quinta-feira, 31 de março de 2016

A ciência das escolhas


A ciência, enquanto tal, enquanto conhecimento, arriscaria dizer que é boa. A ignorância, arriscaria dizer que não é boa.
Mas toda a decisão, ou ação/omissão, ainda que baseada na ciência, nos coloca perante um problema de bem ou mal, bom ou mau, ou nem uma coisa nem outra.
As consequências, ou efeitos, da ação/omissão são um problema não menos importante ou crucial do que os problemas da ciência enquanto conhecimento das coisas.
Não é racional, nem é bom que se deixe o poder de decisão sobre o uso do conhecimento àqueles que detêm esse poder porque lá chegaram por qualquer via, autocrática, democrática, plutocrática...
Mas também, não é pelo facto de os cientistas o serem nas suas áreas específicas, que o sejam na "ciência das escolhas", no momento de escolher a melhor opção possível.
A ciência das escolhas é uma coisa "tramada", porque, modo geral, quando se trata de agir, por exemplo, conquistar um país, dominar uma região, toda a ciência se presta a qualquer escolha, exceto a ciência das escolhas.
Não é apenas um problema de ética. É sobretudo um problema económico (de sobrevivência da humanidade e bio-ambiental), que ultrapassa o "logos" da ética e adquire contornos da ordem do transcendente.
Não parece que possamos prescindir do contributo e da intervenção crítica muito atenta da ciência das escolhas sempre que se trate de saber o que é melhor, do leque das ações/omissões disponíveis.
E muito menos prescindir de mecanismos políticos que garantam a melhor decisão (que não poderá ser meramente política mas, tanto quanto possível, científica). E aqui já deparamos com uma imensa dificuldade.
A história é a demonstração, até à exaustão, de que o poder, nas mãos dos loucos, transforma o conhecimento num instrumento de destruição e de domínio e de que o poder, de uma ou outra forma, acaba sempre em violência mais ou menos camuflada sobre as pessoas e o ambiente e as coisas em geral.
Há que respeitar a vontade das pessoas adultas sempre que essa vontade não colida com interesses de terceiros e, se tiver que lhes ser imposta alguma restrição por razões de interesse público, que seja dada garantia de que o risco é assumido pelo Estado, que responderá por danos.
Neste aspeto, sempre salvaguardados os princípios da responsabilidade civil e os limites criminais, que têm a ver com publicidade enganosa, burla, etc...., a questão das vacinas não parece diferente de outras situações em que há intervenções na saúde.

sábado, 26 de março de 2016

O dinheiro


A questão, tantas vezes invocada para justificar a austeridade, de não haver dinheiro é uma falsa questão e é um modo cínico, ou manifesta ignorância, de justificar a privação das pessoas de bens e serviços. 
Se, por absurdo, eliminássemos todo o dinheiro, ou o colocássemos em sepultura, como se fez ao latim, deixaríamos de pensar que todos os problemas eram de falta de dinheiro. Os problemas passariam a ser eles próprios e não de dinheiro. 
O verdadeiro problema é que o dinheiro se tornou cada vez mais o grande problema.
É sabido que as pessoas não comem dinheiro nem se deslocam em cima de notas ou de moedas. 
Não dêm dinheiro às pessoas, dêm-lhes bens e serviços e fiquem com o dinheiro todo.
Se amanhã não houvesse dinheiro, o mundo não estaria mais pobre e não haveria mais famintos, nem mais doentes, nem menos fruta, ou lojas mais vazias. 
Podemos ter a certeza de que, se não houvesse dinheiro, não haveria inflação, nem deflação, nem tantas outras situações deploráveis ligadas ao capitalismo financeiro.
As imensas vantagens da fungibilidade do dinheiro (e haja em consideração o facto de este conceito estar longe de ser coincidente com o conceito de moeda) talvez saíssem muito diminuídas de uma análise sobre as, também imensas, desvantagens.
O dinheiro tem vindo a adquirir uma tal abstração que se tornou um valor e uma mercadoria e um instrumento em si mesmo, profunda e terrivelmente dissociado da dinâmica e das leis da economia dos bens e serviços.
Digamos que o facto de ser um mercado (cujo peso e relevância nas economias é assustadoramente crescente e incontrolável) à parte dos mercados de trabalho, mercadorias e serviços, exige que se compreenda, sem ilusões, de que é que se está a falar quando se fala de dinheiro.
Fazem falta Newtons e Einsteins nas ciências económicas para nos ensinarem imensas coisas que é preciso saber. 
No entanto, nestas áreas, que também atraem os mais dotados, os cérebros preferem ocupar-se em esquemas de enriquecimento...



domingo, 13 de março de 2016

Como um crente


Fosse eu demolidor e diria: felizes os que têm prazer de ler o que escrevo, porque são justos e belos e sãos e santos e inteligentes e sensatos e quase perfeitos, mais do que eu.
Mas escrevo sem recriminações.
Não escrevo como um juiz, nem como um réu.

Escrevo como um ignorante que aspira à sabedoria, como um cego que aspira à visão, como um forte que não tolera a força, como um fraco que não se resigna a qualquer sujeição. Não escrevo "ex cathedra", mas como um crente. A esperança e o amor são a racionalidade e a poesia a expressão de algum modo ou forma de verdade.