"Ser feliz é uma actividade que requer toda uma vida e não pode existir em menos tempo" - Aristóteles, Ética a Nicómaco
sexta-feira, 19 de agosto de 2022
A criação e a descrição dos processos criativos
Quando ficarem descritos e conhecidos e explicados os processos criativos, continuar-se-á sem saber e sem poder prever o que vai ser criado. E isto já era assim, quando no princípio era o verbo (dos processos criativos).
Até as descobertas científicas com mais repercussão nos nossos tempos, não criaram as coisas existentes mas deram-lhes uma "existência", ou representação, que elas não tinham. O que, por exemplo, Newton e Einstein descobriram, e que corporizaram nas suas teorias, não são realidades novas, não são naturezas novas. São realidades culturais novas (e nesse sentido são naturais, porque são humanas), entendimentos sobre realidades que talvez já existissem, acontecessem, funcionassem, muito antes do aparecimento do homem.
Até que ponto esses entendimentos, representações, modelos explicativos, podiam ter sido outros, ou serão substituídos por outros, é um dos aspectos mais intrigantes e fascinantes da aventura do conhecimento.
E é, no fundo, o intrigante e fascinante funcionamento da relação entre realidade, linguagem e conhecimento, ou, de como é viável falar de realidade senão pela linguagem e que conhecimento é esse.
sábado, 13 de agosto de 2022
Seca e sede
Este ano tem sido seco
Como a eternidade
Não há palavras que molhem
A palha que arde
Nem chuvas que deem de beber às fontes
Que têm sede
De verdade.
quarta-feira, 27 de julho de 2022
Inteligência A./consciência A.
Estou até convicto, embora não convencido, de que a inteligência artificial, sob todas as suas formas (pelo menos as que eu suponho), veio incrementar extraordinariamente os processos de inteligibilidade e de inteligência e de consciência humanos.
sábado, 16 de julho de 2022
Valores da literatura
Os autores, para mim, são indissociáveis das obras. E, acima de tudo, a literatura é o paradigma da liberdade, tanto na perspetiva do autor, quanto na perspetiva do leitor.
Mas, para isso, para ser paradigma da liberdade, não pode ser uma literatura ao serviço de uma propaganda. Quero dizer com isto que literaturas há muitas e que não me interessa por aí além uma literatura militante, pré-feita, ou pré-formatada, por mais habilidoso, criativo ou genial que seja o escritor a manusear conteúdos e formas e formatos.
Divulgadores de cartilhas ideológicas, militantes de qualquer espécie, doutrinadores e pregadores talentosos capazes de nos fazerem chorar contra nossa vontade e de até nos fazerem termos vergonha disso, como se tivéssemos sido hipnotizados, não há muitos, se é que os há, mas não me seduzem.
Isso de tocar violino num serrote, pode fazer-me arrepiar e até aguar dos olhos, como me acontece nos funerais, mas não é a arte da minha vida.
Há autores de quem gosto e, independentemente das histórias e dos enredos que contam, que pouco me interessam, me transmitem visão, inteligência, humanidade dos bichos e desumanidade dos deuses, irrelevância dos anjos, bravura dos touros, integridade dos burros, coragem dos ignorantes, força dos destemidos, paixão dos simples e ingénuos, espírito guerreiro dos ofendidos, insubmissão dos maltratados, revolta dos empobrecidos, inconformismo dos caluniados, capacidade de abnegação, pela verdade, pela autenticidade, pela justiça e pelo direito, contra tudo e contra todos, sem cedências a partidos, religiões, conluios, arranjinhos e trapaças palacianas ou de alcova, que não perdoam a ninguém que seja um verme, quer ele esteja nas instâncias superiores dos intocáveis, ou não. Se fossem feras eram puras, respeitáveis como leões, ou águias, ou serpentes, que não fazem mal a uma pomba, mas são implacáveis e inclementes com eles próprios, segundo os seus critérios, ainda que só em ficção.
Quem não sonha passar num crivo destes?
Autores que ousaram, ou ousam, enfrentar os poderes, todos os tipos de poderes, seja o poder do sexo, ou do dinheiro, ou das armas, da democracia, ou da ciência, ou da religião, mesmo sem esperança de os vencerem?
