quarta-feira, 16 de julho de 2014

Verdade redentora



Nunca antes me tinha deparado com a expressão "verdade redentora", mas intuo-a como a verdade que procuramos quando perguntamos o que é a verdade. 

É árduo conceber que a contingência, por vezes trágica, da vida, é o único lugar/oportunidade que temos (ou nos é concedido) para pensarmos e encontrarmos "a pretensão do absoluto". 
Mas é mais espantoso, ainda assim, que não nos conformemos/contentemos com menos, nunca sendo sequer capazes de "dispor" do Eu, cuja "realidade", de qualquer modo, nos ultrapassa.


quinta-feira, 10 de julho de 2014

Sobre a relação entre conhecimento e consciência.


Um robot pode ser uma base dinâmica de dados mas, sem consciência do "valor" desses dados, parece óbvio que não é mais do que um automatismo. 
Por sua vez, 
as pessoas que não processem, ou não elaborem, ou não aprofundem as informações e as perceções e as ideias e os sentimentos e as emoções, ou apenas as elaborem em parte, terão o âmbito do seu conhecimento limitado ao campo de consciência de que forem capazes. 
Não obstante, 
o nosso consciente é infinitamente mais circunscrito e reduzido, por um conjunto enorme de fatores, do que a vastidão do subconsciente ou do que o imenso inconsciente. 
Na prática, o nosso consciente é como um postigo, ou uma seteira, ou uma gateira, muito menos do que uma janela ou do que uma porta, da grande casa que é a nossa mente. 
E cada um tenderá a olhar mais para fora ou mais para dentro, mas a olhar sempre de uma perspetiva que lhe é proporcionada pela natureza das coisas.
Carlos Ricardo Soares

quarta-feira, 4 de junho de 2014

As linguagens



Gosto destes temas e, na minha modesta opinião, as linguagens são como oceanos sobre os quais flutuamos, mas cujas profundidades continuam por explorar. 
A nossa relação com o sensível desencadeia complexos sistemas de reconhecimento e mapeamento cerebral. Não o que nós queremos mas o que acontece e que, até certo ponto, se vai constatando.
Fazem parte do mundo sensível as próprias linguagens, e de tal modo que a nossa sensibilidade é, em muitos casos, indissociável da linguagem. A linguagem como significante e a linguagem como comunicação ou, simplesmente, como expressão, partilham do espaço de realidades que as excedem e, de certa forma, elas significam. 
Estou em crer que a linguagem é um processo mental que nos permite reconhecer, analisar e distinguir. Neste processo, vão-se abrindo possibilidades de reconhecer, ou descobrir, o que for suscetível de ter significado. E tudo significa algo, pelo menos é assim que a mente funciona. Quando perguntamos “qual é o significado de…” normalmente a resposta é outro significante. É como se tivéssemos apenas a linguagem, os significantes, mesmo quando estamos a falar de coisas que estão perante os nossos sentidos, ou como se os significantes lhes tomassem a primazia, como se fossem mais reais do que aquilo que pretendem significar. 
O que as nossas descrições têm a ver com aquilo que descrevemos é um problema que pode não ter cabal solução.
A nossa relação com as ideias e as formas tende a ser o problema da linguagem enquanto forma. Podemos falar das coisas sem coisas nenhumas, embora essas coisas sejam reconhecidas como existentes, ou tendo existido. Mas não me parece que alguma linguagem o seja se não for funcional, isto é, se não cumprir algum desiderato de comunicação. 
Também me parece que o problema da verdade para a filosofia seja mais de linguagem e para a matemática, de correspondências e que, para a religião, seja essencialmente de virtude. 
Por exemplo, a virtude desta linguagem não existe, a linguagem não é nem deixa de ser virtuosa à luz de critérios morais ou religiosos. Mas, em termos de lógica, ou de epistemologia, esta linguagem pode ter acrescentado apenas umas frases sem verdadeiro nexo ou cujo nexo não passa disso mesmo.



