terça-feira, 13 de setembro de 2022

Perfeito só Deus

Até a ideia de perfeição está longe de ser perfeita.
Deus tem de ser perfeito, porque não seria Deus se o não fosse. Mas isto é circular, é o homem a inventar a hipótese de um absoluto que devia existir.
Deus foi criado porque devia existir.
Mas, tal como a perfeição, não existe.
Faz falta? Não sei se faz e não temos outro remédio senão tentar fazer aquilo que é preciso, tanto do ponto de vista dos juízos de ciência, como dos juízos estéticos, éticos, morais e religiosos.
Aliás, e esta é uma teoria inovadora, que estou a trabalhar e a testar desde há algum tempo, o homem, quer como indivíduo, quer como pessoa individual, escolhe o melhor em todo o tipo de situação em que poderemos falar de escolha, racional, consciente, ainda que a melhor escolha não seja boa e, muitas vezes, seja má.
Parece-me plausível que a noção de perfeição tenha sido trabalhada e cultivada sistematicamente na esfera do entendimento do que sejam as virtudes e como prato forte da moral religiosa e das teologias, incluindo as pagãs.
Ao entrarmos nesse capítulo, vamos abrir a porta a um museu em que podemos entrar para aprender sempre muito, até da história dos homens que acreditaram que a perfeição é algo que já existiu, que tem vindo a degenerar sucessivamente e que até Deus não consegue, ou não quer remediar, convivendo com a imperfeição de todas as coisas, excepto dele próprio, o que parece ser insólito.
De acordo com a teoria que estou a desenvolver, tudo parece mais simples e coerente se aceitarmos que não há cultura para além da humana, que só o homem dá sentido à realidade, que nenhuma outra realidade senão o homem dá sentido ao homem e que as escolhas do homem são as melhores.
Se assim for, estamos naturalmente determinados a uma melhoria tendencial, por via dos nossos actos individuais e das deliberações sociais a que não chamaria progresso, mas efeito de vivermos sob a égide do dever-ser, no sentido em que, para o homem o ser é o que deve ser (categórico, por imperativos de verdade, de necessidade, de lógica, hipotético, nas situações em que as escolhas têm como critérios meras crenças, de ordem estética, ética, moral, política, económica...).

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

A democracia dá muito trabalho

A democracia, enquanto conceito e prática cultural e política, tem evoluído ao longo dos séculos de um modo sempre perturbador para doutrinas, sejam liberais, socialistas, comunistas, religiosas, quer no que tange à vertente educativa e socializante destas, quer no que respeita à pretensão mais ou menos totalitária e ditatorial derivada do facto de serem monolíticas e incompatíveis entre si.
A democracia pode ser sempre mais democrática, mas o liberalismo, o socialismo, o comunismo, as religiões, não são democráticos. Diferentemente destes, a democracia não é doutrina.
A democracia é o que permite e obriga à coexistência do que, sem essa coexistência, a democracia não existia. Todos os poderes tendem a usar a democracia para a aniquilarem.
No fundo, ninguém, nenhum partido, nenhuma doutrina política, nenhuma igreja, é democrática, ou, se o são, é porque não têm outro remédio.
Apesar disso, a democracia, entre nós, e por notáveis pergaminhos nos EUA, tem sido capaz de obter as mais cínicas declarações de amor, de todos os partidos, com destaque dos partidos comunistas, que se aproveitam dela, enquanto puderem, enquanto ela o permitir.
A democracia tem estado debaixo dos ataques de todos e há cada vez mais loucos que acreditam que acabar com a democracia é uma verdadeira expressão de democracia, mas isso já é uma subversão dos termos, é pretender anular a evolução das realidades políticas e regredir para épocas anteriores às grandes conquistas da cultura.
A democracia, o estudo da democracia, devia ser uma disciplina para ser trabalhada numa perspectiva científica, como se estuda, por exemplo, o Direito do Direito.

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Falar de amor

Quando nos encontramos

Já tinha percebido

Que não iriamos falar de amor

Porque não sabíamos como

Senão ficarmos a olhar

As palavras não faziam falta

Não havia perspectiva

De nós próprios

Nem do que é amar

Os silêncios ancoravam

Naquele bar sem música

Sem imaginação

Sem perspectiva nenhuma

Quando estávamos a olhar

Se viessem os ensurdecedores

Com foguetes e tambores

Sairíamos daquele lugar

Em que nos encontrávamos

De mãos dadas

E só pararíamos nalgum sítio

Por alguma razão que desconhecemos.

