"Ser feliz é uma actividade que requer toda uma vida e não pode existir em menos tempo" - Aristóteles, Ética a Nicómaco
sábado, 15 de julho de 2017
A política, as teorias e as pessoas
Podemos teorizar ad infinitum sobre democracia, participação política dos cidadãos, vulcanos e marcianos, representatividade... Mas a política está para as teorias (sejamos benevolentes) como os partidos estão para as pessoas. As pessoas, transformadas em eleitores, são uma categoria da ordem política, que funciona como a moeda, são uma abstração. E todos sabemos disso, até o mais participativo (por omissão). Não é o representado que escolhe o estatuto de representado, etc. e tal. O representado é "brindado" com o dever, vejam só, de escolher quem o represente, quem represente a sua vontade. Ora, isto não é um brinde, nem é um direito, porque o chamado direito de voto é algo de muito perverso, como tantas outras perversidades com que vamos sendo aliciados nos negócios do mundo.
A representatividade nem sequer é uma opção, é o que há. E nem sequer se apresenta como um típico contrato de adesão, que o cidadão subscreve ou não, porque ao cidadão não é dada a possibilidade de não contratar o sistema.
Um cidadão que não tenha aceite, sequer tacitamente, ou que, expressamente, repudie os poderes instituídos, democráticos ou não, não deixa de estar sujeito aos mesmos, nas mesmas condições em que o estão aqueles que os aceitam.
Assim, até o significado e os efeitos da abstenção são estabelecidos ou convencionados pelo sistema, ou seja, não significam o que realmente são (não subscrição da representatividade de nenhum dos candidatos), mas o que o sistema assimila no seu interesse, ou seja, aceitação tácita dessa representatividade.
Um político, que faz disso profissão e, como tal, é remunerado, começa logo por viciar todo o sistema de representatividade. É alguém que, não só, está à porta do poder como ainda faz parte de uma máquina cuja lógica de funcionamento prevalece e sobreleva, intencionalmente, sobre qualquer hipótese de negociação desse poder, prévia e detalhadamente, desenhado.
Mas o que me faz saltar do banco é essa ideia, tão religiosamente devota, da participação dos cidadãos na vida política. É como se estivesse a assistir a um jogo de futebol e o clube de que fosse sócio, além da minha quota, da minha presença e ovação, do preço do meu bilhete, do meu culto clubista, com orações e tudo, lágrimas e sacrifícios, reuniões e hinos, caravanas e apitos, cachecóis e camisolas, cartazes e tempos de antena, estivesse à espera que eu jogasse...de borla.
A falta de cultura política em Portugal é de tal ordem que, desde o 25 de abril, democracia passou a significar que, se o povo se governar, os seus representantes governam-se.
Os políticos, que disso fazem profissão, que fazem profissão da angariação de votos, sabem muito bem o que é a representatividade e o poder do voto, para eles e para os eleitores. Os eleitores também sabem, mas os políticos estão sempre a lembrar-lhes o dever de participação e, se possível, que governem por eles, de borla.
segunda-feira, 10 de julho de 2017
O problema dos discursos sobre os problemas
Já não bastam os problemas, ainda temos o problema dos discursos sobre os problemas. Em educação e no ensino, em geral, este problema é o maior de todos.É, digamos, o problema dos problemas.
Acho muito bem que se identifiquem e se caracterizem os problemas.
Acho muito bem que se analisem e se compreendam em todas as vertentes.
E que se estudem processos e metodologias (que não sejam milagrosas) de otimizar ensinos e aprendizagens, em todos os sentidos institucionais dos termos. Este é um trabalho sem o qual só podemos contar com o saber de experiência feito, o qual, como é sabido, tem imensas limitações e defeitos.
Na realidade, é muito mais fácil e apelativo traçar perfis para formandos do que, perante um grupo de formandos, assumir que é possível atingir/realizar um determinado perfil, mesmo que se soubesse que existem instrumentos e técnicas à disposição capazes de lá chegar.
Quando o perfil de cidadão não chega, recorre-se ao perfil de cidadão de (mais ou menos) sucesso e envereda-se por uma enumeração de competências, capacidades, que esvaziam a cidadania do seu próprio sentido.
Depois, espera-se da escola muito mais e muito menos do que aquilo que os professores e os alunos podem e sabem.
E não basta que a escola sirva uma mesa perfeita de alimentos de que todos se podem servir de acordo com as suas preferências, vocações, interesses, facilidades, curiosidades, talentos... Também é necessário que professores e alunos queiram servir-se e gostem. E, não menos importante, tudo isso é um jogo, que deve obedecer a regras, mas nem todos ganham justamente.
Por outro lado, vivemos numa fase em que parece já não ser a escola que lidera o destino, com propostas de formação, educação, aprendizagens, de reconhecido mérito e viabilidade. Em vez disso, na sua palidez desmaiada, apela aos alunos para que sejam eles a viabilizar e a descobrir o que aprender/fazer para sobreviverem no conturbado mundo de muitos mercados, de que as escolas são um.
