terça-feira, 20 de setembro de 2022

Elogios

Elogio a pluma

Que toca a tua face

A rapsódia de luzes

Do teu cabelo

O disfarce

No escuro dos teus olhos

Submersos acenos

Do fino traço

Da tua silhueta

Amenos

Dardos pestanejam

De estrela para planeta

Recados sem venenos

Almejam

De uma caneta

Da espessura da boca

Elogio a seda

Da tua nuca

A escorregar dos ombros

Para o dorso

Destapando íntimos contornos

Ao suave decalque

Dos dedos

Num código tátil

Que abre

Sem quaisquer medos

Algemas secretas

Túmidos fonemas

Numa excitação desenfreada

Elogio as tuas pernas

No centro da tempestade

Bonança de poemas.

terça-feira, 13 de setembro de 2022

Perfeito só Deus

Até a ideia de perfeição está longe de ser perfeita.
Deus tem de ser perfeito, porque não seria Deus se o não fosse. Mas isto é circular, é o homem a inventar a hipótese de um absoluto que devia existir.
Deus foi criado porque devia existir.
Mas, tal como a perfeição, não existe.
Faz falta? Não sei se faz e não temos outro remédio senão tentar fazer aquilo que é preciso, tanto do ponto de vista dos juízos de ciência, como dos juízos estéticos, éticos, morais e religiosos.
Aliás, e esta é uma teoria inovadora, que estou a trabalhar e a testar desde há algum tempo, o homem, quer como indivíduo, quer como pessoa individual, escolhe o melhor em todo o tipo de situação em que poderemos falar de escolha, racional, consciente, ainda que a melhor escolha não seja boa e, muitas vezes, seja má.
Parece-me plausível que a noção de perfeição tenha sido trabalhada e cultivada sistematicamente na esfera do entendimento do que sejam as virtudes e como prato forte da moral religiosa e das teologias, incluindo as pagãs.
Ao entrarmos nesse capítulo, vamos abrir a porta a um museu em que podemos entrar para aprender sempre muito, até da história dos homens que acreditaram que a perfeição é algo que já existiu, que tem vindo a degenerar sucessivamente e que até Deus não consegue, ou não quer remediar, convivendo com a imperfeição de todas as coisas, excepto dele próprio, o que parece ser insólito.
De acordo com a teoria que estou a desenvolver, tudo parece mais simples e coerente se aceitarmos que não há cultura para além da humana, que só o homem dá sentido à realidade, que nenhuma outra realidade senão o homem dá sentido ao homem e que as escolhas do homem são as melhores.
Se assim for, estamos naturalmente determinados a uma melhoria tendencial, por via dos nossos actos individuais e das deliberações sociais a que não chamaria progresso, mas efeito de vivermos sob a égide do dever-ser, no sentido em que, para o homem o ser é o que deve ser (categórico, por imperativos de verdade, de necessidade, de lógica, hipotético, nas situações em que as escolhas têm como critérios meras crenças, de ordem estética, ética, moral, política, económica...).

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

A democracia dá muito trabalho

A democracia, enquanto conceito e prática cultural e política, tem evoluído ao longo dos séculos de um modo sempre perturbador para doutrinas, sejam liberais, socialistas, comunistas, religiosas, quer no que tange à vertente educativa e socializante destas, quer no que respeita à pretensão mais ou menos totalitária e ditatorial derivada do facto de serem monolíticas e incompatíveis entre si.
A democracia pode ser sempre mais democrática, mas o liberalismo, o socialismo, o comunismo, as religiões, não são democráticos. Diferentemente destes, a democracia não é doutrina.
A democracia é o que permite e obriga à coexistência do que, sem essa coexistência, a democracia não existia. Todos os poderes tendem a usar a democracia para a aniquilarem.
No fundo, ninguém, nenhum partido, nenhuma doutrina política, nenhuma igreja, é democrática, ou, se o são, é porque não têm outro remédio.
Apesar disso, a democracia, entre nós, e por notáveis pergaminhos nos EUA, tem sido capaz de obter as mais cínicas declarações de amor, de todos os partidos, com destaque dos partidos comunistas, que se aproveitam dela, enquanto puderem, enquanto ela o permitir.
A democracia tem estado debaixo dos ataques de todos e há cada vez mais loucos que acreditam que acabar com a democracia é uma verdadeira expressão de democracia, mas isso já é uma subversão dos termos, é pretender anular a evolução das realidades políticas e regredir para épocas anteriores às grandes conquistas da cultura.
A democracia, o estudo da democracia, devia ser uma disciplina para ser trabalhada numa perspectiva científica, como se estuda, por exemplo, o Direito do Direito.

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Falar de amor

Quando nos encontramos

Já tinha percebido

Que não iriamos falar de amor

Porque não sabíamos como

Senão ficarmos a olhar

As palavras não faziam falta

Não havia perspectiva

De nós próprios

Nem do que é amar

Os silêncios ancoravam

Naquele bar sem música

Sem imaginação

Sem perspectiva nenhuma

Quando estávamos a olhar

Se viessem os ensurdecedores

Com foguetes e tambores

Sairíamos daquele lugar

Em que nos encontrávamos

De mãos dadas

E só pararíamos nalgum sítio

Por alguma razão que desconhecemos.

sábado, 20 de agosto de 2022

Não há sonhos que o sejam mais

Todos temos os nossos momentos únicos

Os nossos tempos de glória divertida

Para recordar e fazer a história

Depois vêm outras experiências

Demonstrar que todos estiveram no centro

Do que vale a pena ou já não vale a pena

Recordar

E é triste perceber que não somos especiais

Porque cada um é especial à sua maneira

Com a história que ninguém sabe contar

Ou simplesmente não conta

Porque não conta

Senão para si próprio

Mas nada impede

E nada dispensa

Nem substitui

A própria narrativa da vida

Não há duas iguais

E os sonhos não se trocam por nada

Nem há sonhos que o sejam mais.

sexta-feira, 19 de agosto de 2022

A criação e a descrição dos processos criativos


Quando ficarem descritos e conhecidos e explicados os processos criativos, continuar-se-á sem saber e sem poder prever o que vai ser criado. E isto já era assim, quando no princípio era o verbo (dos processos criativos).
Até as descobertas científicas com mais repercussão nos nossos tempos, não criaram as coisas existentes mas deram-lhes uma "existência", ou representação, que elas não tinham. O que, por exemplo, Newton e Einstein descobriram, e que corporizaram nas suas teorias, não são realidades novas, não são naturezas novas. São realidades culturais novas (e nesse sentido são naturais, porque são humanas), entendimentos sobre realidades que talvez já existissem, acontecessem, funcionassem, muito antes do aparecimento do homem.
Até que ponto esses entendimentos, representações, modelos explicativos, podiam ter sido outros, ou serão substituídos por outros, é um dos aspectos mais intrigantes e fascinantes da aventura do conhecimento.
E é, no fundo, o intrigante e fascinante funcionamento da relação entre realidade, linguagem e conhecimento, ou, de como é viável falar de realidade senão pela linguagem e que conhecimento é esse.

sábado, 13 de agosto de 2022

Seca e sede

Este ano tem sido seco

Como a eternidade

Não há palavras que molhem

A palha que arde

Nem chuvas que deem de beber às fontes

Que têm sede

De verdade.