Depois de ler e reler um texto de Carlos Fiolhais, tendo a morte como tema, sempre elucidativo e inspirador, recuperei memórias de tertúlias coimbrãs, em 1980, pela noite dentro, numa residência
universitária, entre nuvens de fumo de tabaco, com bastante tosse à mistura e muito ensonados, sem perder de vista as sebentas que, de tão preteridas e desprezadas, lá num canto, ameaçadoras
como feras, não nos deixavam em paz.
Lembro, em particular, uma tertúlia sobre a morte, que começou espontaneamente, numa noite tenebrosa de chuvas diluvianas, com tanta trovoada que estivemos toda
a noite sem luz, sem poder estudar nem dormir.
Alguns de nós saíram dos seus quartos e foram para a sala de estar. Alguém falou num saudoso colega que tinha falecido recentemente e isso despoletou
a conversa sobre o tema da morte. Na escuridão da sala, ouvíamos as vozes e a respiração uns dos outros, mas não nos víamos.
Ao fim de uns minutos, já estávamos
tão embrenhados no triste assunto da morte e dos mortos como um conciliábulo de fantasmas medievais.
Alguém começou a ressonar e ficamos a ouvir, em silêncio, para não acordar.
Mas a tempestade batia à porta e à janela forçando a entrada. A morte andava por perto, como pudemos confirmar no dia seguinte.
Entretanto, deixamos de ouvir ressonar e, segundos depois, ouvimos o
ruído da porta da sala a abrir. Visivelmente assustado com a possibilidade de ser a morte a invadir a tertúlia sem pedir licença, um colega falou “ó morte, queres matar-me outra vez? É
melhor que agora te apresentes e te expliques, porque somos simples estudantes, mas não nos deixamos convencer facilmente”.
Carlos Ricardo Soares
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