domingo, 5 de fevereiro de 2017

Poder, ciência e valores


É o poder, são os poderes, as políticas, a vontade dos homens que podem, que têm e detêm o poder económico, financeiro, militar, que estão em crise. A ciência e os valores universais da justiça, da liberdade, da igualdade, da solidariedade, dos direitos do homem, incluindo o direito a um ambiente saudável, não estão em crise no sentido de já não serem o que eram, princípios de racionalidade incontroversa, que guiam ou nos ajudam a fazer escolhas. 
Pode-se dizer que a crise dos poderes tende a "culpar" estes valores, quando, na realidade, é desencadeada pelo facto de estarem a ser "julgados" por eles.
Vejo razão para optimismo nesta crise dos poderes, pese embora o perigo sempre iminente de vermos e sofrermos os efeitos violentos dos seus estertores de morte.
Aliás, vejo razão (e não adeus à razão) em tudo que está a acontecer.
É preciso não confundir poderes, políticas, vontades, ações, comportamentos, acontecimentos, com valores e com ciência. 
Os valores e a ciência, como tudo, em geral, estão numa dependência inelutável dos poderes e da vontade de quem pode. Isto tem sido a fonte das maiores tragédias e infâmias da humanidade. A esperança reside na capacidade que tivermos de controlar o poder, pelos valores e pela ciência.
Durante algum tempo ensinaram-nos que era isto que estava a acontecer e iria acontecer. Temos vindo a verificar, não com muita surpresa, diga-se de passagem, que os suspeitos de sempre, subverteram habilmente o sistema, ao jeito de sempre.
Parece que a ciência das escolhas, não por culpa da ciência, obviamente, é o que está mais longe da mente daqueles que assumem (?) e que estão, em primeira linha, investidos da responsabilidade de "escolher" e decidir o melhor para a sociedade, ou seja, os políticos.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Efeitos perversos da democracia


A democracia está a ficar muito estranha. Diria até, muito antidemocrática. 
Com maiorias simples se arrumam definitivamente assuntos da maior relevância 
para países e comunidades de países (pense-se no Brexit e no Trump). 
Dá-se mais credibilidade e relevância a mecanismos eleitorais do que importância às opções 
ou à importância das opções. 
Afinal, os partidos de direita têm vindo a crescer porque os pobres confiam mais nos ricos 
e preferem-nos? 
Se é assim, será por falta de partidos capazes de representar os pobres? 
Eles são, cada vez mais, a minoria e, ainda assim, ganham eleições. 
Que é que se passa?
Como podemos esperar que os ricos governem? 

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Idílio para uns, tragédia para outros


«Não há Verdade onde a vida e a história é idílica para uns e trágica para os outros todos. Enquanto houver quem o não perceba e respeite, continuamos na pré‑história. Na sua crueza, e injustiça, é esta a questão da humanidade. Por muito que as ideologias e as regras da civilização dita ‘global’ andem a convencer o mundo do oposto. E esta busca de verdade começa em muito a nível individual, mas só se torna eficaz quando a constelação de convicções que gera se volve em crença de uma comunidade, em paradigma, motor de adaptação e evolução.» Do prefácio do último livro de Sebastião Formosinho, "A Esperança, Utopia impossível?: da insatisfação como via do (que podemos) conhecer, e esperar, e devir", em co-autoria com J. Oliveira Branco

Como é tão difícil compreender e aceitar e praticar o que, tantas vezes, é evidente? Que regras ou forças nos impedem, ou constrangem, ou desaconselham? Em que sistemas de "persuasão"/alienação, estamos imersos, que não deixam alternativas? Por que é que as verdades, a verdade, parece ser sempre mais difícil de se "aplicar"? E estamos a viver no séc XXI, depois das luzes.
Não me refiro apenas à verdade do ser. Também a verdade do dever-ser parece chocar, em muitos aspetos, com aquela e querer anulá-la. Mas aqui, destaco o "querer", a vontade, na medida em que prescinde de tudo e se erige em último critério de todas as coisas: o indivíduo, o individualismo, o egoísmo, a loucura, o pessimismo, não carecem de outra racionalidade que não o próprio capricho, o refúgio mais enganador que as drogas...
Penso que o pessimismo é consequência do individualismo/egoísmo/capricho e que o otimismo não existe senão numa visão, sentimento, perspetiva, coletiva, social.
Aquele é autofágico, não sobrevive a si mesmo.
A promessa dos sistemas políticos de que o melhor para a sociedade se alcançaria fomentando o egoísmo/individualismo, colonizando o indivíduo, está cada vez mais longe de se cumprir, talvez porque, levado a extremos, o individualismo aniquila o próprio indivíduo, retirando-lhe sentido e sentimento social, esvaziando os valores sociais.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Produtividade