sábado, 17 de maio de 2014

O Estado não tem maneira de dizer que não é nosso


Vivemos tempos de enorme desconforto quanto a saídas para certos bloqueios e sequestros e imposições, para não dizer fatalidades. 
A eficiência dos serviços do Estado é sempre bem-vinda na perspetiva de quem "superintende" o Estado, ou se quisermos, numa perspetiva meramente económica. 
O que todos devíamos saber é que, tratando-se de mecanismos, ou de fatores económicos, o que é bom para o Estado, muitas vezes não o é para o privado e isto não quer dizer que é mau que assim seja, mas há quem se esgadanhe todo por achar que só o que é bom para o privado pode ser bom para o Estado. Diria, aliás, que o desafio é conceber e racionalizar uma economia, pelo menos tri-fronte: privada, pública e internacional. 
O problema da globalização também não está ausente. 
A ineficiência da máquina do Estado é um problema que será sempre atual, do mesmo modo que o da ineficiência das empresas privadas. Faz parte do próprio sistema racional (de rácios) de controlo e de auditoria e de avaliação. Mas isso, em suma, não é um problema, é a realidade das coisas. 
O que é e será um problema é o investimento público. 
Para o privado o investimento é ou não é um problema de quem investe mas, subordinado a rácios de rendibilidade, é um problema sério se for à custa da vida de milhões de pessoas, ou do próprio planeta. Isto é odioso e perigoso e ameaçador, há muito tempo, com muita, muita mesmo, demasiada colaboração e subserviência dos meios científicos e tecnológicos, que se revelam mais insensíveis e despreocupados, do que seria de esperar, quanto às consequências da multiplicação das "máquinas de fazer dinheiro".
O que é (ou não é) problema para o privado, e pode até ser o grande objetivo lucrativo, é ou pode ser um grande problema para o Estado. Falar em investimento público tem esta desvantagem do apagamento em que fica, porque o privado lhe rouba o palco. 

É que investimento público é um conceito de investimento que tem poucas afinidades com o de investimento privado. O retorno do investimento esperado/pretendido pelo Estado não é da mesma ordem, sócio-espácio-temporal-económica... do do investimento apostado pelo privado. 
A maior parte das vezes o investimento do Estado é um esforço titânico para "remediar" os efeitos nocivos do investimento privado. 
E quando isto é mais assumido e declarado por razões especialmente críticas (como a atual crise), vem ao de cima uma incompatibildade feroz, que não devia existir, entre público e privado. 
Para tornar as coisas mais desconfortáveis, o público, normalmente, é instrumento nas mãos de poderes privados, mais ou menos organizados, mais ou menos influentes, mais ou menos dominantes. Estes poderes sabem muito bem o que lhes interessa que o Estado seja e o que não lhes interessa. Interessa-lhes que o Estado trate de umas coisas e que não se ocupe de outras. O que é importante é que se averigue e se perceba porquê e se isso interessa ao Estado, enquanto estrutura representativa de realidades territoriais e demográficas e histórico-culturais que não se compadecem com os balanços e contabilidades de A, B ou C. O Estado não tem maneira de dizer que não é nosso.


sábado, 10 de maio de 2014

O direito de não competir



Elogiaria a forma, muito interessante e reflexiva, de expressar quanto a poesia pode ser como a febre, um sintoma de alguma coisa que é preciso solucionar.
Para o poeta, os arrazoados dos que professam a religião das urgências e das pressas e dos progressos, são artifícios como outros quaisquer, mas que não devem ser impostos a ninguém, como ninguém deve ser obrigado a competir com ninguém. Devia ser acrescentado um direito à lista de direitos do homem "o direito de não competir, nem a feijões". 
Sabendo nós (previsivelmente) que vai acabar tudo numa nuvem de poeira, seria de esperar que a organização e gestão do nosso tempo fosse feita em função da efemeridade. 
Quando nos pedem para sermos racionais e científicos, seria de supor que esperassem de nós algo diferente de andarmos a matar-nos antes do tempo porque queremos sobreviver à perseguição, ou pressão, a que estamos sujeitos. 
A realidade é a única coisa que interessa à ciência, mas é a única coisa que o homem não aceita e, vai daí, engendra todas as técnicas e mais algumas para a transformar em algo diferente... 
Um dia deixaremos de morrer tecnicamente.



terça-feira, 8 de abril de 2014

A aprendizagem dos valores



A aprendizagem dos valores, paradoxalmente, é (pode ser) um factor de agitação, indisciplina, descontentamento, decepção, revolta... A civilização não é pacificadora, justamente porque o mundo está nas mãos de quem não faz o que deve e não olha a meios para fazer o que quer, podendo.
A aprendizagem dos valores é o que há de mais subversivo, não porque favoreça uma vida de acordo com os mesmos, mas porque põe a nu o problema de as pessoas serem ou não capazes, quererem ou não quererem, serem ou não serem obrigadas, a conformar as suas condutas com esses valores.
O Estado, infelizmente, está numa crise plena, no que a valores respeita e, no entanto, arroga-se o monopólio da coação que, não sendo arbitrária, institucionaliza e consente (quando não promove) políticas "loucas" e "vertiginosas" para lado nenhum, mas tudo à volta do dinheiro, o valor último.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Terramo(r)tos


