quinta-feira, 12 de novembro de 2020

O positivismo de Auguste Comte e de Platão

O filosofar é uma actividade severamente ameaçada por se desenvolver mediante um discurso cuja linguagem não nos pertence senão na medida em que a utilizarmos e não nos serve senão na medida em que a dominarmos na medida em que os nossos interlocutores a dominarem. Se juntarmos a isto o problema de, ao filosofar, o discurso filosófico ser o objecto do filosofar, porque não se trata de filosofar senão sobre ideias, ou conceitos, ou imagens, cujos contornos e conteúdos é impossível estabelecer, o que retira a esperança de duas pessoas, ao filosofarem uma com a outra, terem a mínima segurança ou certeza de estarem a pensar a mesma coisa ou algo bastante parecido, há motivos para pensar, como parece que Comte pensava, que há que ser positivo, no sentido de adoptar uma atitude construtiva com base na utilidade e no valor daquilo que pode promover a humanidade como aposta ganha.

A proposta dele partiu dessa necessidade de ordem e progresso social e que ele acreditava ser possível apenas através da religião. A experiência da Revolução francesa, que Comte vivera de perto, era a prova de que a igreja católica não tinha conseguido mobilizar a sociedade e menos ainda a Humanidade, em torno de um valor supremo que não ela própria. 

Deus não era suficientemente apelativo, nem suficientemente convincente para ser afectivamente adoptado como bem supremo.

Comte, talvez acreditando que o que move as pessoas são os afectos e as necessidades que geram solidariedades em torno de interesses e objectivos colectivos e individuais, elaborou um catecismo com a doutrina de uma religião universal que, no lugar de Deus, teria o amor por princípio, a ordem como base e o progresso por finalidade.

Essa seria a forma de alicerçar a construção da sociedade humana ideal.

A unanimidade seria obtida por efeito da verdade da ciência, que teria como sacerdotes os cientistas e cujo carácter experimental e verificabilidade não estariam sujeitas a refutação.

As ramificações, os desenvolvimentos, as interpretações, as versões e os sucedâneos desta ideia de positivismo (por oposição a negativismo-que afirma a impossibilidade de conhecer o ser), foram inúmeras e tiveram aplicações adaptadas em regimes políticos autoritários concretos.

Entrevejo algum paralelismo entre a situação histórica de desordem vivida por Comte, a vivida pelos filósofos Sócrates e Platão e o tipo de resposta que deram ao problema de, sendo filósofos, o que sabiam e podiam fazer face à violência e às guerras.                                                  

Sócrates, não tinha escola, dizia que não tinha nada para ensinar e é famosa a declaração “só sei que nada sei”, que lhe é atribuída.                        

No entanto, segundo o oráculo de Delfos, Sócrates era o único sábio. Então, ele terá concluído que, se era o único sábio, era porque só ele sabia que nada sabia. Os outros nem isto sabiam. Com esta alegação, talvez Sócrates irritasse muita gente que acreditava que o oráculo não mentia. 

A filosofia parece ter nascido, assim, da necessidade de fundamentar até à irrefutabilidade as opiniões sob pena de elas não passarem de expressão de interesses, instintos, desejos, paixões, ilusões, frustrações...

Mas Sócrates não acreditava que fosse possível fundamentar o que quer que fosse até à irrefutabilidade, nem a sua ignorância. E, neste ponto, ele parecia brincar com a "infalibilidade" do oráculo a seu respeito. 

Sócrates adoptara uma posição, digamos, “negativa”. Contestava os outros, porque só tinham opiniões e porque ter opiniões não é saber, mas ficava por aí, não sabia mais.   

Platão não aceitava esta saída e entendia que a filosofia “tinha a obrigação” de fazer mais. Esta posição era, digamos, “positiva”, no sentido que me parece ser o do positivismo de Comte.


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