sexta-feira, 28 de julho de 2023

Filosofar

Filosofar é quando tento perceber claramente se "o que penso que é" é efetivamente, pois o que penso que é deve ser o que é e não o que eu penso que é. 
E tento perceber isso porque, se o que penso que é não for, o meu juízo é errado e a minha escolha vai ser afetada por esse erro. 
Tomemos como exemplo o que acabei de dizer sobre o que penso que é filosofar. 
Carlos Ricardo Soares

domingo, 23 de julho de 2023

A paz

A paz dos cardumes

e a do peixe fortuito

algo tardio

como aquele aqueduto

atravessa o vazio

invade o coração

com a promessa

de uma garrafa de Douro

com vistas para a outra vida.

 Carlos Ricardo Soares

segunda-feira, 17 de julho de 2023

Forças da guerra e forças da Paz

Nem todos os exércitos, nem todas as armas têm sido suficientes para impedir e evitar guerras, todos os tipos de guerras e guerrilhas, locais, regionais, coloniais, civis, religiosas, comerciais, químicas, industriais, nucleares, tecnológicas...
Se houvesse uma sociologia das guerras que estudasse as guerras desde os primevos, aprenderíamos muito sobre a função reguladora da violência e, mais conscientes dessa realidade biológica, social, cultural, histórica, mas mais ainda sobre a cultura da guerra, que tem sido, em minha modesta opinião, o círculo vicioso, para não dizer espiral que se escala a si própria, numa lógica de exercício de poder e de defesa desse poder, sempre que encontra obstáculos, ameaças ou ataques, em melhores condições estaríamos para evitá-las, ou impedi-las, ou minimizar os seus efeitos.
Nessa sociologia talvez se descortinassem, em todas as guerras, padrões que ajudariam a compreender o fenómeno da guerra, como violência humana, uso da força para atingir fins e objectivos ilegítimos, ilegais, injustos e desumanos, independentemente dos pretextos invocados para desencadeá-las. Talvez se tornasse mais claro que uma guerra não é como o amor que, quando começa, nunca ameaça ter consequências e que, apesar disso, quem inicia uma guerra tem um plano optimista, não em relação à guerra, nem em relação à resolução de um diferendo, mas em relação a alguns objectivos, mais ou menos confessados, entre os quais um objectivo territorial, de supremacia, ou punitivo, perpetrado por uma força, ou uma potência que se coloca, ou que está, ou pensa que está, em posição de superioridade bélica, em condições de tirar vantagem, ou de, pelo menos, não sair esmagada do desastre da derrota.
As sociedades humanas politicamente organizadas em estruturas militares, nas quais assentam o seu poder de facto, ainda não encontraram outra forma de se estruturarem e não estão preparadas para aceitarem outro tipo de solução dos problemas conflituosos que não seja pela força, pela coerção e pela coacção, mesmo nas litigâncias judiciais internas, das mais simples às mais complexas, em que se não prescinde de contingentes policiais para assegurar a ordem e a segurança e realizar, executar as sentenças.
Assim sendo, numa primeira fase, a nossa esperança reside no poder de estabelecer uma regulamentação do uso da força, nomeadamente militar, nas relações entre Estados e na judicialização adequada da guerra através de instrumentos de direito internacional, da institucionalização de estruturas internacionais preventivas e, tanto quanto possível, num efectivo controlo, por uma estrutura política internacional credível, de certo tipo de armamento cuja finalidade seja ameaçar e eventualmente destruir massivamente. Ou seja, uma espécie de ONU legitimada e empoderada de uma espécie de monopólio sobre uso da força entre Estados, aplicação das leis da guerra, responsabilização e desarmamento, disposição e uso de certo tipo de forças, para certo tipo de conflitos armados.
Esta solução que, com algumas diferenças de escala, é considerada satisfatória para as situações estaduais internas, talvez pudesse ser adoptada pelos Estados, na ONU, pelo menos pelos que o quisessem e a subscrevessem, sem prejuízo de estes fazerem valer a sua posição perante aqueles que não aderissem.
Embora esta solução não estivesse ainda completamente a salvo de guerras, já apresentaria consideráveis avanços relativamente à situação atual.
As pedagogias da paz e da ordem, muitas vezes são contraditórias e andam, também elas, associadas a ameaças, mais ou menos implícitas, mais ou menos tácitas, porque quem dita os termos dessas pedagogias não abre mão do seu sistema de valores, ou de vantagens, sujeitando os outros às condiçoes e termos em que podem manifestar-se e pronunciar-se. Isto faz com que se formem correntes de opinião e se criem espaços próprios de expressão de ideias que, por não comunicarem uns com os outros, em vez de contribuirem para a conciliação dos contrários e a pacificação dos antagonismos, os acirra ainda mais e reforça os ânimos hostis.
As forças da Guerra e as forças da Paz estão numa relação de poder, de forças, de legitimidade, de Direito e de justiça que, cedo ou tarde, é decidida para o lado da Paz. Acredito que assim seja e tenho esperança de que as guerras acabem.