sábado, 20 de agosto de 2022

Não há sonhos que o sejam mais

Todos temos os nossos momentos únicos

Os nossos tempos de glória divertida

Para recordar e fazer a história

Depois vêm outras experiências

Demonstrar que todos estiveram no centro

Do que vale a pena ou já não vale a pena

Recordar

E é triste perceber que não somos especiais

Porque cada um é especial à sua maneira

Com a história que ninguém sabe contar

Ou simplesmente não conta

Porque não conta

Senão para si próprio

Mas nada impede

E nada dispensa

Nem substitui

A própria narrativa da vida

Não há duas iguais

E os sonhos não se trocam por nada

Nem há sonhos que o sejam mais.

sexta-feira, 19 de agosto de 2022

A criação e a descrição dos processos criativos


Quando ficarem descritos e conhecidos e explicados os processos criativos, continuar-se-á sem saber e sem poder prever o que vai ser criado. E isto já era assim, quando no princípio era o verbo (dos processos criativos).
Até as descobertas científicas com mais repercussão nos nossos tempos, não criaram as coisas existentes mas deram-lhes uma "existência", ou representação, que elas não tinham. O que, por exemplo, Newton e Einstein descobriram, e que corporizaram nas suas teorias, não são realidades novas, não são naturezas novas. São realidades culturais novas (e nesse sentido são naturais, porque são humanas), entendimentos sobre realidades que talvez já existissem, acontecessem, funcionassem, muito antes do aparecimento do homem.
Até que ponto esses entendimentos, representações, modelos explicativos, podiam ter sido outros, ou serão substituídos por outros, é um dos aspectos mais intrigantes e fascinantes da aventura do conhecimento.
E é, no fundo, o intrigante e fascinante funcionamento da relação entre realidade, linguagem e conhecimento, ou, de como é viável falar de realidade senão pela linguagem e que conhecimento é esse.

sábado, 13 de agosto de 2022

Seca e sede

Este ano tem sido seco

Como a eternidade

Não há palavras que molhem

A palha que arde

Nem chuvas que deem de beber às fontes

Que têm sede

De verdade.

quarta-feira, 27 de julho de 2022

Inteligência A./consciência A.

A reflexão sobre o problema da consciência artificial sugere-me que ela será um desenvolvimento inevitável da inteligência artificial e que as ameaças daí derivadas talvez não tenham tanto a ver com o pressuposto pessimista de que a consciência natural esteja cada vez menos inteligente.
Estou até convicto, embora não convencido, de que a inteligência artificial, sob todas as suas formas (pelo menos as que eu suponho), veio incrementar extraordinariamente os processos de inteligibilidade e de inteligência e de consciência humanos. 
Se não no âmbito dos indivíduos, cuja capacidade para entender e pensar os problemas numerosos e crescentes pode estar condicionada por fatores que não dependem exclusivamente da sua disponibilidade física e mental para o fazer, pelo menos, no âmbito das organizações, políticas, técnicas, militares, científicas, educativas, judiciais, económicas, acredito que a consciência artificial poderá ser a chave para resolver o problema, até agora insolúvel e cada vez mais insuportável, de a humanidade estar refém de um qualquer terrorista que detenha o poder nuclear de destruir. Neste caso especialmente crítico e relevante, acredito que as decisões militares vão ser monitorizadas pela inteligência e pela consciência artificial de um modo muito mais complexo e completo do que, por exemplo, o diagnóstico de uma doença em que não é o médico que controla a máquina, mas é a máquina que controla o médico. 
Ou seja, nenhum militar e nenhuma equipa de militares achará que pode ou sabe que decisão tomar, porque isso não contará para nada, uma vez que a inteligência/consciência artificial o fará, garantidamente, com melhor sucesso. 
Para dar o exemplo da invasão da Ucrânia pela Rússia, acredito que, embora não fosse preciso inteligência/consciência artificial para chegar a essa conclusão, se Putin dispusesse dela (inevitavelmente, não seria ele a dispor dela, mas seria ela a dispor dele) nem teria pensado na invasão como uma solução para os problemas, que também seriam problemas diferentes dos dele, por via dessa inteligência artificial. E assim sucessivamente. 
Os problemas e as suas soluções serão aqueles que a IA determinar. Não vejo aqui nenhuma ameaça aos humanos, pelo contrário, a IA determinará que qualquer ameaça será um problema e, não apenas o sinaliza para que o conheçamos e tenta neutralizá-lo, como até o previne e impede os seus efeitos. A IA e a consciência artificial só têm de o ser e, se o forem, não há problema. 
Na realidade, o nosso problema, os problemas da humanidade, ao longo do tempo, é a nossa incapacidade para resolver os problemas de consciência e de inteligência. 
Cometemos erros atrás de erros, alguns deles brutais, com consequências horrendas e irreversíveis, movidos por visões completamente injustificáveis de qualquer perspetiva de uma inteligência avançada e de uma consciência que não seja vulnerável, nem suscetível a alucinações, individuais ou coletivas.