O avião em que viajávamos para a lua de mel despenhou-se num local que uns chamam “não sei”, outros “sei lá” e outros ainda “pergunte ali a diante”. Eu fui o único sobrevivente…

O meu partido não existe. Tenho partido, mas ele não existe como tal. O meu partido não é do contra, mas permite-me concluir que não tenho partido, ou por outra, os ditos partidos existentes não servem, não prestam e, como sempre acontece nestas coisas, ninguém dentro do sistema tem influência, poder e coragem para provocar indesejáveis terramotos. O meu partido é a vida, são as pessoas, a liberdade, a justiça, a saúde, a educação, a cultura e a responsabilidade, em todas as vertentes, pessoais, sociais, ambientais… O meu partido é a verdade, até as verdades que preferencialmente ninguém quer saber. O meu partido não é o Estado, nem a União Europeia, nem a Globalização, nem o dinheiro, nem a guerra. O meu partido é contra o estado de guerra em que vivem os trabalhadores que têm de suportar todos os dispêndios e todas as aventuras dos senhores dessa guerra de traições engravatadas.
São cada vez mais os portugueses sem partido. E cada vez mais os partidos existentes são menos partidos e mais associações de malfeitores. Ser sem partido não é o mesmo que ser militante ou estar inserido nas estruturas de um partido. Ser sem partido foi-se tornando uma desvantagem crescente à medida que dois partidos deixaram de ser mais do que marcas que detêm entre si o eleitorado. Deter o eleitorado significa apenas granjear uma parte dos votos dos eleitores, normalmente baixa, muito baixa.

As tuas cartas têm-se espaçado muito. Começaste a escrever-me uma vez por semana. Depois, hebdomadariamente. De mês a mês. Quatro cartas num ano. Um postal pelo Natal e uma foto no Verão. Assim passaram cinco anos. Nesta prisão. Cada vez dizes mais em menos palavras. Na primeira carta, declaravas toda a tua paixão e sofrimento pela distância.




domingo, 9 de março de 2014

O céptico



O cepticismo, por definição, não aquece nem arrefece, seja no domínio filosófico, seja noutro domínio qualquer e, alguém dizer-se céptico, retira-lhe a base de afirmação seja do que for. Um céptico, em rigor, nem pode dizer que é céptico porque, sendo céptico, pelo menos, tem de duvidar. E se pretender contestar ou contrariar alguém que, por exemplo, manifesta uma crença, o céptico está a contrariar-se a si mesmo, pelas razões expostas. Ser céptico, se formos a pensar com rigor, significa "recusar ou impedir-se a si mesmo de tirar conclusões ou ter ideias". 
Para que serve uma atitude dessas?
Um céptico, na acepção filosófica, que é a que está em causa, é céptico relativamente a tudo e em todas as situações, incluindo o seu cepticismo.
A um céptico nunca se perguntará o que pensa. A opinião dele está estabelecida a priori, ou seja, não tem. Ser céptico nem sequer é uma opinião.


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Gerir o público e gerir o privado