sábado, 8 de julho de 2023

Filosofia e ciência

A filosofia, quer a entendamos como exercício de racionalidade discursiva sobre os discursos, sobre os repertórios históricos das ideias formuladas, ou sobre conjecturas, em meu entender, nunca perdeu o estatuto original de disciplina de conhecimento, e de conhecimento da natureza do próprio conhecimento, não obstante, em meu entender, a ciência da natureza tenha vindo a revelar algo que a filosofia acabou por reconhecer como limite da filosofia como era entendida até então: há conhecimentos que não são possíveis senão pela observação, que nenhuma inteligência e nenhuma filosofia pode sequer conjecturar.

quinta-feira, 6 de julho de 2023

Mundivisões

O que distorce

a visão

o que distorce

nem sempre são

os olhos

é o obscurantismo

a divisão

a mundivisão

as palavras invisíveis

que ressoam em cavernas oníricas

do coração

a bater

o que distorce o tempo

é o rei da moda

continuar nu

a não ver

a felicidade

não ser um divagar

reflexo das miragens

de poder escolher

e não ter o poder

de ser escolhido

nem como futilidade

de cinco estrelas.

 

terça-feira, 20 de junho de 2023

Não há original deste rio

Um rio como este

não retomará o bom caminho
que nunca teve

não vai ficar na foto

não sei como vai ficar

se ficar

na minha memória

e até quando

eterno liquefeito

paraíso entornado

caldo de peixe cozinhado

no caleidoscópio mágico

de infâncias

que nunca foram resgatadas

dos grandes delírios

nem arrebatadas da corrente

insustentável

de um rio como este

de que nunca houve

nem haverá original

tão doente

que abraça os choupos

aninhados no lixo

como se ouvisse o mar

dos náufragos

e os confundisse com as brumas

da minha memória.

 

domingo, 11 de junho de 2023

As coisas não têm de ser como são

Se não sentíssemos/acreditássemos que “as coisas não têm de ser como são”, título de um trabalho que estou a realizar, ou, por outras palavras, se estivéssemos convencidos de que as coisas têm de ser como são, ficaríamos parados a ver acontecer, nada fazendo por nossa iniciativa, limitando-nos a respirar. Não obstante, e paradoxalmente, é porque as coisas são como são que nós sentimos e acreditamos que não têm de ser como são. Porque percebemos no modo de ser das coisas a susceptibilidade de as alterarmos, dentro das nossas possibilidades. E foi aqui e é aqui que surgiram/surgem os problemas e os conflitos. Os problemas surgem no sentir/acreditar, na necessidade e na (im)possibilidade da satisfação. Nós estamos dependentes das necessidades, no mesmo sentido da sua satisfação. Quando perguntamos, hoje, de que necessitamos, podemos constatar, por exemplo, que necessitamos de muitas coisas que os nossos antepassados não necessitavam. Passaríamos muito bem sem muitas coisas que existem, se elas não existissem. É a necessidade que torna as coisas úteis, ou, pelo contrário, é a utilidade das coisas que as torna necessárias?
Se perguntarmos porque temos necessidade de ir para a escola, o que mais me surpreende e choca, não é a resposta, é o ela ser imperiosa. Não existe escolha. E por que motivo? Toda a gente sabe, concorde ou não, goste ou não, é como ter de usar um transporte, ou falar uma língua, ou um telefone/telemóvel, ou uma arma. É como se quisessem impor-nos algo sem o qual preferíamos passar, ou, pelo menos, sem nos perguntarem se temos preferência.
Estamos hoje sujeitos, de forma violenta, ou quase violenta, a todo o tipo de dependências crescentes de estruturas desumanas, surdas e mudas, que nos cobram preços, em troca de serviços que não podemos dispensar.
Dentro deste comércio viciado e altamente desleal, ratificado e promovido pelos sistemas políticos e de justiça, entre os que têm as cabeças e as mãos atadas e os que têm liberdade para os explorar e armas para os alvejar, a educação e o ensino não são o menor artifício de dependência.
O que eu acho desejável, por mais utópico que seja, mas gosto de ser utópico até onde me deixarem, ou puder, é que haja a máxima independência dos indivíduos relativamente à educação. Infelizmente, verifico que acontece, cada vez mais o contrário. Cada vez mais, o ensino e a educação e as escolas, em geral, se apresentam e são entendidas, como meios de formação para o exercício de uma profissão, quer se goste ou não, e seja pelos motivos que forem.
A maior parte das pessoas até podem dar-se bem com isto e sentirem-se gratas por haver e lhes darem a oportunidade, por exemplo, de envergarem uma farda, ou de integrarem uma equipa, etc., e até sentirem elevados níveis de satisfação, de realização e de reconhecimento social, mas isso não deixa de ser a satisfação de uma necessidade.
A necessidade, seja pelo hábito ou não, dita e impõe a resposta, as aprendizagens, a escola, o ensino, a educação.
Onde vejo um problema é na alienação do indivíduo, da pessoa que se entrega, “que perde a vida” não para se salvar, mas porque sente/acredita que a sua vida tem a ganhar, até em sentido social, com a realização dos valores sociais susceptíveis de lhe darem retorno, seja profissional, ou outro.
Mas também vejo um problema na alienação do indivíduo a si mesmo, alienando-se da sociedade, que não busca, nem espera, nem encontrará por certo, na escola, no ensino e na educação, a resposta, ou o tipo de resposta, para a qual o ensino e a educação não estão vocacionados, nem preparados.