Havia uma casa no nascente
donde esvoaçavam pássaros
aos raios de sol
pelas manhãs
à passagem da padeira
com sua voz de manteiga
enevoada
a atravessar o rio
num ligeiro batel
e isso era apenas uma parte
da vida nesse lado verde do mundo
dos incansáveis
também havia uma casa no poente
onde se recolhiam as sombras
das tardes
as fadigas desajeitadas
quando a última locomotiva
vinda de muito longe
entrava a roncar
no escuro
com um farol baço de mineiro
e fazia estremecer o cemitério
sem acordar as flores
em sono profundo
junto à linha.
Na hora de dormir
olhei para as estrelas
e suspirei de preocupação
tinha a vaga ideia
de aquele lugar escuro
ser numa serra
afastada do mar
mas ouvia rebentações de ondas
e rajadas de vento uivante
nas árvores que vergavam
e pensei nas histórias
que ouvi na noite anterior
na taberna
junto às ruínas da ponte
acerca de pessoas desaparecidas
no desfiladeiro dos lobos
onde não há sinais de abrigo
nem trilhos visíveis
fiz de conta
fingindo de monstro
para assustar feras noturnas
e parei com muito cuidado
para não por os pés em falso
era muito arriscado
caminhar sem ver para onde.