domingo, 30 de maio de 2021

Aproximações à verdade V

Hilário: haverá algo melhor que a virtude?

Amiga: uma pessoa virtuosa

Hilário: e sábia?

Amiga: sim

Hilário: haverá?

Amiga: por que é que perguntas?

Hilário: nunca conheci nenhuma

Amiga: eu também não

Hilário: andamos a falar do que não existe

Amiga: às vezes dá jeito

terça-feira, 25 de maio de 2021

Aproximações à verdade IV

Hilário: a vida não se resume

Amiga: quantas horas seriam necessárias para escrever a biografia de um minuto de silêncio?

Hilário: quantos livros seriam necessários para escrever a biografia de uma paixão?

Amiga: ou o curriculum vitae do sábio com Alzheimer a quem pedem a prova de que nasceu?

Hilário: ou a biografia do conservador de registos que nunca apareceu com a certidão?

Amiga: a vida não se reduz a nenhuma biografia, por mais completa que fosse

quarta-feira, 19 de maio de 2021

Aproximações à verdade III

Hilário: passou metade da vida a curar as enfermidades com álcool

Amiga: e a outra metade a culpar o álcool das suas enfermidades

Hilário: a brincar que o digas

Amiga: o problema foi quando deixou de beber

Hilário: hã?

Amiga: como é que explicou isso ao médico?

Hilário: o quê?

Amiga: porque é que deixou de beber?

sábado, 15 de maio de 2021

Aproximações à verdade II

Hilário: «existe algum conhecimento tão certo que nenhum homem razoável possa dele duvidar?»

Amiga: e tens alguma forma de saber isso?

Hilário: nem sei o que é um homem razoável, nem sei o que é conhecimento tão certo, mostra-me um e outro e eu direi se duvido

Amiga: mas sabes, ao menos, o que é duvidar?

Hilário: tenho dúvidas

Amiga: não és um céptico

Hilário: um céptico é alguém que tem que saber muito

Amiga: voltando à tua pergunta inicial, como responderia um céptico?

Hilário: não responderia que sim, mas eu gostava muito de ouvir as razões

Amiga: mas se respondesse que não, também tinha que apresentar fundamentos

Hilário: e se respondesse que não sabia, só por si, isto não é cepticismo

Amiga: haverá alguma forma, método ou demonstração que “obrigue” um céptico a acreditar?

quarta-feira, 12 de maio de 2021

Aproximações à verdade

Hilário: talvez não haja muitas coisas que eu e tu não compreendamos

Amiga: se for assim, poucas coisas haverá que não tenham explicação

Hilário: tudo tem uma razão de ser

Amiga: ou melhor, para tudo temos uma razão de ser

Hilário: excepto o que falta explicar

Amiga: os crimes, as guerras, o holocausto, os deuses, as religiões, a corrupção, as desigualdades…

Hilário: têm uma explicação, são racionais

Amiga: os actos humanos são racionais

Hilário: o amor, a teoria da relatividade, a música, a alegria, a crítica da razão…

Amiga: racional é tudo o que os humanos fazem voluntariamente

Hilário: o nosso problema é que muito do que fazem é inaceitável e incorrecto

Amiga: concordo, olhando para a história e para o que acontece à nossa volta.

segunda-feira, 10 de maio de 2021

Então, toma sentido

 O homem é quem dá sentido a tudo e nada senão o homem dá e toma sentido ao humano.

Qualquer ideologia que coloque o homem ao serviço de algo que não tenha o homem como princípio, meio e fim, só pode estar errada e, se tiver força, arrastará a humanidade para o abismo. Nenhuma liberdade ou poder individual, por conseguinte, nem poder de grupo, de partido, igreja, nacional, ou estadual, poderá legitimamente sobrepor-se e sacrificar a liberdade, direitos de exercício e de gozo, de qualquer indivíduo. Nem o dinheiro, nem o lucro, nem o interesse colectivo, nem o interesse de um indivíduo, por mais idolatrado que seja, poderá justificar o sacrifício ou as restrições aos direitos de ninguém.

Só o homem tem dignidade, capacidade e legitimidade para reivindicar e realizar o estatuto de sujeito, activo e passivo, dos significados e dos sentidos.

O discurso da subordinação dos interesses individuais, seja a uma divindade, seja à nação, ou outra coisa qualquer, mesmo quando tem subjacente que isso é no interesse do indivíduo, ou que os interesses do indivíduo são assim mais bem salvaguardados, é um discurso legitimador, na prática, do domínio de uns sobre os outros, dos que se arrogam representar as divindades ou a nação... sobre os outros.

terça-feira, 27 de abril de 2021

Imaginação, sonho e conhecimento

Perturba-me mais pensar no infinitamente infinitesimal do que no infinitamente grande, se é que assim se pode dizer.
O conhecimento é o que torna a realidade fascinante, sem embargo de a realidade do conhecimento ser o que nos fascina. Quando começamos a ver e a ouvir os abismos como se eles nos vissem e nos ouvissem, a imaginação e o sonho já estão a fazer o seu trabalho. Suspeito de que a importância da imaginação e do sonho, tão bem referidos por Einstein e Pessoa, tenham a ver com a curiosidade e a inquietação, ou o desassossego, sobretudo como modos de ser e de se manifestar do cérebro em determinados contextos problemáticos e de imersão muito controlada numa língua que se faz linguagem e veículo assumido de conhecimento.
A partir do momento em que as coisas deixam de ser o que são, porque não são o que parecem, não têm de ser o que parecem, nem têm de ser o que são, porque podem ser o que não parecem, nem são, deixamos de estar diante de um quadro de “realidades” e passamos a estar diante de um quadro de possibilidades. Deixamos de estar perante um puzzle em que só há uma forma de encaixar as peças umas nas outras e passamos a estar diante de peças de legos muito sofisticadas, como um vírus, ou mais ainda, que permitem imaginar e projectar e realizar construções à medida e ao gosto da imaginação e conhecimento de cada um.
O puzzle que foi a cultura, durante séculos, chegou e sobrou para quebrar as cabeças dos humanos. O próprio puzzle tinha feitiço e magia mais do que suficiente para atordoar e dobrar a espinha aos mais indomáveis dos sábios. Estes, por sua vez, não raro, incrementavam as dificuldades mais do que proporcionalmente aos méritos do que sabiam. A alquimia é um exemplo que se me impõe.
A era científica e tecnológica teve o efeito paulatino e discreto, mas eficiente e inelutável, de desfazer, de desmistificar o puzzle e de mostrar que, por trás do puzzle, há aglomerações dinâmicas e incessantes de legos e que as próprias palavras podem ser peças de legos com uma versatilidade e uma potencialidade praticamente sem limites.
Acredito que a imaginação e o sonho participam nos processos de revelação dos cenários cujos recursos, mecanismos e ferramentas precisam de uma curiosidade e de uma vontade para serem desenigmados, descobertos, e materializados.