É preciso mais do que explicar e justificar, tanto quanto é necessário, a relação que existe entre o “dinheiro” e o “preço do dinheiro” e entre a “importância do dinheiro” e o “mercado do dinheiro”.
Gerir dinheiro e produzir ou reproduzir dinheiro é uma ciência e uma arte.
Espantar-me-ia se me dissessem que as maiores inteligências gravitam em torno desse astro, uma vez que encandeia quem o vê e priva da vida os outros.
Mas do ponto de vista da ciência e da arte, nada a opor, é uma ciência e uma arte com o valor das ciências e das artes.
Só que, a ciência e a arte e o dinheiro, não valem por si mesmos, senão pelo que representam ou possibilitam. Nesse aspeto o dinheiro, pela fungibilidade, é o bem de liquidez por excelência.
Dentro da lógica fechada do “dinheiro gera/pode gerar dinheiro” e de que tudo o que gera dinheiro é bom, o investidor privado não tem muito por onde escolher. Os custos de oportunidade equacionam-se sempre em função de uma rentabilidade, mais ou menos imediata, sem consideração, por ex., por externalidades negativas.
Na minha perspetiva, o nosso tempo está a produzir a inteligência necessária e urgente (e obrigatória) para organizar e gerir o mundo enquanto planeta que está em perigo, por culpa dos humanos (e mesmo que o não fosse).
Vamos ter que ser muito claros e entendidos sobre aquilo que queremos, não enquanto investidor privado, mas enquanto coletividade, não enquanto EUA, mas enquanto Comunidade Mundial de países.
A questão do “valor económico” vai ter de prevalecer sobre a lógica do retorno do investimento e do lucro. E isso só será possível se se pré-ordenarem os fins do privado aos fins do público.
Gerir o privado e gerir o público são realidades e problemáticas diferentes, senão antagónicas.
A justificação dos fins pelos meios, no privado, é uma coisa, no público, é outra, completamente diferente.
No privado, o lucro “justifica” que me vendam três sacarrolhas mesmo que eu não use.
No público, não existe justificação para que alguém compre algo de que não precisa. Mas todos conhecemos muitos exemplos bem mais eloquentes do que este, como o do homem que compra vinte ferraris com o único objetivo de os destruir.
Para o privado, a ciência, a educação, a religião e a arte são mercadorias. Tudo o que possa gerar dinheiro.
Para o público, o dinheiro começa por ser o maior problema, porque os fins não são o dinheiro. Qualquer política que, por equívoco ou não, não pressuponha claramente que os fins do Estado não são o retorno, será desastrosa para todos.
Ao Estado compete, ao contrário dos privados, promover o bem estar, o desenvolvimento, a saúde, a educação, a paz, a justiça, o ambiente saudável.
Ao investir em ciência e tecnologia o Estado, em teoria, é a entidade que não pode deixar de agir com inteligência, sob pena de não obstar ao descalabro para que nos encaminhamos.
Nenhum investidor privado tem a obrigação de se preocupar, por exemplo, com o facto de o retorno do seu investimento ser ilegítimo, ou resultado de um efeito desastroso para a economia (por ex., numa perspetiva de consumismo destrutivo).
Infelizmente, para a população em geral, os partidos que “conquistam” o Estado fazem-no sem uma visão para o papel e as funções do Estado num mundo que tem de ser gerido e partilhado coletivamente, com ciência, economia, consciência, justiça e não, como até aqui, ao sabor da ambição, aventureirismo e poder de espada de cada um.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Ciência, técnica e poder



A bem dizer, a ciência não é poder e os cientistas por terem conhecimento não decorre daí que tenham o poder. 
Por outro lado, poder não é ciência e quem detém o poder não detém, necessariamente, conhecimento científico. 
Em rigor, o cientista apenas conhece a realidade. 
A partir do momento em que age, já não é propriamente como cientista, mas como agente e aí, sim, exerce um poder. 
A ciência não tem nada de perigoso, nem de mal, porque a ciência não interfere, nem altera a realidade. O perigo e o mal estão na ação e no agente. 
É importante não confundir o conhecimento das coisas com a manipulação das coisas. 
Sabendo nós que o poder não costuma estar nas mãos dos cientistas, mas que estes costumam estar nas mãos do poder, afigura-se altamente perigoso e de controle difícil ou impossível, um conhecimento da realidade, não pelo conhecimento em si mesmo, mas pela ação que esse conhecimento possibilita. 
Diria que a associação da ciência à técnica tem algo de paradoxal, na medida em que a ciência é objetiva, imparcial, eticamente neutra e não tem objetivos, enquanto que a técnica corresponde à não aceitação da realidade. Nesta é que está o perigo e as ameaças.



sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Como se faz justiça em Portugal?