Que, inclusivamente, ousaram, ou ousam, enfrentar os poderes da literatura?
Autores que foram vencidos por ela, e ainda bem?
Não só pelos poderes da literatura, mas pelos seus valores, que não cabem na frincha de nenhum mealheiro?
sexta-feira, 1 de julho de 2022
Poderá um professor ensinar mais do que aquilo que sabe?
Poderá um professor ensinar mais do que aquilo que sabe?
Ou um aprendiz aprender só aquilo que o mestre lhe ensina?
Nenhum aprendiz aprende só o que o mestre lhe ensina, nem tudo o que o mestre lhe quer ensinar.
A maior parte das vezes temos aprendizes que aprendem de inúmeros mestres.
Muitas vezes aprendem com os próprios pensamentos e com a própria sombra, com o eco dos próprios erros.
A questão é então sobre o que se pode e deve potenciar num processo que é inevitável porque é natural.
A base da educação e do ensino é a ideia de que se deve socializar e integrar o indivíduo num determinado sistema social e económico, político e religioso, de modo a torná-lo funcional e proveitoso para o sistema e para si próprio, evitando que ele possa vir a ser um problema para si próprio e para o sistema.
Parte-se da ideia geral e abstracta de que há princípios e valores em que todo o indivíduo deve ser educado e que, desde que os respeite, tem toda a liberdade para agir.
Entre esses princípios e valores estão a honestidade, o trabalho, o respeito, o jogo limpo, a solidariedade e o mérito.
Mas há toda uma casta de valores que, numa cultura de exacerbação da esperteza e da inteligência na viciação do jogo, para disso tirar proveito, não propriamente indevido, mas inacessível ao comum dos mortais, não fazem parte do cardápio de aprendizagens e de práticas institucionalizadas. Ou seja, a escola, a igreja, o tribunal, a catequista, o partido, o professor, o mestre-escola, as estruturas distribuidoras do sentido do dever, cumprem a função de ensinar e educar para as regras dos jogos, ou para as leis da natureza, mas dificilmente, ou nunca, ensinam e preparam para o jogo, para os negócios, para as posições de vantagens e como tirar desforço de um golpe do adversário.
O desfasamento da escola relativamente à vida é brutal quando de um lado da corda estão os mais nutridos e desinibidos traficantes/negociantes de milhões e do outro os anémicos e anacoretas alquimistas, ou lunáticos alfarrabistas.
E não estou a dizer que estes não sejam os activos realmente importantes para os negócios daqueles.
segunda-feira, 13 de junho de 2022
Máquinas pensantes que sentem
A máquina pensante assemelha-se em tudo a um estômago triturador, cujos refluxos não dependem da vontade, por mais incómodos e indesejáveis que sejam. Mas, com ou sem refluxos, a máquina aprende sempre e aprende com tudo.
sexta-feira, 3 de junho de 2022
Todas as ciências são ciências do homem
Há que evitar uma tentação, que é uma tendência dos processos de pensamento, de tomar a análise pelo analisado e, daí, fazer todo o tipo de inferências, ou colocar um computador a fazê-lo, ad aeternum, no éter.
Uma sugestão, para o desafio colocado pela ideia de uma hierarquização dos conhecimentos e das ciências, é partir do princípio de que, realmente, todo o conhecimento, todo o discurso, toda a ciência, são humanos e que todas as ciências, em última instância, são tentativas de responder a questões e resolver problemas do homem.
Neste sentido, todo o conhecimento é "antropologia" e a importância das ciências deriva do serviço ou da utilidade que elas possam ter para o homem, para a sociedade, para a humanidade.
Neste sentido, seríamos tentados a considerar que nenhuma ciência é tão importante e relevante para o homem como o é a antropologia, ou, em geral, as ciências humanas e sociais. Continua a ser válido o brocardo antigo "conhece-te a ti mesmo" como algo cuja importância não pode ser diminuída nem substituída.
Só que, como referimos, todas as ciências existem e concorrem para esse conhecimento, apesar de enfoques específicos de cada uma sobre a realidade.
O nosso modo de conhecer é descontínuo e é em diferido, mas a realidade não.