Uma coisa é a produtividade enquanto conceito, enquanto rácio entre quantidades, por exemplo, de produção física e unidade de trabalho, ou unidade de capital…ou de valor da produção e quantidade de fatores, sempre numa perspetiva do custo (preço), em cada momento. Neste caso, a produtividade depende dos valores disponíveis para cada um dos termos da relação. Estes valores são encontrados através de registos, de um determinado período, como por exemplo o PIB. 
Associar a “bondade” da produtividade, sem mais, ao crescimento económico, é algo perverso, porque este pode ser obtido à custa de sacrifícios desproporcionados…
Outra coisa é a produtividade enquanto realidade (mensurável ou não), que pode ser maior, menor ou igual, à de diferentes períodos e que, ainda assim, varia de setor para setor e de ramo para ramo… Mas, em geral, só conta com “ganhos/perdas de eficiência” empresarial, quando há ganhos/perdas de eficiência das famílias e das instituições, em múltiplos níveis e não apenas dos custos.
Em ambos os casos estamos a falar de quantidades, independentemente das qualidades e nem sequer estamos a falar de melhorias ou piorias.
Em termos de valor acrescentado, não podemos ignorar, por exemplo, que o acesso aos computadores e à internet veio revolucionar a relação dos consumidores/famílias/particulares, com os outros agentes económicos, e também o modo como resolvem inúmeros dos seus problemas de autoprodução /autoconsumo.
Infelizmente, não será para breve que os humanos deixarão de trabalhar. Digo infelizmente porque bom seria que o trabalho fosse feito por robôs e os humanos pudessem viver para a especulação, a conjetura, a investigação, as artes, o desporto, o amor, a justiça, a paz. 
Para além destes, não é fácil vislumbrar domínios em que os robôs não sejam melhores do que nós a fazer o que lhes ensinamos.

Entretanto, não é de esperar que o crescimento e a produtividade ocorram em cenários de uma concentração dos rendimentos que ultrapasse os limites críticos do consumo, abaixo dos quais aqueles não podem ocorrer. 
De resto, e considerando que existem mecanismos e sistemas de medida e controle das quantidades/tipos de riqueza e respetivas apropriações/distribuições, tudo acabará por ser apenas um problema de cálculo em busca da máxima rendibilidade possível, sim, possível, com mais ou menos robôs.

Carlos Ricardo Soares

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

A virtude do vício e o vício da virtude


  Vamos sendo viciados. 
O vício, como antónimo de virtude, não me interessa. 
Pode-se ser viciado em virtude? Penso que sim.
O vício da virtude não deixa de ser um vício. 
Então, qual a diferença entre a virtude do vício e o vício da virtude? 

sábado, 10 de dezembro de 2016

Fins lucrativos

Os fins lucrativos...Não é que justifiquem coisa alguma, mas são a charneira do capitalismo, justificados pelo capitalismo enquanto modo de produção que tem tido uma história cujas coerências, até "há pouco", sobrelevavam as incoerências. Refiro coerências como poderia dizer lógica do jogo, ou lógica dentro de um universo. A atenção dos agentes económicos está e "não pode" deixar de estar "presa" a tudo e quase só o que é susceptível de lucro. Existe outra coisa?-pergunta o jogador.
As humanidades (direito, ordem, segurança, filosofia, educação, antropologia, história, ciência da religião, arqueologia, teoria da arte, cinema, dança, teoria musical, design, literatura, letras, filologia, etc.) estão para as outras ciências, de algum modo, no que respeita a lucros, como o campo está para o agricultor e os oceanos para o pescador.
A democracia e a plutocracia são duas faces da realidade atual, a pobre a quem é concedido sobreviver mediante vassalagem e a rica que se louva nas virtudes da pobre.
Se porventura houvesse investimento nas ciências humanas, que de longe se parecesse com o que tem sido feito nas outras ciências/tecnologias (que também são humanas, obviamente), e nem precisava de ser aproximado do que se faz, por exemplo, no futebol, acredito que todas as causas da humanidade perdidas nos últimos séculos, incluindo guerras, teriam sido ganhas no tribunal do conhecimento. Mas a cegueira ocupa o topo da hierarquia dos poderes, não por mérito de visão, mas por inerência da cupidez...e dos fins lucrativos.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Perspetivas críticas


Não vou alargar-me em considerações, mas louvo a análise que é feita com abertura de perspetivas críticas.
Todas as estratégias e metodologias para ensinar padecem do mesmo vício, qual seja o de, eficientemente, quererem "levar" o aprendiz a saber, fazer, reproduzir, determinadas matérias que lhe são alheias.
Há em tudo isso uma violência, que alguns louvam, mas que uma boa parte, preferia não ter sofrido.
Sempre (sempre) no pressuposto do interesse do próprio, submete-se o indivíduo, não apenas a uma visão (religião, ideologia, crença), mas também a uma condição inelutável de "estar sujeito".
O haver "um preço a pagar para..." já é uma situação de privilégio. Abandonada a pedagogia da palmatória e do chicote, nem por isso se deixou de recorrer a instrumentos de persuasão, de coerção e de humilhação e de castigo.
Em geral, assiste-se, hoje, a uma culpabilização da criança e do jovem, primeiro, por viverem à custa de alguém, nomeadamente dos subsídios para a sua formação (obrigatória).
É óbvia a dificuldade de lhes imputar responsabilidades pelo que quer que seja. Sê-lo-ia se fossem adultos, muito mais por o não serem.

É toda uma filosofia e uma concepção sobre a natureza do homem e os processos de socialização/aprendizagem, que subjazem ao paradigma educacional atual, que vale a pena questionar e pôr em causa.