terça-feira, 26 de novembro de 2024

Razões de queixa, direito de queixa e Direito


O direito de queixa é uma conquista histórica e institucional das razões de queixa. Alguém com razões de queixa é alguém que se perfila perante um responsável por dano ou ofensa, exigindo desagravo, restauração e punição.

Esta capacidade para se perfilar e exigir, a maior parte das vezes, não existe de facto e, quando existe de facto, a maior parte das vezes, é por si mesma um factor de prevenção suficiente. Quando não existe, resta a proteção de um grupo, ou do Estado, para promover o direito de queixa e subsequente tramitação. O que é notável e louvável no Direito, como sua génese essencial, é não poder ignorar as razões de queixa.

Se os sistemas jurídicos mundiais, mais ou menos estaduais, religiosos ou laicos, tivessem capacidade e vontade para reconhecer e atender as razões de queixa, reconhecendo o direito de queixa e responsabilizando efetivamente os autores dos danos e das ofensas, impondo-lhes a obrigação de restaurar as situações até onde for possível e sancionando-os devidamente pela sua conduta censurável, os litígios desmultiplicar-se-iam e seriam evitados à partida por uma legislação que dirimisse preventivamente as razões de queixa.

Que sentido faria o Direito, em geral e abstrato, se não houvesse razões de queixa? E, ao reconhecer essas razões, o Direito não pode ignorá-las e tem de ser a melhor resposta para elas, nomeadamente, consagrando o direito de queixa.

Ora, nenhum direito será Direito se houver razão de queixa dos direitos.

          Carlos Ricardo Soares


quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Valores, princípios e condutas


Os valores e os princípios,nomeadamente de direito, continuam e continuarão a ser o fundamento e a fonte de critérios normativos, não apenas para o que é permitido, ou proibido, mas também para avaliar e julgar os actos e, não menos importante, para escolher e determinar as sanções respectivas e, por outro lado, para avaliar e julgar acerca da justiça, quer do julgamento, quer das sanções.
Uma vez formulados, conhecidos, aceites, estabelecidos, dificilmente ou nunca serão postergados sob pena de se estar a infringi-los. Este poder, que não devemos confundir com o poder formal que a autoridade confere à lei, é o verdadeiro dever/poder ético-jurídico que serve de critério de justiça da própria lei.
Aliás, se julgarmos toda e qualquer ação, ou sanção, segundo a ideia de direito, segundo a qual toda e qualquer ação, ou sanção, deve respeitar e obedecer a algo, este dever pressupõe que esse algo seja a melhor das possibilidades.
O problema não surgiria se, por hipótese que não se verifica no reino dos humanos, as acções de uns não entrassem em conflito com as de outros. Infelizmente, a existência de normas que consagram os valores e os princípios de direito servem para indicar o que é direito, o que se deve ou não fazer, para advertir e prevenir para as sanções, mas não são como as vacinas que imunizam os organismos, neste caso, para fazerem o que devem, ou, pelo menos, para não fazerem nada que não devam.
Ainda não foi descoberta uma metodologia que preveja, garantidamente, quem e quando deve ser impedido de praticar actos proibidos.
Quanto aos métodos para fazer com que os indivíduos e os grupos e os exércitos façam o que devem e se abstenham de fazer o que não devem, eles existem mas têm uma eficácia que deixa muito a desejar.
Não quero deixar de concluir que, também neste cômputo, a medida da nossa frustração e da nossa incapacidade para alterar a realidade é dada pelos valores e princípios de direito que não conseguimos fazer valer como desejamos.

                Carlos Ricardo Soares

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Aproximações à verdade - XXX


Hilário: a poesia é o que te falta

Quando pensas que tens tudo

Amiga: e é o que te resta

Quando sentes

Que tudo o que tens

Não importa

Hilário: essa oxidação

Das dores e das agruras

E dos sangramentos

Amiga: que fermentam

Em vinhos inebriantes

Ou em divino vinagre

Hilário: que nem aos deuses

Nem ao diabo

Dispensas

Amiga: por mais que ergam as taças

Suspensas como uma maldição

Hilário: dos mortais vingados

Como cangaços no alambique

Amiga: libertam álcoois etéreos

Com que se enaltecem

Mais que perfeitos.

              Carlos Ricardo Soares 

sábado, 2 de novembro de 2024

Lina 6


Procurava impressões digitais

Na capa das revistas

Espalhadas pelo chão

Qualquer indício

De alguém com um sonho

Um espectro

Ou pégada histérica

Naquele refúgio secreto

Sentia-a tão perto

Que quase tocava nela

Mas ela tocava em mim.

                       Carlos Ricardo Soares


sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Lina 5


Nunca tinha visto coisa tão Lina

Nem lugar tão bom

Ali na estufa

Todas as coisas eram eróticas

Não sei se embriagado

Pela adrenalina

Que não sentia

Se pela fantasia

Dos teus seios palpitantes

Para onde quer que olhasse

Desejava avidamente

Podê-la encontrar

                                 Carlos Ricardo Soares


quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Lina 4


Seguia-te sem pestanejar

Fascinado pela desenvoltura

Com que alçavas o saiote

Encantado pela censura

Com que punhas a mão

No decote

À portinhola da estufa

Dizias em surdina

Quase a pedir

Devagarinho que a Lina

Não nos pode descobrir

                         Carlos Ricardo Soares 


terça-feira, 29 de outubro de 2024

Lina 3


Sinto-a tão perto

Ouço-a a arfar

Vamos à socapa

Se ela nos vir

Nada nos pode salvar

        Carlos Ricardo Soares