As questões da justiça, em Portugal, como quando se pergunta "como se faz justiça em Portugal?", conduzem, invariavelmente, para um lugar comum, de redução genérica e demagógica, qual seja, o sistema judicial.
A realidade, porém, surpreende quem reflecte um pouco e surpreende mais quem reflecte mais.
Comparada com a justiça que compete ao poder político fazer, mormente Assembleia da República e Governo, a justiça que incumbe aos tribunais é uma parte de outra dimensão e muito menos preocupante.
Todavia, e era aqui que queria chegar, Assembleia da República e Governo são compostos e funcionam como se Justiça fosse coisa de outros, mas de outros que eles acusam de ineficiência e que eles se acham no direito de organizar e disciplinar.
O que está profundamente errado é o estatuto, organização, poderes e funcionamento da Assembleia da República e do Governo. E, quanto à sua ineficiência, incapacidade, inabilidade, para não dizer perniciosidade, nomeadamente no que à Justiça concerne, eles podem fazer tudo ou quase tudo, inclusive "reformar", mas ninguém pode fazer nada para os "reformar" a eles. São órgãos que não estão nas mãos do povo, mas estão nas mãos de alguém em quem o povo não votou.
Este sentimento de impotência não é suposto existir em democracia. Até é um sintoma de que o simulacro de democracia é mais incombatível do que a declarada falta dela.
Uma ditadura de contornos menos disfarçados já teria sido derrubada. Assembleia e Governo que ditam para o povo? A propósito de quê? Só no respeito pela vontade do povo. Se não gostam de democracia, então digam isso claramente. E não se desculpem com "imposições" e condicionantes externas "incontroláveis"... Sejamos claros.
Embora persistam elementos de liberdade que não existiriam numa
ditadura, como por exemplo podermos expressar, com risco, muito
risco aliás, ideias divergentes das do poder, já são cada vez menos as pessoas que se dispõem a discutir o que quer que seja, porque isso se tem revelado inútil.
O tempo é de poder ou não poder e quem o tem faz cada vez mais o que quer.
Como é que se tem poder? Quem o detém? Como é exercido? E para que serve?
Cada vez o poder está mais litigiosamente divorciado do Direito e faz-se passar por Direito, apropriando-se do Estado e do sistema legislativo.


terça-feira, 5 de novembro de 2013

Entre mortos e feridos


O que temos tido em Portugal é a pouca sorte de serem os nossos governantes pessoas de subserviência e de servilismo "snob". Servir o dinheiro e quem o tem é, talvez, a marca mais notória da nossa cultura. Pode ser natural e humano, mas é triste e explica muita coisa. É por isso que os pobres abominam a riqueza e quem a detém. Vamos ter de recuperar a cultura dos pobres, os valores dos pobres, a riqueza dos pobres. 

Os pobres não invejam, não admiram, nem respeitam os ricos. Compreendem-nos e lamentam-nos. Acham caricatos os ares e a importância em que os ricos têm as aparências. 
No teatro da vida, os pobres só pensam numa coisa, que os ricos consideram aborrecida, "sobreviver" um dia, ou uma hora, de cada vez. 
Os nossos governantes detestam, ou odeiam mesmo, pobres. E, agindo segundo a lei do menor esforço, tratam dos ricos, de quem dependem e a quem bajulam e se submetem. 
Todos os governos, ao longo da história, foram governos dos ricos e dos poderosos. Nem nas democracias isso mudou, porque os votos só produzem determinados efeitos previstos. 
O poder é um grande problema que está longe de ser resolvido. 
O poder cala, o poder esmaga, o poder transforma-se num simulacro da verdade e da virtude. 
O pobre sabe isso melhor do que ninguém. 
Não é que os pobres sejam feitos de uma substância diferente da dos ricos. É que o poder corrompe e, pior do que isso, o poder é uma cadeia, é uma engrenagem implacável. 
Os pobres não têm poder e, nesse aspecto, são mais livres e mais lúcidos. 
Ao pobre, o pouco que lhe falta é muito ou mesmo demasiado. E este demasiado, aos olhos do rico, é desprezível. 
Os nossos governantes não chegariam aos ambicionados cargos eleitos pelos pobres, porque estes não acreditam em políticos, nem em governantes e têm razões (já indiquei algumas). 
Mas a sociedade não é só constituída por ricos e pobres, nem por doentes e saudáveis. Também é constituída por pessoas que pensam que os pobres são pobres porque merecem, assim como os ricos, e por pessoas que pensam que os doentes são doentes porque merecem, assim como os saudáveis. E é aqui que entra em força a ideologia. 
A tendência atual parece ser a de camuflar as ideologias com pretensões teórico-científicas. Assim, alegadamente, identificam-se as necessidades e os objetivos e adotam-se medidas, ainda que desastrosas e injustas, mas lógicas, para os atingir. Não importa se são boas ou más, corretas ou incorretas do ponto de vista democrático, social, jurídico, histórico... Basta que sejam lógicas. 
No fim, fica tudo em águas de bacalhau, ou, como diz o outro, entre mortos e feridos alguém há-de escapar.