Talvez a maioria dos professores e alunos se apercebam e sintam que a escola é mais do que instituição de ensino e de educação, até porque é lá que passam grande parte (cada vez mais) do tempo das suas vidas.
A escola tem vindo a deixar de ser instrumental relativamente aos mercados e à vida ao ponto de, cada vez mais, serem estes instrumentais relativamente à escola.
sexta-feira, 30 de junho de 2017
Atores principais num palco de todos
Sobre as
humanidades, direi simplesmente que o seu estudo é talvez das áreas de estudo
mais complexas e exigentes e inabarcáveis.
O seu fascínio pode levar à ruína os
espíritos mais apaixonados pelo saber, porque o saber, não ocupando lugar,
também não enche barriga. E o saber das humanidades não é dos elegíveis para
criação de riqueza económica e, como as virtudes em geral, não é disputado nos
mercados, nem está nas ligas de campeões.
Quanto ao
declínio do ensino das humanidades, parece-me que estamos no domínio das perceções e, aqui, não
há como garantir sequer um mínimo de plausibilidade.
O ensino já não é o que
era.
Já nada é o que era.
Numa sociedade da informação (talvez mais da
indústria do espetáculo) o ensino já não ocupa o centro e o palco foi-lhe
"roubado". Vivemos num tempo em que o palco parece (é) tudo. Quem não
está no palco não tem importância, como se (pense-se na política), só o que tem
importância é que está no palco.
Todavia,
quando falamos de palco temos presente que não é o palco que faz o ator. O
palco é qualquer lugar, pode ser na rua, em cima de uma árvore, fechado num
quarto... desde que tenha visibilidade e quem observe.
O palco não faz o ator
no mesmo sentido em que o ator faz o palco.
E há no
ensino especificidades substanciais e dinâmicas de ensino-aprendizagem,
avaliação...que fazem da questão do palco um aspecto lateral e subsidiário.
No ensino,
ainda é preciso, muitas vezes, que os aprendizes assumam e queiram ser os
atores principais num palco de todos.
quinta-feira, 22 de junho de 2017
Fogos-de-artifício
Não faz
sentido, é uma loucura, mas verifica-se que, quanto mais se investe em meios de
combate aos incêndios, quanto mais tempo de antena, quanto mais palestras,
quanto mais exéquias e solenes parlamentos, mais repetitivos e insuportáveis se
tornam os fatalismos e os conformismos.
Porque a
minha memória de mais de meio século permite constatar que, todos os anos,
chegam os incêndios/fogos florestais e chegam cada vez mais devastadores.
Para um
otimista, como é qualquer criança que acredita que os adultos podem resolver
problemas, cada ano seria menos trágico que o anterior. Não foi isso que
aconteceu. Mas a criança otimista continua a acreditar que, por alguma razão
desconhecida, as coisas pioraram.
A criança
fica estarrecida mas encontra desculpas para os adultos que encolhem os ombros.
No ano seguinte, repete-se todo o palavreado. Os incêndios brincam com toda a
gente. Não faltam ideias para prevenir, mas o incêndio faz parte da tradição,
tal como os foguetes, e pronto. A criança estarrecida deixa de acreditar
naquela gente que vem lamentar os fogos e as mortes, etc..., e pensa que vive
num mundo a arder, num inferno.
O fogo não
tem culpa, mas é possível imputar responsabilidades pelas consequências dos
fogos florestais.
Eu
apostaria que, a manter-se a tendência, apesar da desgraça e do horror de
Pedrógão Grande, ainda este ano as coisas não vão melhorar, porque,
incompreensivelmente, para muita gente, os fogos florestais não passam de fogos-de-artifício.
domingo, 11 de junho de 2017
Filosofia e Ciência
À primeira vista e sem mais indagação, são as estratégias dialéticas de análise e síntese, que nos remetem para a diferenciação, tradicional, entre ciência e filosofia. Desde a filosofia do treinador de futebol até à filosofia da ciência, a capacidade de questionamento humano não conhece limites e chega mesmo a forçar os "cimentados" ou sedimentados limites da racionalidade. Este fulgor da filosofia, que ninguém nos tire, ninguém nos tirará. Esta verdadeira força (a juntar às outras forças da natureza), porém, é a mesma que anima a ciência.
De certo modo, a comunidade de cientistas e de filósofos acaba sendo constituída por cientistas, cada vez mais filósofos e por filósofos, cada vez mais cientistas.
Da descrição dos factos às interpretações e à fixação de sentenças, pode ir um complexo processo de validação, falsificabilidade, monitorização dos próprios processos indutivos/dedutivos, com todo o tipo de implicações, não apenas científicas, ou filosóficas, mas ideológicas e de conceção/visão do mundo e do homem. Se a ciência se abstém destas implicações, já a filosofia, não só não se abstém como se ocupa delas preferencialmente.
domingo, 4 de junho de 2017
Insolências Superiores
É possível imaginar imensos cenários sobre escolas possíveis, ou até sobre inexistência de escolas.
Se eu fosse criança não concebia e não queria escolas.
Se fosse adolescente, concebia e talvez quisesse escolas de jogos e desportos.
