sistemas normativos só servem para nos dizer por onde não podemos ir, e fazem-no como instâncias éticas e jurídicas que lhes garantem o lugar mais privilegiado na hierarquia de valores. Já no que respeita a dizerem por onde devemos ir, o que devemos fazer, estão todos à espera que sejamos nós a fazê-lo, para virem cobrar os impostos.

E então a minha questão é "qual é a legitimação, a justificação, a fundamentação, deste poder do Estado sobre o indivíduo, ou seja, até que ponto e por que razões, o Estado tem o direito de interferir e de limitar a liberdade?

Há escolhas, ou seja, há liberdades que o indivíduo, simplesmente, não tem relativamente ao Estado e isso desequilibra a posição do indivíduo que, à partida, não está em pé de igualdade, nomeadamente, para discutir com o Estado esse estatuto.

O indivíduo está sempre perante uma situação de facto consumado, contra a qual terá de reagir, se quiser, assumindo as consequências, quando se trata de afirmar, de reclamar, ou de discutir a sua liberdade. Ele tem o ónus de provar que a liberdade é muito mais do que o direito que lhe conferem de nada fazer, se essa for a sua vontade.

A medida da liberdade de todos não pode ser a medida da liberdade que tomares para ti.