terça-feira, 17 de setembro de 2013

Privatizar o Estado? - democracia tetraplégica



O desgoverno de Portugal não espanta, nem o mais analfabeto dos portugueses. Em Portugal, as políticas, em geral, são expressão de uma vontade ficcionada a partir do facto de uma legitimidade democrática que justifica o poder, sem necessidade de outras razões, como por exemplo, documentar e fundamentar exaustivamente as políticas. Em Portugal, a prática corrente é mais do tipo "se este modelo do país X lhes serve também há-de servir a nós, não percam tempo com isso, apliquem isso". Depois, bem, depois se verá. Ajusta-se isto, ajusta-se aquilo e, ao fim de dez, talvez quinze anos, teremos uma coisa como deve ser. É como se as nossas elites políticas soubessem desde sempre que não é preciso escola, nem ciência, nem investigação, porque...tudo isso existe. «Existem respostas e soluções para tudo», diria um líder político, «basta ver o que outros países têm feito e copiar o trabalho deles». Os nossos políticos nunca fazem afirmações ou propostas devidamente acompanhadas de fundamentação sólida, porque não têm o hábito de pensar que as políticas podem e devem ser fundamentadas com as melhores razões. Deter o poder não é e não devia ser a única, nem sequer uma boa razão, nesta democracia tetraplégica.
Falar de privatização do ensino, por exemplo, requer que, antes de mais, se defina claramente, não o que é privatização em geral e abstracto, mas o que seria privatização do ensino. Privatizar é um verbo como outro qualquer, mas privatizar uma empresa é algo mais complexo do que simplesmente privatizar. A ideia de privatização, como a sua 'antagónica' de coletivização, ou nacionalização, ou expropriação, não têm nada de mal ou de inconveniente, de certo ou errado, de mau ou de bom, de vantajoso ou desvantajoso. Só se encararmos as coisas (e os conceitos) sem preconceitos é que poderemos fazer a avaliação necessária do que está em causa e em jogo, para, de seguida, tentarmos escolher uma política, linha de acção, alternativa entre outras... e dizer porquê, na esperança de que a nossa análise e as nossas razões sejam entendidas pelos outros e resistam suficientemente à contra-argumentação dos vários quadrantes.
Se me convencessem, com boas razões, de que privatizar o Ensino, ou a Justiça, ou a Ordem pública, ou a saúde, do mesmo modo que as fábricas de salsichas e de aros de bicicleta são privadas, traziam, não apenas o mesmo nível/valor de satisfação das necessidades, mas um valor acrescido, eu pensaria ainda em muitas questões tão importantes ou mais do que essas. Privatizar, aparentemente, seria fácil. A questão dos custos para o Estado é uma questão cuja resposta devia haver alguém capaz de dar, mas não há. Não é uma qualquer resposta. Mas se a privatização do ensino ou dos outros sectores públicos, feitos os estudos e as contas (e obtidas as garantias adequadas de que assim iria ser) resolvia todos os problemas que é preciso resolver e não trazia outros, ainda que menores, que mal veríamos nessa privatização?
Se os problemas fossem meramente de custos financeiros... Pegar nos problemas do Ensino, Justiça, Saúde, Ordem e segurança públicas pelo lado dos custos financeiros é a pior forma de tentar perguntar por que é que o Estado é preciso.
Chamo a atenção para a diferença (importante) entre 'ensino privatizado' e ensino privado.
O ensino privado sempre existiu e não é proibido. Cada um, ou em associação, sociedade, etc., pode conceber um sistema de ensino ao seu gosto e tentar operacionalizá-lo. Até os partidos políticos podem criar escolas para ensinarem as ideologias ou o que lhes aprouver. E os alunos, que tenham dinheiro e condições para isso, podem sempre procurar aprendizagens e sistemas de ensino ao seu gosto/interesses, nas artes, desportos, ciências, indústrias, etc...

sábado, 8 de junho de 2013

Liberdade a quem a não tem



Tornaram a palavra liberdade tão sacrossanta, tão sacrossanta, que é tão ou mais importante para quem a tem, como para quem a não tem. 
A liberdade sempre existiu e sempre inexistiu. Em todos os regimes políticos. 

O mal da liberdade é quando uns a "ab"usam contra os outros. A liberdade de uns é a sujeição e a opressão dos outros. Quanto maior for a liberdade de uns maior é a sujeição e a opressão dos outros. 

Conquistar a liberdade, a partir de certo ponto, pode ser impossível mas, para quem goza de liberdade, esta deixa de ser uma conquista para passar a ser uma mera consequência. A liberdade é o que tem permitido a uns escravizar os outros. Mas não é por esta razão, certamente, que a liberdade é boa e que devemos lutar por ela. 

Parece-me que os problemas levantados pela liberdade, em grande medida, ainda estão por resolver e a ciência, embora não seja bom que seja instrumento de vontades e de poderes que não respeitem o direito à liberdade de quem a não tem, não tem maneira de escapar a isso.