Como sou adulto amestrado e "conformado" com as realidades da vida (e sempre me fizeram saber que era um privilegiado, para que eu aprendesse, mas acho que não aprendi) lido com a realidade que tenho, por mais difícil que seja e...Por mais justificada que seja a organização e a classificação das pessoas (classificação numa sociedade "dita" sem classes), só o simples facto de odiar tudo isso exclui toda a possibilidade de sucesso e de felicidade e de concordância.
As crianças, de hoje mais do que as de ontem, têm uma percepção de que assim é. As informações contraditórias, os deveres contraditórios, os objetivos contraditórios, e sobretudo as hipocrisias, provocam curto-circuitos nos cérebros, ou pelo menos nas inteligências e geram desconfiança, agressividade, frieza, ódio...
A justificação nunca poderá envolver um desmesurado sacrifício, sob pena de não se justificar.
A primeira preocupação dos sistemas de ensino talvez devesse ser o respeito pelas pessoas e a atenção ao seu bem estar, alunos e professores. Colocar a tónica em aspetos disciplinares, muitas vezes para disfarçar incompetências, é velho de mais. O bem estar, não como um estado definitivo, mas como um objetivo prioritário, considerando que é um dos pilares construtivos por excelência e, já agora, dos mais pedagógicos e saudáveis.
Mas, pensem duas vezes, parem de instrumentalizar as pessoas e de tratá-las abaixo de robots, fazendo-as amargar ao máximo o seu estado de dependência. Não coloquem ninguém em estado de dependência.
Este é o pão nosso/vosso de cada dia.
Este "parem" dirige-se às Insolências "Superiores", como é vulgar dizer-se, ainda hoje, neste tempo civilizado de Venerandos "Juízes" e "Suas Santidades". Ó acólitos, prosélitos, nefelibatas e quejandos, coloquem-nos num pódio, atribuam-lhes medalhas, laureiem-nos, como fazem às misses... Mas acabem definitivamente com esta aberração/humilhação.
sábado, 27 de maio de 2017
Ciência, crença, credibilidade
Pelo respeito e pelo
interesse que merece a ciência (conhecimento e artes e competências, em geral,
são daquelas "coisas" que não se compram, ou se têm ou não e não há
dinheiro que nos emposse de talento como nos empossa de roupa), preciso dizer
que a ciência não está a sufrágio popular, nem qualquer outro e que ser
cientista não é uma questão de votos. Aquele nojo que as campanhas eleitorais
causam com a pedinchice de votos e todos os trejeitos e tiques de proselitismo
dos candidatos, para verem legitimado o seu lugar no poder, felizmente, não faz
parte do universo da ciência e o povo há-de aprender que o poder da ignorância
só dá prejuízo.
O poder da ignorância é, por
exemplo, viver de acordo com o critério do interesse pessoal. Do tipo, "o
que não me interessa, ou, o que não interessa, não vale".
À primeira vista, este
critério parece salvar tudo o que importa e substituir todas as discussões
sobre escolhas, mas só a ignorância consente numa aparência destas.
O partido da
"crença" foi, é e será, enquanto e tanto quanto formos ignorantes, o
maior partido da humanidade.
Crença, não em qualquer
coisa, mas em algo que acreditamos, na medida dos nossos interesses (instinto
de sobrevivência?).
A discussão não é sobre os
fundamentos da crença, mas sobre os interesses da crença. Está aqui envolvido
um sentido prático e uma racionalidade pragmática que são uma fortaleza
daquelas que não se construíam, nem antigamente.
Curioso é que a ciência,
quanto mais se apresenta como a solução, como a infalibilidade (Deus) que foi
retirando à infalibilidade religiosa, tanto mais contestação e desconfiança vai
gerando.
Chegados aqui, ocorre dizer
que não basta à ciência ser ciência para ter credibilidade. As pseudociências,
não sendo ciências mas parecendo, às vezes, têm mais.
Ou seja, o problema da
ciência como crença é um falso problema ou um não problema. O problema é,
sobretudo, de crise de credibilidade da ciência.
Não de credibilidade enquanto
conhecimento que, em geral, não é questionado, mas de credibilidade enquanto
instrumento, que está nas mãos de quem tem interesses que não coincidem com os
interesses dos outros.
Ciência, religião, futebol,
partidos políticos, quanto à questão dos interesses e da credibilidade, jogam
num campo, quanto à questão da crença e do conhecimento, jogam noutro.
Os adeptos que fazem claque
num dos campos, podem ser adversários ou inimigos no outro.
A complicação surge sempre
que nos pomos a falar de ciência e crenças sem definirmos previamente os planos
e os pressupostos, ou os termos, da discussão.
A crença, como dimensão do
conhecimento científico, não é o mesmo que a crença religiosa, a superstição, a
astrologia.
E, em geral, parece-me que a
força das crenças depende muito da credibilidade.
Se a tua crença é credível,
se merece confiança, seja pelos resultados, seja pelos valores envolvidos, o
mais provável é que não a abandones, porque ela serve os teus interesses.
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