sábado, 10 de julho de 2021

Quem é autómato, não é gago.

Não se aborreçam se eu disser que, relativamente às memórias e às aprendizagens, não tenho grandes dúvidas de que a maioria das pessoas constroem as suas memórias e fazem as suas aprendizagens de um modo mais ou menos espontâneo, não rigidamente deliberado, num processo interactivo, em grande parte cultural, social, de comunicação linguística, mas não só, sem saberem o que são a memória e as aprendizagens, ou como se processam e o quanto isso é importante para elas.

Saber algo de cor e salteado pode ter interesse em alguns casos, sendo vantajoso identificar essas situações para reforçar a memorização de cor, nesses casos. Por exemplo, se quero dizer ou declamar um poema, cantar uma canção, posso não ter outro remédio, assim como se pretendo representar uma personagem numa peça de teatro falada, ou se me exigem num exame que saiba a tabuada de cor, ou, como antigamente, o código da estrada de cor. Em nenhum destes casos, todavia, a capacidade para papaguear as falas e os textos fornece qualquer indício, e menos ainda garantia, de que corresponde a outra aprendizagem para além disso.
Compreender o poema, a canção, a personagem, a multiplicação e os números, as regras de trânsito e a importância e significados disso tudo, pode, simplesmente, não ter sido alcançado.
Se for um sábio a ouvir, ou um professor a ler a resposta do aluno, até pode ficar deslumbrado com o que ouve, ou lê, e recolher do que ouve, ou lê, imensos ensinamentos, mandamentos e julgamentos, que nunca lhe tinham ocorrido, embora sendo sábio e não saiba nada daquilo de cor.
Mas quem fala de cor para o sábio, pode, muito simplesmente, não saber nada daquilo que diz. Aqui, as semelhanças do que fala de cor com um robot parecem-me evidentes. O “papagaio” bem podia começar por dizer “eu sou um robot” e não fazer nenhuma ideia do que estava a dizer e menos ainda da razão pela qual o sábio desatara a rir.
Já as semelhanças do sábio com um robot não são nenhumas e talvez um robot nunca venha a ser sábio porque, dificilmente ou nunca, virá a ter a noção e a ser capaz de compreender as linguagens que opera automaticamente.
Quem é autómato, não é gago.

sexta-feira, 9 de julho de 2021

Aproximações à verdade XII

Hilário: tive uma namorada que nunca me disse como se chamava

Amiga: e sabes porquê?

Hilário: não sei, nunca lhe perguntei

Amiga: nunca lhe perguntaste o nome?

Hilário: não, nem nunca lhe perguntei por que não me disse o nome

Amiga: e ela perguntou-te?

Hilário: o quê?

Amiga: tu é que sabes

Hilário: ela não me perguntou porque é que lhe não perguntei o nome

Amiga: e perguntou-te como te chamavas?

Hilário: não

Amiga: homessa?!

Hilário: fomos apresentados por um amigo

Amiga: ah, então sabiam o nome um do outro?!

quinta-feira, 1 de julho de 2021

Aproximações à verdade XI

Hilário: há pessoas que não podem jogar umas com as outras

Amiga: eu não posso jogar contigo, nem a feijões

Hilário: e tu não és minha irmã, imagina se fosses

Amiga: nem tudo tem a ver com prazer e dor física localizada

Hilário: que o meu prazer não seja a dor dos outros

Amiga: que a minha dor não seja o prazer dos outros

Hilário: se nos tirarem a dor, ficaremos privados de imensos prazeres

Amiga: se nos tirarem o prazer, ficaremos privados da vida e a verdade perde todo o interesse

terça-feira, 22 de junho de 2021

Aproximações à verdade X

Hilário: neste momento, os meus problemas são apenas filosóficos

Amiga: quais?

Hilário: o que quero dizer é que estou feliz por estar aqui e nem sei por que falei

Amiga: mas isso é um poema

Hilário: pois, um poema e mais nada

Amiga: um poema sem consequências

Hilário: já começo a sentir-me menos feliz             

Amiga: por causa do poema, ou por eu dizer que era um poema, ou por dizer que era sem consequências?

Hilário: por causa das consequências

Amiga: mas se é um poema sem consequências?

Hilário: tudo tem consequências

Amiga: mas nem sempre nos agradam

quarta-feira, 16 de junho de 2021

O que é, então, o erro?

Teremos imenso a aprender sobre o erro e uma teoria do erro, ou dos erros, ajudar-nos-ia a esclarecer se há erros colectivos e, havendo, em que diferem dos erros individuais. 

A humanidade erra? 

A ideia de que a humanidade possa errar parece inconsistente com a ideia de erro, pelo menos com a ideia de que a natureza não erra. 

Mas, se a natureza não erra e se o homem é natureza, o que é, então, o erro?

E o livre-arbítrio?

A ciência não é apenas uma maquinaria de previsão do futuro a partir do presente, mas também pode ser de adivinhação do passado, ou retrovisão. Ou seja, não apenas permite antever os efeitos a partir das causas, como determinar estas a partir dos efeitos.
Há, porém, um problema sério que não ganhamos nada em ignorar: tudo o que aconteceu não podia ter acontecido de outro modo. 

Quando buscamos causas é sempre do que acontece e nunca do que poderia, ou poderá, acontecer. Não há causas do que não acontece.
O determinismo, neste aspecto da questão, é irrefutável, ainda que não sejamos capazes de explicar todas as causas de um facto.
Aliás, aproveito para introduzir aqui a discussão sobre o livre-arbítrio, que é fascinante.
Se tudo o que acontece é determinado por causas e se não conhecemos nada que não tenha acontecido, onde é que vamos situar o livre-arbítrio?
Já li bastantes coisas à volta do assunto, umas mais confusas do que outras, mas ainda não vi ninguém a colocar a questão desta forma.

quinta-feira, 10 de junho de 2021

Aproximações à verdade IX

Hilário: Direito não é todos terem permissão de fazerem o que alguém faz

Amiga: Igualdade não é todos poderem fazer o que alguém faz

Hilário: e se esse alguém for o rei, ou o imperador, ou o sumo sacerdote?

Amiga: esse é que é o problema.