sábado, 25 de janeiro de 2025

Tendo a morte como tema

Depois de ler e reler um texto de Carlos Fiolhais, tendo a morte como tema, sempre elucidativo e inspirador, recuperei memórias de tertúlias coimbrãs, em 1980, pela noite dentro, numa residência universitária, entre nuvens de fumo de tabaco, com bastante tosse à mistura e muito ensonados, sem perder de vista as sebentas que, de tão preteridas e desprezadas, lá num canto, ameaçadoras como feras, não nos deixavam em paz.
Lembro, em particular, uma tertúlia sobre a morte, que começou espontaneamente, numa noite tenebrosa de chuvas diluvianas, com tanta trovoada que estivemos toda a noite sem luz, sem poder estudar nem dormir.
Alguns de nós saíram dos seus quartos e foram para a sala de estar. Alguém falou num saudoso colega que tinha falecido recentemente e isso despoletou a conversa sobre o tema da morte. Na escuridão da sala, ouvíamos as vozes e a respiração uns dos outros, mas não nos víamos.
Ao fim de uns minutos, já estávamos tão embrenhados no triste assunto da morte e dos mortos como um conciliábulo de fantasmas medievais.
Alguém começou a ressonar e ficamos a ouvir, em silêncio, para não acordar. Mas a tempestade batia à porta e à janela forçando a entrada. A morte andava por perto, como pudemos confirmar no dia seguinte.
Entretanto, deixamos de ouvir ressonar e, segundos depois, ouvimos o ruído da porta da sala a abrir. Visivelmente assustado com a possibilidade de ser a morte a invadir a tertúlia sem pedir licença, um colega falou “ó morte, queres matar-me outra vez? É melhor que agora te apresentes e te expliques, porque somos simples estudantes, mas não nos deixamos convencer facilmente”.

                  Carlos Ricardo Soares


sábado, 18 de janeiro de 2025

Seja lá o que isso for

V

Pensava que surgias

Do arquivo de anseios

Como a lua à chuva

De agosto

Seja lá o que isso for

Eu vi o teu rosto

                    Carlos Ricardo Soares 


quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Seja lá o que isso for

IV

Pensava que eras mulher

A ver mundos desabar

Não vi que saíste ilesa

Seja lá o que isso for

É da tua natureza

                   Carlos Ricardo Soares 


segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Seja lá o que isso for

III

Pensava que eras palpável

Confiei-me

Não vi que o teu perfume

Seja lá o que isso for

É da natureza do lume

                 Carlos Ricardo Soares

domingo, 12 de janeiro de 2025

É da natureza do amor

II

Pensava que eras um corpo

Esculpido neste mundo

De flagelos e de angústias

Não vi que és uma pérola

Escondida

Seja lá o que isso for

É da natureza do amor

                               Carlos Ricardo Soares

 


sábado, 11 de janeiro de 2025

Seja lá o que isso for


I

Pensava que eras de carne e osso

E aproximei-me

Não vi que és da natureza das musas

Seja lá o que isso for

                     Carlos Ricardo Soares

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Mensagem de Ano Novo

 

Podes ter que lutar
Pelo sonho de teres
O teu lugar ao sol
Mas não esqueças
Que às vezes quem está ao sol
Procura uma sombra
Sem a encontrar

É preciso saber valorizar
O que se tem
Antes de pensar em obter
O que falta
Talvez seja possível trocar
Uma parte do que sobeja
Por aquilo que desejas

Não serias a primeira pessoa
A chegar onde tanto ambicionaste
Para então compreenderes
Que afinal o que está a dar
É aquilo por que trocaste.

        Carlos Ricardo Soares